Novas rotas em MS podem favorecer logística a serviço do narcotráfico
Especialista alerta que é preciso plano de segurança integrado pela Rota Bioceânica para coibir crime
Em 1997, estudo da Interpol, a polícia americana, identificou sete estados brasileiros que integram o mapa do tráfico internacional. Na lista, Mato Grosso do Sul aparece como um dos mais vulneráveis, pela posição fronteiriça com Bolívia e Paraguai. Passados 26 anos, o crime até mudou de mãos, mas o "modus operandi" e os estados usados por ele, não.
O que mudou, e cresceu, foram as rotas para o tráfico de drogas e contrabando de armas, munições, cigarros e roubos em geral. Nesse contexto, as rodovias estaduais e federais da Rila (Rota de Integração Latino-Americana) devem se tornar estratégicas para as facções, que se aproveitam da estrutura desenvolvida para melhorias no escoamento da produção econômica para expandir a logística do crime.
A preocupação é barrar o crescimento da rota da droga, principalmente de cocaína, que vem ganhando força ao longo dos anos.
Segundo informações apuradas pela reportagem, há um plano de controle integrado na fronteira, entre Brasil e Paraguai, que está sendo elaborado.
Commodities - “Novamente Mato Grosso do Sul se destaca com papel estratégico de fronteira (...) já que é muito comum a utilização das estruturas estatais para ação de organizações criminosas, que promovem uma espécie de simbiose com o estado para obtenção de poder e lucro”, segundo avaliação do secretário-executivo de Segurança Pública de MS, Wagner Ferreira da Silva, fazendo referência à Rota Bioceânica, em artigo publicado em julho de 2022.
O traçado tem 2.396 quilômetros de corredor rodoviário, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico, percorrendo Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, fazendo a conexão do Porto de Santos, aos portos de Iquique e Antofagasta, os dois últimos, no Chile. A nova rota cortará o estado de leste a oeste, conectando Brasil e Paraguai, por meio da ponte internacional bioceânica sobre o Rio Paraguai, em Porto Murtinho, e Carmelo Peralta, no Paraguai.
O presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), Luciano Stremel Barros, lembrou o histórico de MS como corredor do tráfico e contrabando. “A fronteira seca, inevitavelmente, é um bom entreposto para a droga andina”. Somente com o Paraguai, são 436,9 quilômetros de extensão em estradas. “O Estado é um corredor apropriado das commodities ilícitas”.
A apropriação das rotas, de acordo com Barros, é um “modus operandi do crime”. Segundo ele, no caso da RILA, é preciso discutir projeto de segurança integrada entre os países, Paraguai, Argentina, Bolívia e Chile. “É preciso utilizar o mesmo mecanismo que o crime usa, que é a cooperação, porque eles têm seus agentes nesses países para conseguir seus intentos”, avaliou.
Barros diz que não vê, de forma clara, a discussão sobre segurança no discurso adotado até agora sobre a Rota Bioceânica. “É preciso ter interlocutores em cada um dos países onde opera, por onde passa, acho que os governos estão pecando nisso”, opinou. Também cita o déficit de pessoal para fiscalização nas rodovias federais. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a PRF, por exemplo, tem efetivo de 12.356 policiais em todo o país. O último concurso foi realizado em 2021 e, em agosto deste ano, a validade foi prorrogada até dezembro de 2025.
Projeto – A Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) enviou um representante na 3ª expedição RILA (Rota de Integração Latino-Americana) para analisar avanços e problemas no trajeto que ainda precisam ser resolvidos.
A missão coube ao ex-superintendente da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em MS, Luiz Alexandre da Silva, hoje, assessor da Sejusp. A análise engloba as rodovias estaduais, com a MS-166, MS-382 e MS-270, além das federais, como as BRs-060 e 267.
Fiscalização do trânsito e segurança viária foram observados no trajeto para serem detalhados em um relatório prevendo investimentos necessários dentro do Estado. Ainda de acordo com o representante da Sejusp, o governo vai fortalecer a segurança no trecho com equipamentos e viaturas para atender outros tipos de ocorrências.
"Muito embora a rodovia seja federal, há necessidade também de que os órgãos estaduais e municipais estejam preparados para atender sinistros, por exemplo”, explicou Silva.
Ainda de acordo com Silva, existe a previsão de uma área de controle integrado na fronteira entre Brasil e Paraguai com representantes dos órgãos de segurança pública dos dois países. O projeto está sendo acompanhado pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes) que já homologou a construção do centro. "Deve funcionar tudo junto, aduana, migração e vigilância sanitária com representantes da polícia e Receita Federal", explicou.
A PRF, segundo informou a assessoria de imprensa, fará parte desse centro integrado. Representantes da corporação participaram da expedição e agora estão sendo analisadas as possibilidades de atuação de cada ente da segurança.
Especificamente a Polícia Rodoviária Federal deverá estar, além de no centro de controle, também em uma unidade separada, a ser instalada em Porto Murtinho, para "garantir um serviço de mais excelência de segurança viária e de combate ao crime", assegurou a corporação.
Cocaína – Que MS é um dos principais corredores do narcotráfico isso não é novidade. O já citado relatório da Interpol, de 1997, dá grande destaque ao Estado, com passagem da droga por Ponta Porã, Bela Vista, Coronel Sapucaia, Porto Murtinho, Dourados, Corumbá e Amambai.
A passagem da cocaína foi consolidada a partir da década de 1990, com aliança entre o traficante Jorge Rafaat Toumani e Luiz Carlos da Rocha, o “Cabeça Branca”, que traziam a droga produzida do Peru e da Bolívia e usavam as estradas de MS para chegar aos grandes consumidores.
Os números de apreensões dão ideia desse crescimento. De 2016 até 2020, a média é de 3 a 5 toneladas apreendidas. A partir de 2021, a alta é exponencial, chegando as atuais 17,922 toneladas de cocaínas encontradas em flagrantes e operações, segundo dados da Sejusp. Nas estradas federais, dados da PRF (Polícia Rodoviária Federal) indicam o mesmo viés de alta.
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