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Cidades

Ministério dos Direitos Humanos ouve jovens LGBT+ em aldeias de MS

Atividades ocorreram por 5 dias e reuniu cerca de 400 pessoas, como caciques, rezadeiras e jovens LGBT+

Por Mylena Fraiha | 31/10/2024 15:19
Representante do MDHC durante escuta com jovem indígena de MS (Foto: Tati Nahuz/Ascom/MDHC)
Representante do MDHC durante escuta com jovem indígena de MS (Foto: Tati Nahuz/Ascom/MDHC)

Por cinco dias, representantes da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania), realizaram uma série de entrevistas em seis aldeias guarani-kaiowá, distribuídas por quatro municípios de Mato Grosso do Sul. A comitiva tinha como objetivo central ouvir, pela primeira vez, os jovens indígenas LGBTQIA+ de MS, que apresenta a segunda maior taxa de suicídio entre indígenas no Brasil.

Dados do relatório anual do Cimi (Conselho Missionário Indigenista) sobre a violência contra os povos indígenas apontam que o número de suicídios entre indígenas aumentou 53% entre 2022 e 2023, passando de 115 para 180 casos. A maioria das vítimas são homens entre 20 e 59 anos, com o Amazonas liderando o ranking com 66 registros, seguido pelo Mato Grosso do Sul, com 37, e Roraima, com 19.

Diante desse contexto, o trabalho de escuta, realizado em rodas de conversa e oficinas, foi essencial para que os registros de preconceito, violência e dor fossem compartilhados. Cerca de 400 pessoas participaram das atividades, incluindo caciques, rezadeiras, jovens LGBTQIA+ e professores.

Para a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, a escuta foi um dos maiores desafios, mas também o mérito das oitivas. “Foi muito doloroso, mas também houve momentos de muita emoção”, afirma.

De acordo com Symmy, as escutas foram conduzidas com cautela e sensibilidade para que os indígenas se sentissem seguros e acolhidos ao relatar as violações que vivenciaram e a forma como lidaram com elas. “O maior desafio era não ser invasivo. Nós fomos dispostos a respeitar a ancestralidade e a dinâmica que cada comunidade vivencia”, comentou Symmy.

Ela acredita que estimular a participação ativa dos indígenas na identificação de soluções e na construção de ações concretas fortalece a autonomia e o protagonismo da comunidade. “Quando nos propomos, enquanto governo, a escutar mais do que orientar e transformar essa escuta em ação, isso nos torna muito potentes”, completa.

Durante a visita, foram também divulgados os canais de denúncia do MDHC, como o Disque 100, e promovidas ações de conscientização sobre o combate à violência LGBTfóbica, respeitando especificidades culturais. A ideia é fortalecer estratégias de autoproteção nas comunidades guarani-kaiowá por meio de uma linguagem acessível e adaptada.

Representantes do MDHC durante roda de conversa com jovens indígenas de MS (Foto: Tati Nahuz/Ascom/MDHC)
Representantes do MDHC durante roda de conversa com jovens indígenas de MS (Foto: Tati Nahuz/Ascom/MDHC)

Relatos de preconceito - Entre os relatos, está o de Klara Benites, de 30 anos, mulher cisgênero, indígena e bissexual. Ela conta que sofreu preconceito desde cedo e enfrentou suas primeiras reações à orientação sexual na igreja da escola onde foi alfabetizada.

“Com eles, adquiri coisas boas como o respeito e o amor ao próximo, mas também muita culpa e medo. Ela olhava pra mim e dizia que era pecado. Eu senti uma grande dúvida e muito receio de sofrer as consequências”, relata Klara, que também é integrante do Coletivo Juind (Juventude Indígena Diversidade).

Ela explica que começou a entender sua sexualidade por meio de sonhos com sua ancestralidade. “Eu sonhava com a minha ancestralidade, de como deveria viver como pessoa, e fui entendendo que não importa se você é heterossexual ou homossexual: se você for escolhido, é aquilo que você é. E você vai conquistando o respeito das pessoas”.

Outro relato é de Gualoy-Kaiowa, da Tajassu Ygua, território kaiowá em Douradina, a 190 km da Capital. Segundo ele, o preconceito leva jovens LGBTQIA+ indígenas a sofrerem violência psicológica e, em casos extremos, a suicidarem-se.  “A gente sofre violência psicológica com o preconceito, e isso leva o LGBTQIA+ indígena a tirar a própria vida”, afirma.

Ele também compartilha o caso de um jovem indígena de 22 anos que cometeu suicídio após a perda de um amigo próximo, também homossexual. “Ele ficou tão triste que não suportou”, relembra.

Desdobramentos - As oitivas fazem parte do programa Bem Viver+, que visa enfrentar a violência e promover os direitos humanos nos territórios do campo, das águas e das florestas.

A iniciativa foi um desdobramento do Encontro LGBTQIA+ Indígena Guarani-Kaiowá, realizado em junho deste ano. Com apoio do MPI (Ministério dos Povos Indígenas), da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde e da SEC (Secretaria Estadual da Cidadania) do Mato Grosso do Sul, a ação tem como objetivo fortalecer a rede de proteção e desenvolver ações conjuntas de enfrentamento à violência contra pessoas LGBTQIA+ indígenas.

O coordenador de Políticas LGBTQIA+ do Ministério dos Povos Indígenas, Niotxarú Pataxó, reforça a importância de articular de forma interinstitucional para implementar políticas eficazes. “Queremos dar mais segurança para que os indígenas LGBTQIA+ possam viver com mais tranquilidade”.

A próxima fase do projeto é transformar os depoimentos em um diagnóstico detalhado sobre as violações de direitos enfrentadas por pessoas LGBTQIA+ nos territórios indígenas. As informações serão fundamentais para desenvolver políticas públicas e criar um projeto de promoção de saúde mental, com foco na prevenção de suicídio e participação de educadores locais e representantes das comunidades indígenas.

“É histórico para nós. Precisamos dessa articulação e diálogo para que os guarani-kaiowá tenham uma rede de proteção”, celebra Gualoy-Kaiowa.

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