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NOVEMBRO, SEGUNDA  04    CAMPO GRANDE 26º

Capivara Criminal

De "171" a assassina: a vida bandida de Pâmela

Marta Ferreira | 24/01/2021 07:45
Pâmela à esquerda e a vítima, Dirce, em imagem de câmeras de segurança gravadas horas antes do crime. (Foto: Reprodução de processo)
Pâmela à esquerda e a vítima, Dirce, em imagem de câmeras de segurança gravadas horas antes do crime. (Foto: Reprodução de processo)

Pâmela Ortiz Carvalho, 37 anos, está presa desde 25 de fevereiro de 2019. Daqui  menos de um mês, em fevereiro, vai sentar no banco dos réus, quando sete jurados conhecerão os detalhes do assassinato cometido por ela, no caso conhecido como "Táxi da Vovó".

A mulher a será julgada foi "apresentada" ao público há menos de dois anos, mas sua carreira à margem da lei é longeva. Chegou a ter acesso ao ambiente policial, atuando como estagiária voluntária em delegacias e até se definia com agente de segurança pública, no ano de 2015.

Teve sala específica e até senha do sistema de registros, com a qual podia checar a situação de qualquer pessoa, prerrogativa de quem é legalmente investido em cargo da área, com aprovação em concurso público.

Aprontou na Derf (Delegacia Especializada de Furtos e Roubos), surrupiando cheques apreendidos em investigações e repassando a terceiros. Levou 7 talões de dois bancos.

Sua ficha corrida, antes disso, já acumulava estelionatos, furto, ameaça, brigas com lesões corporais e até episódio no qual riscou com chave o veículo do ex-marido, porque ele não queria retomar o relacionamento. Nessa última ocasião citada, em 2009, Pâmela tinha 27 anos.

Agora, passada uma década, diante da apresentação da acusação e da defesa, o futuro dela será decidido pelo conselho de sentença. Pela gravidade do fato, a reclusão por vários anos é algo quase palpável desde já.

Acausação pesada - A dona do "Táxi da Vovó" foi denunciada por homicídio duplamente qualificado, ocultação e destruição de cadáver. A vítima: senhora solitária, de 79 anos, a quem a criminosa enganou por mais de ano, oferecendo serviço de transporte e se fazendo de amiga, cuidadora, preocupada.

Pelas costas da "protegida", usava os cartões de crédito da idosa para compras pessoais. Gastou com lanche, combustível e até tinta para pintar o lugar onde morava.

Matou de forma cruel a mulher chamada por ela de "vovó", quando foi desmascarada após contato de empresa com a aposentada para cobrar dívida que ela nunca fizera.

Os laudos periciais mostram que Pâmela bateu a cabeça da vítima no meio-fio até desfigurar o rosto, provocando lesões fatais. Depois, arrastou o corpo até debaixo de um pé de goiaba e cobriu com lixo, na Rua 7, no Indubrasil, aos fundos de fábrica de lingerie.

Local onde corpo da idosa assassinada foi deixado, debaixo de um pé de goiaba com lixo por cima. (Foto: Reprodução de processo)
Local onde corpo da idosa assassinada foi deixado, debaixo de um pé de goiaba com lixo por cima. (Foto: Reprodução de processo)


À polícia, ofereceu ajuda, se mostrou surpresa com o desaparecimento de Dirce.

Aconteceu algo com a vovó?", dissimulou durante depoimento na mesma tarde na qual Dirce Santoro Guimarães era localizada sem vida, com sinais de violência brutal.

Só admitiu quando imagens de câmeras localizadas por vizinhos desmontaram sua versão, mostrando a senhora entrando no carro dela, no sábado 23 de fevereiro de 2019, para aparecer já morta.

As fotos da cena avistada pelos investigadores quando o cadáver foi localizado são aterradoras.

De "171" a matadora - A prisão em flagrante de Pâmela, no dia 25 de fevereiro de 2019, em investigação a cargo de duas delegacias de Polícia Civil de Campo Grande, a 7ª e a de Homicídios, selou a transformação da "trambiqueira" e "barraqueira" em assassina.

Foi longa a trajetória até aí, conforme as consultas feitas pela Capivara Criminal. Pâmela já circulava pelas delegacias de Campo Grande desde 2006.

Há registros com o nome dela ora como vítima, notadamente de violência doméstica, ora como acusada de ilícitos, com destaque para os golpes. No popular, atuava como "171", praticando estelionatos.

Em 2010, em um desses casos, usou os dados de jovem para instalar linha telefônica na quitininete onde vivia. Apresentou até documento com o nome da outra pessoa para concluir o serviço. A polícia chegou até ela porque o dono do imóvel alugado informou o local de trabalho, uma loja de pneus.

O relato dele sobre a inquilina já denotava personalidade inclinada ao "mal feito". Ela pagou aluguel com cheque de terceiros, sem fundos, e fugiu deixando a casa vazia.

