Transição e mobilidade
Mesmo com todo espaço dedicado à COP26 de Glasgow, me parece que nem a imprensa nem a opinião pública conseguem avaliar com clareza o desafio climático que temos pela frente.
Em 1896, Svante Arrhenius, cientista sueco, previu que se a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera dobrasse a temperatura média da terra teria um incremento de aproximadamente 5 graus celsius. Um século depois, com uma infinidade de dados medidos e sofisticados programas computacionais, as previsões continuam as mesmas.
O século XX foi forjado pelos combustíveis fósseis. O consumo global de energia passou de 40 exajoules (EJ), em 1900, para 400 EJ cem anos depois. Hoje, o nosso consumo é da ordem de 600 EJ.
O desenvolvimento das grandes cidades, a oferta de alimentos, a mobilidade urbana, o comércio internacional e o aumento exponencial da população foram possíveis graças à oferta abundante de petróleo, carvão e gás natural.
A consequência mais grave deste incremento do consumo de combustíveis fósseis é a emissão de CO2 que, hoje, é da ordem de 35 bilhões de toneladas por ano provocando o aumento da sua concentração na atmosfera. O valor histórico (dos últimos 800 mil anos) sempre foi inferior a 300 partes por milhão (ppm) e, no ano passado, o valor medido foi de 420 ppm. A emissão e a concentração de CO2 continuam crescendo.
Se mantivermos o mesmo ritmo, a elevação dos cinco graus na temperatura da terra, prevista por Arrhenius, ocorrerá ainda neste século. Por isso, os cientistas propõem uma mudança radical no nosso estilo de vida para, em 2050, atingirmos a meta de emissão zero.
Note que é uma missão quase impossível. A ONU tem discutido esse assunto, em fóruns internacionais, há mais de 30 anos, desde a conferência do Rio de Janeiro (ECO92). De lá pra cá, o consumo primário de energia quase dobrou e a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética global não se altera e continua superior a 80%.
Parar de emitir CO2 significa, por exemplo, não usar mais o carvão para produzir energia elétrica. Revolucionar a tecnologia da construção civil reduzindo o uso de aço e cimento. E, minha maior preocupação atual, abandonar os motores a combustão interna. Alguém já parou para pensar como seria a cidade de Brasília sem carros?
Na Europa, várias cidades estão retirando os carros das ruas. O centro das cidades passa ser de uso exclusivo dos pedestres. Para viabilizar essa mudança, foi necessário um pesado investimento em infraestrutura de transporte público elétrico. Foi preciso, também, dificultar o acesso para os carros, construir ciclovias seguras, cobrar, cada vez mais cara, a tarifa do estacionamento público.
Em Brasília, o que vemos é o contrário. O dinheiro público tem sido usado para alargar avenidas, construir novos viadutos e facilitar a vida dos motoristas. Temos que redefinir, com urgência, as nossas prioridades.
A transição energética será uma tarefa muito difícil. A ação do governo é indispensável para planejar um futuro sustentável. Não podemos correr o risco de inviabilizar a vida na terra.
(*) Ivan Marques de Toledo Camargo é professor do Departamento de Engenharia Elétrica. Graduado em Engenharia Elétrica pela UnB.