Os games como objeto de investigação social
A indústria de jogos eletrônicos apresentou um enorme crescimento ao longo dos últimos anos. Dados da Newzoo, empresa líder na divulgação de informações globais relacionadas ao segmento de videogames, apontam que aproximadamente 3,2 bilhões de pessoas jogam algum tipo game com relativa frequência – o equivalente a 40% da população mundial. Apenas em 2022, os gamers movimentaram quase 200 bilhões de dólares – quantia maior do que as receitas geradas pelos mercados do cinema e da música juntos.
Conforme destaca Jane McGonigal, há cada vez mais pessoas dispostas a “abandonar” a realidade para dedicar seu tempo aos ambientes virtuais dos jogos eletrônicos. Pessoas comuns, como estudantes da educação básica, universitários e trabalhadores em geral. Uma pesquisa realizada em 2015 pelo NPD Group aponta que, só no Brasil, 82% dos indivíduos entre 13-59 anos jogam ao menos em um dispositivo, como console, computador, notebook, smartphone, etc.
Nessa linha de reflexão, considerando a posição central que os games ocupam na cultura pop contemporânea, é fundamental desenvolvermos um olhar mais aprofundado em torno dessas mídias. Em geral, as Ciências Sociais têm dado pouca atenção ao universo dos games, o que pode ser observado na escassa produção acadêmica disponível. Ao comentar sobre o caso específico da Sociologia, por exemplo, Garry Crawford afirma que o envolvimento dos sociólogos com os jogos eletrônicos é decepcionante.
Diante desse cenário e visando fortalecer o campo de investigação sobre os videogames, criamos o GamePesq – Grupo de Pesquisas sobre Games, Cultura e Sociedade. O grupo foi formado com o objetivo de reunir pesquisadores (professores, estudantes de graduação e pós-graduação) da UFRGS e de outras instituições, interessados em estudar e debater as mais diversas questões vinculadas à relação entre jogos eletrônicos, sociedade e cultura. Trata-se de um espaço acadêmico voltado à reflexão social em torno dos games, sustentado no princípio da interdisciplinaridade.
Um dos temas que vem sendo objeto de investigação no âmbito do GamePesq é o surgimento recente de uma nova categoria profissional: a de professional gamer. Para os pró-players – modo como são conhecidos os jogadores profissionais –, jogar videogame não é apenas uma diversão, mas a sua verdadeira profissão. Muitos desses jovens dedicam até doze horas de treinamento por dia, visando participar de grandes competições nacionais e internacionais de jogos como Counter Strike, League of Legends, Fortnite, entre outros. Todo esse esforço, no entanto, acaba acarretando uma série de problemas físicos e mentais que levam boa parte desses jovens a se aposentar da carreira antes mesmo dos trinta anos. No momento, contamos com um projeto de pesquisa em andamento cujo objetivo é justamente investigar a realidade de trabalho dos pró-players brasileiros.
Em nossas pesquisas, também temos refletido acerca dos jogos eletrônicos como sistemas simbólicos que reproduzem (e produzem) sentidos. Tal dimensão simbólica está presente em diversos aspectos, por exemplo, na representação problemática das personagens femininas. Embora metade das pessoas que jogam games sejam mulheres, a maior parte dos desenvolvedores ainda são homens – estima-se que em torno de 75%. Consequentemente, tal como destaca Salomé Lhuillery, os videogames têm sido criados por homens e para os homens. O resultado dessa hegemonia é um fenômeno que Laura Mulvey denomina de “male gaze”, isto é, o olhar masculino, uma visão de mundo patriarcal que trata as mulheres como objeto de desejo. Isso pode ser visto em incontáveis jogos que retratam as personagens femininas de maneira extremamente sexualizada.
Ainda no terreno da representação simbólica, também faz parte dos nossos objetos de pesquisa a representação racial nos games, a qual, assim como a representação feminina, também é extremamente problemática e rodeada de estereótipos. Do mesmo modo, temos refletido ainda a respeito de um antigo – mas sempre atual – debate: a relação entre jogos eletrônicos e violência, normalmente tratada à luz do sensacionalismo e permeada de informações equivocadas.
(*) Everton Garcia da Costa é professor do departamento de Sociologia.