Na loja informada como local de trabalho, por sua vez, Pâmela pediu para não ser registrada, trabalhou por menos de três meses e não havia sequer ficha funcional.

Foi localizada em São Paulo (SP), a partir de informações de parentes. Prometeu voltar e se apresentar às autoridades, mas não o fez. Acabou indiciada e condenada a um ano de prisão, em regime aberto.

Em foto de rede social, Pâmela aparece sorrindo. (Foto: reprodução da internet)
Em foto de rede social, Pâmela aparece sorrindo. (Foto: reprodução da internet)

Personalidade difícil - Quando riscou todo o carro do ex-marido, no fim de 2009, foi denunciada por ele à Polícia Civil, mas acabou não pagando pelo fato, pois já havia expirado o prazo legal para isso.

Conforme a apuração da coluna,  ele trabalhava em loja de automóveis, na saída para São Paulo,  e  estava em expediente quando foi informado da situação.

A mulher usou possivelmente a chave da motocicleta pilotada por ela para fazer riscos na lataria, em vários pontos. No capô, escreveu a palavra "viado".

De vida errática, de endereço em endereço, com atuação profissional incerta, já que cada vez estava em uma atividade, mentia e era agressiva com os familiares, inclusive, conforme os depoimentos judiciais.

Em um dos pedidos de liberdade, citou a necessidade de cuidar dos quatro filhos, um deles deficiente. O argumento não foi acatado,  sendo contra-argumentado que sequer a maternidade a impediu de levar vida bandida.

As relações - Pâmela se envolveu com pelo menos quatro agentes de segurança pública, na fase em que conseguiu estagiar de forma em unidades da Polícia Civil, por estar cursando Direito.  Até isso era golpe. Foi descoberto que ela nunca pisou na faculdade onde garantir ser acadêmica.

Enquanto frequentou o ambiente, namorou delegados e investigadores. O último deles foi a quem recorreu quando matou Dirce Santoro Guimarães.

Fez contato por telefone, relatando ter se envolvido em situação com morte, mas, segundo ele, "não dizia coisa com coisa". O investigador topou encontrar-se com ela na data e disse ter orientado a ex-namorada a se entrega.

No depoimento, relatou relacionamento conturbado, principalmente depois do fim. Da casa dele, a mulher levou algemas e livros sobre a polícia, com os quais depois se apresentava como sendo da Corporação. Até distintivo usava.

Por esse fato, ela respondeu a processo por peculato, chegou a ser presa preventivamente, depois de não responder à acusação. Ao final, foi condenada a dois anos de prisão, transformados em prestação de serviço a comunidade e multa.

A ré por assassinato duplamente qualificado durante chegada ao Fórum para audiência. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
A ré por assassinato duplamente qualificado durante chegada ao Fórum para audiência. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

O que ela disse - Quanto à morte a morte da aposentada Dirce Santoro Guimarães, Pâmela Ortiz de Carvalho contou inúmeras versões desde o início. Primeiro disse não saber da "vovó", depois alegou que a pegou no dia da morte em casa, mas não sabia onde estava.

 Contou, no depoimento à Justiça, versão de ataque sofrido pelas duas, no Indubrasil, ao qual só ela havia sobrevivido. O criminoso "fantasma" seria um motociclista, jamais localizado.

O rapaz veio já abrindo o carro, não tinha nem como eu travar a trava de segurança porque a porta do passageiro estava aberta, porque ela estava para fora do carro. Já me puxou de dentro do carro, e aí foi me puxando, foi me arrastando, pra trás do carro, pelos cabelos...", afirmou em interrogatório gravado pela 1ª Vara do Tribunal do Júri, onde corre o caso.

Sobre abandonar o cadáver, tentou se eximir de conduta criminosa.

Eu simplesmente tirei ela ali, da rua, do meio-fio e puxei até as 'arvrinhas' de pé de goiaba,e deixei ela ali "

Pâmela tinha advogado contratado, mas ele renunciou ao caso no ano passado. Ela é representada pela Defensoria Pública. O órgão recorreu da decisão de pronúncia, mandando a ré a júri popular por homicídio qualificado por motivo fútil e meio cruel, além de ocultação de cadáver.

Houve a tentativa de retirar as qualificadoras, rejeitada pelo TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). Na volta dos trabalhos do Judiciário este ano, o juiz Carlos Alberto Garcete marcou o júri par 11 de março.

Pâmela só está atrás das grades hoje graças a prisão preventiva pelo homicídio. As dívida com a lei pelas quais já foi condenada foram pagas, segundo sua execução penal. Mas há processos correndo ainda contra ela por outros casos.

A assassina primeiro ficou em Campo Grande, depois foi levada para Corumbá. No momento, tenta transferência para unidade prisional de São Gabriel do Oeste, para ficar perto da família, que é de Rio Negro e diz não ter como arcar com as idas à cidade vizinha para visitas.

Esse pedido está em análise pela Justiça.

(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.

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