Você quer morrer de quê?
O momento requer cautela, economistas defendem que o afastamento das pessoas do ambiente produtivo proporcionará uma devastação e uma tragédia humanitária e social muitas vezes maior que a da atual epidemia.
Os milhares de trabalhadores informais, sim aqueles que vivem à margem da sociedade fora das estatísticas, pintando sua casa, cortando seu lindo jardim, vendendo água e alimentos nas ruas, limpando a piscina da sua casa, fazendo aquela faxina semanal, consertando um cano ou fazendo um serviço aqui e outro acolá, serão os primeiros a serem atingidos.
Na sequência lógica, serão dragados os milhares de micro e pequenos empresários, que de igual forma não têm rede de proteção social ou assistência por qualquer programa do governo.
Depois, os trabalhadores formais, esses sim, perderão seus empregos em poucos dias, os melhores em meses, e como todos, não terão recursos para arcar com o medicamento da mãe, do pai ou do filho doente, que certamente irão morrer amanhã, ou talvez hoje, e que por razões obvias não entrarão nas estatísticas do COVID-19.
Sem contar a fome, os mortos por fome e pela perda na qualidade de vida arduamente conquistada nos últimos anos.
Não há como ignorar que todos estes também serão vítimas do COVID-19, portanto essa realidade não pode ser ignorada em qualquer plano que vislumbre salvar vidas.
Esse discurso fácil de saúde versos economia é bonito à primeira vista, pois passa uma falsa ideia de que vidas estão sendo preservadas.
Ledo engano meu amigo! O isolamento da massa produtiva desse país matará mais, por muito mais tempo, essa é a diferença da visão pela perspectiva médica em relação à econômica.
A perspectiva médica, só tem olhos para ver o que está disponível a olho nu, foca no que vê no limite dos seus olhos.
De outro lado, a perspectiva econômica é mais ampla, profunda e não ignora essa realidade, mas pondera, consegue enxergar muito além das alas hospitalares, vê o futuro social no peso das decisões de hoje.
Muitos profissionais da saúde e autoridades, não têm ideia da devastação humanitária que será provocada pelo confinamento de populações inteiras por um ou mais meses, lamentavelmente esse impacto está sendo completamente negligenciado e ignorado em suas projeções.
Acreditem, mais letal que o COVID-19 será o cenário que veremos nos próximos meses e anos, que aos mais pobres e menos abastados teremos que dar a opção: Você quer morrer de quê?
A você mais rico, não se preocupe, a epidemia econômica é mais cruel que a sanitária, vai começar pelos pobres, mas vai pegar todo mundo, e vai chegar até você.
Ao contrário de espalhar vírus, ela vai espalhar uma epidemia de fome, insegurança, violência e caos social nunca antes vistos nesse país.
Por isso, devemos reavaliar as estratégias e talvez adotar medidas a meio termo: que o isolamento na população se limite aos idosos e grupos de risco.
Mantendo a circulação e as atividades produtivas daqueles que estão fora da faixa de vulnerabilidade.
Nessa hora, falta aos nossos governantes e autoridades serem mais corajosos e menos voluntariosos e vaidosos para enfrentar o risco de execração por parte de quem fica apavorado.
Nas horas de caos, a mal pior é gente que se apresenta na pele de prestativas, mas que são incompetentes para entender e decidir sobre os fatos.
A imprensa também terá que ter humildade e rever seu posicionamento diante dos fatos, pois terá papel fundamental na reversão do pânico que ajudou a causar em todos.
(*) Fernando Abrahão é economista.