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Cidades

Da rede social à porta do trabalho: perseguição que virou crime soma 624 dramas

Numa menor escala, situação também atormenta homens, que, contudo, relutam em denunciar

Aline dos Santos | 09/05/2022 12:38
Boa parte da perseguição reiterada à vítima acontece nas redes sociais. (Foto: Henrique Kawaminami)
Boa parte da perseguição reiterada à vítima acontece nas redes sociais. (Foto: Henrique Kawaminami)

Crime definido há um ano, o stalking (perseguição) já totaliza 624 dramas levados às autoridades policiais em Mato Grosso do Sul. As estatísticas são do Sigo (Sistema Integrado de Gestão Operacional). E o termo "casos" são denominados dramas nesta reportagem por ser a expressão mais fiel do que enfrenta as vítimas, em sua maioria mulheres.

É preciso trocar três vezes de endereço, enfrentar o medo de ter por meses a fio um estranho parado nas proximidades do trabalho ou até mudar de país.

O crime também atormenta homens, que, contudo, relutam em denunciar. Até abril do ano passado, esse tipo de perseguição era enquadrada apenas como contravenção penal, que previa o crime de perturbação da tranquilidade alheia, punível com prisão de 15 dias a 2 meses.

Com mudança na lei, a punição se tornou mais severa para quem comete “perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém, interferindo na liberdade e na privacidade da vítima”. A pena em caso de condenação pode variar de seis meses a dois anos.

“Antes, era previsto como contravenção penal de perturbação da tranquilidade e tinha uma pena menor. Agora, prevê outras situações de perturbação da tranquilidade, inclusive por intermédio da internet”, afirma a titular da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), Elaine Benicasa.

A delegada lembra que a perseguição pode ser o início do ciclo da violência doméstica. O quadro mais comum é de estarrecer: envio de mensagens contínuas por redes sociais, e-mails perturbadores, constante procura pela vítima, seja no ambiente de trabalho, na escola, no grupo de amigos.

Delegada Elaine Benicasa é titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. (Foto: Henrique Kawaminami)
Delegada Elaine Benicasa é titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. (Foto: Henrique Kawaminami)

É necessário que esses atos de perseguição se deem mais de uma vez. Não seja um ato isolado, mas algo que se repita de forma frequente, demonstrando certa insistência e certa impertinência do autor para com a vítima”, diz a delegada.

O perfil das vítimas inclui desde quem nunca quis relacionamento, mas acaba perseguida em várias situações, àquelas que decidiram desfazer os laços afetivos. “O autor não contente, não concordando com o término, insiste em reatar. Ele passa a perturbá-la, persegui-la. Entrar em contato insistentemente por meio do telefone, redes sociais.”

As vítimas de stalking devem comparecer à Deam e formalizar a denúncia. A depender da situação, são solicitadas medidas protetivas. A delegacia fica localizada na Casa da Mulher Brasileira (Rua Brasília, Jardim Imá, em Campo Grande). Denúncias também podem ser feitas por meio do Disque 180.

A juíza Helena Alice Machado Coelho atua na 1ª Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. (Foto: Facebook/Amamasul)
A juíza Helena Alice Machado Coelho atua na 1ª Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. (Foto: Facebook/Amamasul)

Antes do feminicídio, o stalking

Titular da 1ª Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a juíza Helena Alice Machado Coelho afirma que a Lei do Stalking é um avanço. “Especialmente quando se trata de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, a lei constitui um avanço na medida em que estudos indicam que, em muitos casos, o feminicídio é precedido de stalking.”

Ainda de acordo com a magistrada, a lei prevê que o juiz ou juíza determinará, na sentença penal condenatória, o pagamento de indenização em favor da vítima.

“Se o crime de stalking é cometido em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, e houver pedido expresso nesse sentido, é possível a condenação do autor do fato no pagamento de indenização por dano moral em favor da vítima.”

Em Mato Grosso do Sul, a Justiça estadual tem 304 ações sobre stalking que tramitam em primeiro grau.

Maioria na perseguição, homem reluta em denunciar

O advogado Oton Nasser afirma que a lei que criminaliza o stalking teve resultado positivo neste primeiro ano, mas defende punição ainda mais severa contra os atos covardes.

“Do meu ponto de vista, a condenação é muito branda. É preciso condenação pedagógica, que possa servir de exemplo. A intenção do stalkeador é acabar com a vítima. Fazê-la mudar de emprego, cidade, país. É uma covardia muito grande.”

Nasser pondera que há alternativa de buscar reparação cível simultânea a criminal. “Conseguir uma ordem de afastamento, sob pena pecuniária diária. Quanto mais grave a situação, medidas mais rígidas podem ser adotadas.”

O advogado destaca que homens também são vítimas de perseguição. Mas eles se mostram mais relutantes em pedir ajuda.

 Advgado Oton Nasser defende punição ainda mais severa para perseguidores. (Foto: Arquivo)
 Advgado Oton Nasser defende punição ainda mais severa para perseguidores. (Foto: Arquivo)

Normalmente, as mulheres são as vítimas desses atos covardes. Mas também há casos de homens. Teve uma moça que, infelizmente, ficou vários meses atrás do meu cliente. Importunando, prejudicando. Utilizava as redes sociais, fazia perfil falso, mantinha contato com os parentes do meu cliente, ele não tinha paz. O stalking caça a vítima direta e indiretamente”, diz.

Pelas redes sociais, a jovem conseguia se aproximar de parentes e dos melhores amigos da vítima. O homem ficou sofrendo calado um ano e meio, enquanto recebia presentes e mensagens em tom ameaçador, como “amanhã vou te ver”.  Ele só procurou ajuda depois de a família notar mudanças no seu comportamento.

O advogado enviou uma carta notificatória para a autora da perseguição. “É uma carta de prevenção de direitos. Em resumo, ou você cessa ou adotaremos as providências cabíveis”. Houve registro de boletim de ocorrência e representação criminal.

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