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Cidades

Psicólogo é “sonho de consumo” em escolas públicas, diz coordenadora

Suicídios de estudantes, casos de depressão e violência trazem novos desafios que não encontram território preparado nas escolas. Aposta da nova coordenadoria é diálogo e ação “em conjunto” com a rede de saúde mental

Izabela Sanchez | 27/03/2019 06:30
Paola Lopes, coordenadora de psicologia educacional da SED (Foto: Izabela Sanchez)
Paola Lopes, coordenadora de psicologia educacional da SED (Foto: Izabela Sanchez)

Estudante percorre um caminho de sofrimento, a maior parte, até em razão do tempo diário, na escola. O sentimento deixou marcas nem sempre percebidas pelos colegas, professores e por toda a comunidade escolar. Em casa, o final dessa história acabou no suicídio.

Esse é, em resumo, a história contada pela série da Netflix “13 Reasons Why” (13 Razões Porque, em tradução livre), que narra a vida da adolescente Hannah Baker, que tira a própria vida depois de um longo processo de depressão e sofrimento dentro e fora da escola. Ainda assim, poderia ser, também, a história da estudante de 14 anos que frequentava a Estadual Professora Fausta Garcia Bueno, no bairro Coophasul e enforcou-se no último sábado (23).

Na ficção, os pais voltaram-se contra a escola, que foi processada. Na vida real, a mãe não culpa a escola, mas relatou que a filha apresentou conflitos. É esse cenário que faz parte, hoje, de uma série de desafios contemporâneos que pedem urgência na relação entre escola e saúde mental, mas que nem sempre encontram um terreno preparado.

Ter psicólogos de prontidão nas escolas é uma das saídas, conforme apontaram diversas pessoas em comentários na rede social Facebook, depois de postada na segunda-feira reportagem que abordou o suicídio da jovem. Ainda assim, as escolas estão longe dessa realidade. “É um sonho de consumo”, admite Paola Lopes, coordenadora da recém criada CPED (Coordenadoria de Psicologia Educacional) da SED (Secretaria Estadual de Educação), em funcionamento há 1 ano e 2 meses..

“Os psicólogos educacionais que nós temos na rede estadual são os que atendem o projeto AJA [Avanço do Jovem na Aprendizagem], nós temos uma equipe para atendê-los. Hoje, está se tentando regulamentar de ter o psicólogo educacional, garantir que ele esteja em todas as escolas do País, não só no estado. É um sonho de consumo, mas acho que a partir do momento que a SED e o governo visualizam essa possibilidade, acho que é um trabalho inicial para ser um disparador para essas políticas. Tem que ter a demanda para fazer as políticas”, comentou a coordenadora e afirmou que há, hoje, essa demanda.

Psicologia educacional – Ainda assim, Paola disse que não é papel da escola agir sozinha, e sim “em conjunto” e afirma que, diferente da "impressão" de apenas agir em questões pontuais, o trabalho da psicologia está presente nas escolas. Manuais de atendimento e de encaminhamento à rede psicossocial e cartilhas sobre comportamentos que fogem ao normal – a exemplo das auto mutilações – já foram distribuídos às direções das escolas estaduais. A psicologia nas escolas, defende, não é clínica, é aliada à melhora das práticas educacionais.

“Porque, hoje, tem questões pontuais na escola e a escola vai até certo parâmetro, depois eu tenho que encaminhar para a saúde, a escola sozinha não vai dar conta e mais do que isso, a escola está dentro da rede de atendimento, isso é prioridade, prioriza o ECA [Estatuto da Criança e Adolescente], então a rede de atendimento é saúde, educação, assistência e judicial, então nós precisamos trabalhar articulado”, comentou.

A coordenadora afirma que “toda parte que precisa de uma psicologia clínica necessita de um encaminhamento fora da escola”. “A psicologia educacional vai contribuir com estratégias e promoção de saúde dentro da escola. Como? Através de projetos, através da educação, através de maneiras e ambientes que serão elaborados para vivenciar a questão do diálogo”, diz.

Mas como e quem vai identificar a depressão e os demais sofrimentos? A coordenadora não tem a resposta e a coordenadoria não tem uma regra. Paola responde que qualquer pessoa no ambiente escolar com “visão empática” pode comunicar um comportamento diferente, mas admite que o professor é quem mais observa os alunos.

“O que a gente orienta? O professor, teoricamente, seria o que está vendo, ali, diariamente, alguma alteração de comportamento. Ele, em conjunto com a equipe dele, coordenação e direção, vai reunir, ver com outros professores: ‘você também percebeu isso’?, e fazer esses encaminhamentos. Nós temos situações aqui em que a merendeira percebeu essa alteração de comportamento. A partir do momento que nós entendemos que a escola é um ambiente, que não acontece aprendizagem só dentro da sala de aula, a sensibilização é que todos têm que fazer esse cuidado. O que estamos estudando é um projeto dos estudantes serem pares, geralmente é que ele que percebe que o outro está solitário no recreio. Hoje, quem estaria apto? Qualquer ser humano que tenha visão empática”, afirma.

A questão esbarra na rotina já sobrecarregada do professor: sozinho, em meio à salas cheias, salários baixos, dificuldade de formação. “Essa onipotência do professor a gente seria leviano de falar dela, porém o professor está em sociedade e está vivenciando essas situações. O que orientamos às escolas, ‘professor, até onde você poderia ir?’ ‘Eu posso escutar, que a minha escuta é empática, acolhedora e sem julgamentos, e fazer os encaminhamentos. Porque dependendo do professor pode causar um sofrimento: ‘eu não sei como resolver’. Quando ele entra nessa profissão ele é da relação humana, e nessa relação humana como ele vai resolver, vai acolher essa narrativa e fazer os devidos encaminhamentos”, diz, sobre isso.

