Concreto da "Supermáxima" silencia golpista famoso
Valfrido Gonzales tinha no telefone instrumento para arrancar dinheiro de vítimas mesmo de dentro da cadeia
Parece simplório. Mas a falta de tomada para carregar o celular é um dos motivos da saída de cena de golpista que ficou famoso nacionalmente, após ser identificado em Mato Grosso do Sul como o responsável por arrancar dinheiro de vítimas passando-se por médico, magistrado, delegado, pastor, padre. Para cometer crimes, Valfrido Gonzalves Filho encarnava o personagem que fosse preciso ao ludibriar as pessoas.
O estelionatário, na cadeia há 8 anos, está em uma das celas da “Supermáxima”, como é apelidado na linguagem dos condenados o presídio mais novo de Campo Grande, o da Gameleira, na saída para Sidrolândia, ativado este ano.
Valfrido começou a “carreira” ilícita jovem. Tem condenação de 2007, ou seja, antes dos 30 anos. Quando foi preso em 2012, tinha mais de meia centena de passagens policiais. Hoje aos 42 anos, tem pena a cumprir perto de três décadas, e contando...
As condenações vão se somando no Judiciário. No nome dele, aparecem 25 processos por estelionato só em Campo Grande.
A denúncia mais recente encontrada, ainda em andamento, é de 2017. Diz respeito ao dia em que ele convenceu paciente de hospital de Bela Vista (SP) a depositar R$ 2,4 mil para tratamento médico inexistente. A grana foi para a conta de comparsas do golpista.
Em outra ação, já com sentença, atualmente em fase de recurso, a punição imposta foi de três anos de prisão, que começariam em regime semiaberto se o preso já não tivesse inúmeras outras guias de recolhimento. No caso, ocorrido na tarde do dia 29 de maio de 2013, o criminoso conseguiu fazer o parente de paciente de hospital privado de Campo Grande transferir 900 reais às contas de duas pessoas moradoras em Corumbá.
Por celular, Valfrido mentiu ser o médico responsável pela cirurgia da mulher, internada para retirar a vesícula, operação relativamente corriqueira, sem gravidade. Na ligação ao irmão ela, inventou que havia sido descoberto um tumor e era preciso pagar pelo procedimento de retirada. Deu até “desconto” no montante. Inicialmente pediu R$ 4 mil e “deixou” por pouco de mais de R$ 900.
Os dois fatos têm em comum o fato de Valfrido continuar sendo “171” mesmo dentro das prisões por onde passou. Ele chegou a dar entrevista, aos risos, sobre como aplicava os golpes. Gostava de atacar pessoas de fé como se fosse líder religioso. Dizia ser mais fácil. Apelava também à fragilidade de quem está doente ou cuidando de um parente enfermo.
No primeiro episódio relatado estava na PED (Penitenciária Estadual de Dourados). Tinha sido transferido para lá depois de cometer crimes de dentro do EPJFC (Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho), na saída para Três Lagoas em Campo Grande, onde ficam detentos perigosos. Estava lá na outra situação citada.
Era o acesso ao telefone que dava oportunidade de Valfrido exercer sua lábia criminosa. A ficha prisional dele é repleta de faltas graves, como é tratada a descoberta de aparelho de celular com detentos.
Geralmente, o condenado flagrado com telefone vai para cela disciplinar, além de perder benefícios, influindo diretamente na contagem de pena. Fica mais longe da liberdade, em resumo.
Cadê? - Instigada pela curiosidade de leitores sobre “onde anda o golpista”, a “Capivara Criminal” descobriu que desde julho do ano passado, Valfrido não tem registro de faltas desse tipo.
Em novembro de 2019, a defesa dele chegou a pedir a progressão de regime para o semiaberto. A Justiça negou.
O reeducando não preenche o requisito subjetivo para progressão prisional, sendo determinada a realização de novo exame no prazo de um ano para análise do requisito subjetivo”, determinou o magistrado Luiz Alberto de Moura Filho, da Vara de Execução Penal em Dourados.
Conforme o último cálculo de pena disponível, Valfrido tem 21 anos de reclusão a cumprir. Porém, desde então, já foram acrescentadas à execução de pena pelo menos mais quatro condenações, levando o tempo para perto de 30 anos. Não foi feita ainda nova soma.
“Supermáxima” - Em fevereiro deste ano, quando foi ativado o Presídio Masculino de Regime Fechado da Gameleira, na saída para Sidrolândia em Campo Grande, o golpista foi logo transferido na primeira leva a ocupar o presídio. Está na unidade desde 21 de fevereiro.
A Gameleira, entre os presos que conhecem bem o sistema prisional, é o lugar para onde poucos querem ir. Por isso ganhou a alcunha de “Supermáxima”. Foi projetada para ser mais rigorosa, a começar pela estrutura de alvenaria. É feita de concreto usinado, menos suscetível a escavações.
Não há registros de aparelhos de celular sendo encontrados no lugar. Voltamos, então, à inferência do início desse texto, de que a falta de tomada de energia elétrica contribui para Valfrido Gonzales Filho estar sob controle, sem novos crimes identificados.
Na Galemeira, uma providência aparentemente prosaica dificulta a vida de quem tenta usar a comunicação via celular: não foram instaladas tomadas dentro dos alojamentos. Elas estão do lado de fora, à vista da fiscalização.
O presídio também funciona sem superlotação, o que facilita a custódia dos internos. Hoje, são cerca de 500 homens cumprindo pena no local, ante à capacidade de receber 603 presos.
A penitenciária tem 102 celas divididas em três pavilhões. Valfrido já ficou em meia duzia delas, segundo levantado.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulgar informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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