"Clã Morinigo": 3 décadas de tráfico têm até resgate de presos
Emídio Morinigo e os filhos, Jefferson e Kleber, estão presos desde 11 de setembro, mas família tem histórico antigo no crime
Até o mês passado, o sobrenome Morinigo não era um desses que ao ser dito acende de pronto a memória de conexão com o crime em Mato Grosso do Sul, como ocorre com outros. Agora é.
No dia 11 de setembro, Emídio Gimenez Morinigo e os filhos Kleber e Jefferson foram apresentados à sociedade de forma contundente pela “Operação Status”, da Polícia Federal. Eram os ocupantes do topo do organograma de esquema milionário de lavagem de dinheiro sujo, vindo do tráfico de cocaína.
Carros de luxo, mansões e resort só para as festas particulares estão entre os bens em nome de laranjas. A magnitude do patrimônio espantou até quem está acostumado a esse tipo de trabalho de apuração policial para colocar em prática o lema “siga o dinheiro”, na captura dos chefes de organizações criminosas.
A investigação jornalística da “Capivara Criminal”, porém, identificou que o “Clã Morinigo” tem atuação ilegal há mais de 25 anos.
A trajetória inclui prisões “em família”, resgate por bandidos armados de presídio, mais de 15 anos atrás, e nome na lista de mais procurados do País.
Trata-se de um clã mesmo, pessoas de “mesmo sangue” envolvidas com o crime. Todas são nascidas em Ponta Porã, cidade-gêmea de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, na região conhecida pela guerra sanguinária entre grupos do tráfico e do contrabando. Os personagens de hoje da coluna têm negócios e bens dos dois lados.
Quase três décadas - A empreitada dos Morinigo no transporte de entorpecentes já havia começado na década de 1990. A primeira prisão de Emídio localizada pela coluna foi em 1993, no interior de São Paulo, com cem quilos de cocaína escondidos no fundo falso de picape Saveiro vermelha. Junto dele, estava o irmão Elio Gimenez Morinigo, então identificado como agropecuarista na cidade sul-mato-grossense.
Onze anos depois, em outubro de 2003, o mesmo Elio, após ser preso com outra carga de cocaína, foi resgatado por quatro homens armados de dentro do presídio estadual de Ponta Porã. O filho, Jean Paul Correa Morinigo, também foi tirado da penitenciária nessa ação.
Elio Morinigo desapareceu. Em 2015, advogados que haviam sido contratados por ele em 1995 comunicaram à Justiça Estadual desconhecer o paradeiro do réu, em processo por cobrança de dívida de um banco. A ação ainda corre.
Jean Paul foi preso em 2014, em Montevidéu, no Uruguai, por falsificação de documentos. Dias depois, na mesma cidade, 267 quilos de cocaína foram apreendidos e a responsabilidade atribuída a quadrilha sob comando dele. O destino era o mercado consumidor da Europa. Na casa onde morava, foram encontrados dinheiro e celulares.
Solto, em situação não esclarecida, Jean Paul viveria no Paraguai, ainda como liderança de organização criminosa do narcotráfico. Usaria outra identificação, brasileira, mas falsificada, conforme noticia a imprensa tanto do Paraguai quanto do Uruguai.
Elio e Jean Paul Morinigo tem mandados de prisão em aberto no Brasil.
Fuga e prisão - Nas apurações da Operação Status pelo menos de forma oficial o nome desses dois Morinigos sumidos não é citado. Mas foi para o lado de lá da fronteira, em Pedro Juan, que os alvos principais da Operação Status se mudaram, quando integrantes da “orcrim”, nome técnico para organização criminosa, passaram a "cair" com quantidades razoáveis de droga.
Em apenas uma das apreensões, foram 950 quilos de cocaína, em Três Lagoas, em janeiro de 2019. Nos dois anos antes da Status, foram mais de 3 toneladas da droga apreendidos com gente ligada ao bando.
Emídio, em sua ficha corrida, tem outra prisão em 2005 com uma quantidade pequena de cocaína, no interior de São Paulo, pela qual cumpriu pena, e outra em 2009, junto com os dois filhos, durante a “Operação Riqueza”, desenvolvida pela PF paulista.
Soltos, moravam em Campo Grande até uma data não precisada pela investigação. Iam e voltaram do Paraguai e do Mato Grosso, onde tinham propriedades.
Até que se mudaram justamente para a região de Pedro Juan Caballero, de onde continuaram comandando duas estruturas clandestinas, conforme as peças investigatórias que embasaram os pedidos de prisão, acatados pela 5ª Vara da Justiça Federal, em Campo Grande.
Organização - A estrutura mantida copiava o organograma de uma firma, com departamentos responsáveis pelas tarefas. Havia a área dedicada ao lucrativo mercado da cocaína, no qual os Morinigo agiam de forma totalmente oculta, e havia a estrutura de lavagem de dinheiro.
Eles começaram a chamar a atenção em 2014, quando passaram a ostentar”, define fonte ouvida pela “Capivara Criminal”. A partir daí, empresas de fachada como a garagem JV Motors, em Campo Grande, com seus carros de alto valor em exposição, passaram a ser monitoradas até traçar as conexões com o “clã”.
Os Morinigo, indica o trabalho da PF, não botavam a mão nos valores produzidos pela comércio ilegal ao qual se dedicavam. Segundo a PF, para não deixar rastros, eles usufruiam do que o dinheiro farto ilegal permitia comprar por meio de operadores.
Até contas de despesas pessoais eram pagas assim. Um dos operadores, um doleiro, ainda não foi preso, embora esteja com ordem de encarceramento no Paraguai.
O patrimônio em nome de laranjas do “Clã Morinigo” é de impressionar, espalhado por Campo Grande, por Cuiabá (MT) e pelo Paraguai, onde Emídio, Kleber e Jefferson se instalaram nos últimos tempos
Foram sequestrados, de carros a propriedades, bens avaliados em R$ 230 milhões. Essa dinheirama do tráfico investida em nome de terceiros inclui dez imóveis em território paraguaio avaliados em R$ 150 milhões.
Os integrantes do clã que estão atrás das grades foram capturados no Paraguai, expulsos e entregues à Polícia Federal no Brasil. Considerados perigosos, foram transferidos para o presídio federal de segurança máxima de Campo Grande, onde aguardam transferência para a unidade mantida pelo Ministério da Justiça em Mossoró (RN).
A defesa tentou revogar a prisão, usando como motivação o risco de os presos contraírem covid-19 e a inexistência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva .
Ainda remanescem presentes os motivos que ensejaram sua decretação", escreveu o juiz Dalton Kita Conrado, ao manter a prisão preventiva.
*Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal vai divulgar informações sobre investigações criminais e seu andamento na Justiça.
Entenda o nome: Esta seção se chama assim em alusão à expressão "puxar a capivara", que usa o nome do animal visto frequentemente em Mato Grosso do Sul para designar o acesso à ficha corrida de alguém envolvido com o crime.
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