Alunos fizeram um lança chamas na Escola Estadual Joaquim Murtinho na última semana (Foto: Divulgação/PM)
Alunos fizeram um lança chamas na Escola Estadual Joaquim Murtinho na última semana (Foto: Divulgação/PM)

Promover diálogo – A prevenção, diz a coordenadora, é diária e envolve espaços abertos para o diálogo sobre depressão, suicídio e projetos paralelos. “Já estou fazendo um contato desde o início do ano letivo para falar de habilidades socioemocionais, para ver projetos que as escolas estão desenvolvendo. Cada escola tem as suas especificidades, ela vai desenvolver projetos que atendam as suas especificidades. O encaminhamento comum a todas: abram ou façam uma abertura, um espaço físico, para esse diálogo. Eu preciso que a escola abra para esse diálogo”, afirma.

A coordenadora explica que a orientação às escolas é que abordem o suicídio e a depressão – e não fujam do tema -, mas que destaquem aos alunos a “promoção da vida”.

“A escola tem que trabalhar não ignorando. Sim, existe depressão, é uma doença, envolve saúde mental, a questão do suicídio tem um sofrimento daquele jovem. Vamos falar de vida, de habilidades, do que a gente pode planejar de futuro, o que esse jovem tem dentro da comunidade. Temos que remar nesse sentido”, comenta.

O suicídio e a depressão são, ainda assim, apenas parte do emaranhado complexo que envolve a vida dos jovens em sociedade. Hoje, lidam com questões de autoestima, competitividade e projetos de futuro – “o que eu vou fazer depois?” – e as redes sociais, que mudaram por completo o aprendizado, mas também contribuem, indicam especialistas, para processos depressivos.

Paola acredita que as escolas estaduais em Mato Grosso do Sul estão preparadas, mas afirma que às escolas cabe a “escolarização” e que a escola “não tem que pegar um papel que não é dela”.

“Para eu fazer uma educação significativa ou sensível a esse jovem, a gente precisa estar atento às situações, e a escola está. Tanto é que a orientação, quando faço planejamento com o professor, é, ‘o que esse jovem está escutando hoje? o que ele está vendo hoje?’ Em cima do que ele está vivenciando, vamos fomentar esses questionamentos. Com relação ao suicídio, às questões de dependência, a escola tem que saber qual é o seu papel, ela não tem que pegar um papel que não é dela. Eu tenho uma divisão de responsabilidades: a escolarização, que compete à escola, a educação, que compete aos pais e as questões de saúde que competem à saúde”.

Na Escola Municipal Valério Carlos da Costa em Sidrolândia alunos também causaram problemas com lança-chamas (Foto: Régis Cotting / Sidrolandia News)
Na Escola Municipal Valério Carlos da Costa em Sidrolândia alunos também causaram problemas com lança-chamas (Foto: Régis Cotting / Sidrolandia News)

A violência e os “alunos problema” e transferências – Brigas, “vandalismo” - em duas escolas de Mato Grosso do Sul alunos assustaram os colegas ao levarem “lança chamas” – não são novidade no ambiente escolar. A novidade está na cultura de violência e no cenário de medo deixado após o ataque em Suzano (SP).

Paola afirma que as escolas são orientadas a dialogarem com os alunos e esgotarem todas as possibilidades antes que medidas como transferências e expulsões sejam tomadas. Ainda assim, levantamento da SED mostra que em 2018 ocorreram 51.272 transferências de alunos – por motivos diversos, entre eles indisciplina – o que corresponde a 15,5% do total de matrículas da rede estadual.

“Não estamos inventando a roda. A orientação é chamar esses estudantes, chamar a família deles, ver o cenário que está acontecendo, porque ele tem essas respostas e depois de feita essa primeira contenção, fazer uma roda de conversa com a turma: ‘o que vocês pensam, que habilidades faltaram ali, que habilidades precisam ser desenvolvidas’, não tem regra porque são seres humanos, mas entendemos que a violência está em destaque”.

Muitas vezes situado entre a família que “joga” a responsabilidade para a escola e a escola que não consegue substituir o papel dos pais, aluno representa o maior desafio: promover a integração entre família e escola. A coordenadora acredita que isso já ocorre, cita projetos como o “Família na Escola”, que acontece aos finais de semana, e diz que cada escola encontrou sua maneira de conversar com a sua comunidade.

“O que a gente vê, muitas vezes, na maioria dos casos, não são pais que não querem, são pais que não tem repertório para tal. Essa escola precisa falar: ‘pai, você precisa caminhar junto se não a gente não vai conseguir’”, comenta.

No emaranhado de desafios e questões que envolvem a vida das crianças e adolescentes, a coordenadora afirma, no entanto, que apenas a maturidade vai saber lidar com questões complexas, por mais esforços que a escola faça. Ela se refere à questão da autoestima e de gênero – já apontada, por exemplo, como uma das razões dos massacres em escolas, geralmente cometidas por adolescentes do sexo masculino tendo meninas como alvo – que é trabalhada nas escolas, afirma ela, mas que encontra um alvo que ela chama de “Ferrari sem freios”.

“Eu tenho um professor de matemática que desenvolveu um projeto de violência, abriu um momento para o diálogo. A questão é que, biologicamente, esse estudante só vai atingir essa maturidade em torno de 24 ou 25 anos. Eu sempre digo que o adolescente é uma Ferrari sem freios, porém a gente precisa orientar essa Ferrari, balizar essa Ferrari e a gente faz com roda de conversa, não apenas uma palestra. A orientação para trabalhar a autoestima é a fala, a abertura para o diálogo, os projetos que os professores desenvolvem”, disse.

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