Após chuva de atestado na dengue, trabalhador na covid tem medo de se afastar
"Ninguém está apresentando atestado de bobeira", diz o presidente da CDL sobre afastamentos por covid
Antes da pandemia da covid-19, a epidemia de dengue já tinha mostrado o impacto que o afastamento de trabalhadores traz para a economia. Em 2020, no cenário da covid-19, com dados de infectados crescendo a cada dia mais, Mato Grosso do Sul é o Estado recorde da covid no País, com alta de 157% no número de casos, a leitura que a CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) faz é outra: "ninguém está apresentando atestado de bobeira", diz o presidente da entidade, Adelaido Vila.
A instituição não chega a contabilizar o número de atestados pela covid-19 apresentados no comércio, mas consegue observar o que Adelaido chama de "nível de consciência" dos empregados diante do contexto de redução de salários e demissões.
"O que a gente percebeu este ano foi a própria valorização do trabalhador, principalmente porque reduziu muito o quadro de funcionários e quem ficou, ficou porque é bom, ninguém está mais apresentando atestado de bobeira, só quando realmente não está bem", pontua o presidente da CDL.
Em anos anteriores, quando o assunto era dengue, a instituição chegou a fazer uma campanha junto da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) para validar atestados devido à quantidade que chegava às empresas. "Nós fomos buscar a Sesau para validar os atestados, porque estavam chegando muito, ficamos na dúvida e aquilo estava impactando demais o funcionamento de tudo", recorda.
Foi aí que CDL e Sesau construíram protocolos para validar atestados que chegavam. "Naquele momento foi criado um canal, o empresário mandava para a Secretaria validar. Essa campanha que fizemos demonstrou que a gente consegue verificar se existe má vontade, se os funcionários estão se aproveitando. E o que a gente percebeu este ano foi o contrário, a valorização do trabalho", compara.
Em um dos shoppings da Capital, que movimenta 10 mil pessoas entre trabalhadores, fornecedores e lojistas, representando toda a cadeia produtiva, a CDL afirma que do início da pandemia até hoje foram comunicados apenas 18 contaminados pelo coronavírus.
"É bem abaixo, no varejo nós tivemos poucas pessoas contaminadas e a nossa grande visão de tudo isso é que o cara que está trabalhando, na empresa, é obrigado a usar máscara, álcool em gel e adotar protocolos de biossegurança, quando ele não está trabalhando, já não faz o mesmo procedimento. Então quanto menor volume de gente trabalhando, maior o número de contaminações", sustenta.
A CDL informa que criou um curso com todos os protocolos de biossegurança e quem trabalha no comércio, é obrigado a fazer. Além disso, existe um setor dentro da Câmara que faz a releitura de todos os atestados e conta com médicos do trabalho que, segundo Adelaido, analisam os atestados que chegam.
"Se o dono da empresa entende que seria interessante que o trabalhador passasse por um novo médico, o médico do trabalho está à disposição para fazer essa avaliação. De repente, o cara tem alguns sintomas e algumas coisas que não parece ser covid, então pode enviar para este médico fazer a avaliação e ele vai entender se é caso ou não de afastamento", explica o presidente.
Adelaido frisa que não há um questionamento em cima do atestado fornecido pelo trabalhador, mas que as empresas associadas à CDL podem remeter o funcionário a um novo médico. "Que vai fazer essa avaliação, a legislação inclusive permite isso", ressalta.
Na experiência de anos anteriores, quando a dengue era notícia devido ao número de casos, o presidente da entidade fala que agora não se vê a mesma onda que o mosquito Aedes aegypti provocou. "Na dengue, era assustador, mas agora, com a covid não está tendo. O número de pessoas desempregadas que tem, quem está trabalhando, faz isso com muita vontade. Ele só para se não estiver bem mesmo, se realmente estiver contaminado", acredita.
Demora na testagem - Para o diretor da Acicg (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG), Roberto Oshiro, a demora no acesso ao teste é um complicador neste momento de pandemia. "Se tivesse uma forma de testar de maneira mais rápida e efetiva. Além da demora para marcar os exames, o número de testes não é suficiente para atender toda a demanda da população", afirma.
A preocupação dos empresários têm sido com os afastamentos e também os dias de atestado. "Por precaução, os médicos estão dando afastamento mesmo quando é uma suspeita e às vezes pode ser uma gripe, resfriado ou alergia, e geralmente é por 15 dias", descreve Roberto Oshiro. Na maioria dos casos, que chegam ao conhecimento da Associação, os funcionários tiveram o resultado negativo, um alívio para a saúde, mas visto com outros olhos pelo aspecto econômico.
"Ficam afastados por esse período e a maioria dos casos não é covid, e acaba dando um prejuízo considerável ainda mais nessa época do ano, quando o movimento aumenta", diz. Para a Associação Comercial, deveria haver critérios mais assertivos, além de reforço na oferta de testes. "Países como a Coreia, onde se tem testagem em massa para saber exatamente quem já pegou, quem foi assintomático e imunidade. Nada disso foi feito no Brasil e poderia ajudar neste sentido até para se ter um controle melhor tanto da doença como dos afastamentos".
Sobre os atestados, Roberto Oshiro afirma que é difícil julgar quando pode ser suspeita ou apenas receio. "Está todo mundo muito preocupado com essa doença, eu mesmo tive suspeita e a primeira coisa a fazer foi me afastar, você precisa tentar proteger você e o próximo. Estamos vivendo uma situação atípica, mesmo que esteja gerando esse impacto, é preciso ter cautela, até para se evitar a contaminação no próprio ambiente da empresa", aponta.