Piso Salarial da Enfermagem é no vencimento-básico, é no salário-base!
Os gestores públicos dos entes subnacionais têm elevada missão com os trabalhadores que, literalmente, entregaram suas vidas para salvar tantas outras na pandemia que colheu nossa geração como jamais visto no último século, isto porque, como alude o regramento constitucional, o Piso Nacional da Enfermagem hoje é uma realidade institucional, legal, jurídica e fática pois as subvenções para garantir a implantação do piso nacional aos servidores públicos e aos empregados das entidades filantrópicas e das contratualizadas que atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo SUS já estão disponíveis, segundo portaria do ministério da saúde.
A guisa de exemplo, o Município de Campo Grande, para custear a implantação do piso, receberá de maio a dezembro somente deste ano nove parcelas que totalizam mais de 46 milhões de reais para fazer frente a complementação salarial visando alcançar o índice salarial previsto para os pisos das categorias de enfermagem. Nesta hora que se aproxima a concreção do mínimo reconhecimento destes valorosos profissionais nos cabe aclarar de que forma isto DEVE se dar nas folhas de pagamento com efeito imediato na dignidade dos trabalhadores de enfermagem, e para isto cravamos sem sombra de dúvidas que a complementação do piso deve se dar no vencimento-base dos servidores públicos e na rubrica salário-base dos empregados da iniciativa privada.
Dessarte, tal assertiva decorre da Jurisprudência do Excelso Supremo Tribunal Federal que em julgamento da ADI nº 4.167-3 assentou entendimento pelo qual o termo “piso salarial” remete-se ao conteúdo básico da remuneração (leia-se vencimento-básico ou salário-base) isto porque como restou ementado no referido julgado “é constitucional norma que fixa o piso salarial com base no vencimento, e não na remuneração global”, e para chegar a tal conclusão a Suprema Corte do país aquiesceu o escólio do Eminente Ministro Joaquim Barbosa que atuou como relator no julgamento da referida ADI, que com rara genialidade que lhe é peculiar nos brindou com a seguinte lição:
“ Ilustro com um exemplo hipotético. Imagine-se que um determinado ente federado crie salutar gratificação ou bônus baseado na excelência do desempenho de seu servidor. Se o piso compreender a remuneração global do professor, o pagamento da gratificação poderá igualar ou superar o limite mínimo, de modo a anular ou mitigar ambos incentivos para o profissional assíduo. Ao mesmo tempo, profissionais que não atenderem às condições para receber a gratificação por desempenho poderão ter remuneração igual ou próxima daquela recebida pelo professor recipiente da distinção de excelência. Assim, haveria perceptível desestímulo às políticas de incentivo e responsabilidade necessárias ao provimento de serviços educacionais de qualidade pelo Estado baseados em critérios relevantíssimo: o mérito.”
É insofismável que se extraí destas notas a conclusão de que tentar embutir no conceito e no conteúdo de piso salarial outras variáveis remuneratórias para se concluir que está se cumprindo o piso “normativo” é burlar o mínimo civilizatório e desnaturar a natureza jurídica do piso e das demais rubricas eventualmente percebidas pelos trabalhadores. Vejamos o exemplo do adicional de insalubridade, tal adicional é ínsito das condições insalubres, se cessadas, deixa de existir o direito pecuniário sobre esta verba. E agora vejamos, se temos dois profissionais enfermeiros, um atuando no setor meramente administrativo e outro atuando no setor de assistência na área vermelha, o primeiro não recebe adicional de insalubridade, já o segundo fatalmente deve receber sobre o grau máximo, e então, como ficaríamos? Suprimiria a contraprestação da insalubridade do segundo que trabalha na área vermelha o igualando ao primeiro em cujo labor não está em condições insalubres? Impossível.
Outro exemplo é no caso do serviço público, que em muitos casos recebem adicional por tempo de serviço (também chamado de quinquênio) e cujo adicional é voltado a retribuir o tempo de “casa”, apostando logicamente no grau de experiência que decorre de maior tempo de traquejo nas atividades laborais, e assim, se utilizássemos o adicional de quinquênio para alcançar o piso por certo estar-se-ia nivelando em iguais condições de tempo de experiência os mais antigos no posto de trabalho aos mais novos, retirando assim a própria natureza jurídica do atributo do tempo de serviço.
Como último exemplo cito a produtividade (que em muitos casos, como no serviço público, já é paga com recursos federais próprios para esta finalidade). O que faria então a administração pública? Receberia uma verba para pagamento da produtividade e outra para complementação do piso, e aí numa burla a lei e com total desvio de finalidade (o que dá notas de improbidade ao administrador) suprimiria o pagamento da produtividade destinando o recurso para outras finalidades sob o fundamento de que a produtividade foi englobada pela complementação do piso? Como o judiciário e o ministério público viriam tal desvio? Lógico, sem contar a franca dissimulação da própria produtividade que em seu regramento e por sua natureza remunera distintamente cada serviço, a exemplo do que foi citado acima.
Bem, diante disto, e balizado na jurisprudência do STF é de se concluir que piso é vencimento, piso é salário-base e não é muito ainda lembrar que, nos serviços de enfermagem organizados em plano de cargos e carreira, deve-se haver a adequação (leia: adequação e não reestruturação) das carreiras para atender o piso nacional sob pena de omissão a dispositivo constitucional, e assim, como assenta a Douta Procuradoria Geral da República em sede de parecer em recurso extraordinário representativo de controvérsia sob o Tema 1.218 na sistemática de repercussão geral exige-se que o piso salarial seja o valor do vencimento inicial da carreira, de maneira que, nas eventuais adequações das carreiras de enfermagem haja a fiel adequação com a imposição do piso nacional como indicie inicial de cada uma das categorias de enfermagem.
Márcio Almeida, advogado.
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