Ao explicar cobiça pelo Estado, PCC sugere busca por “tribunal do crime"
Relatório da Operação Echelon mostra que integrantes da facção se vangloriam das ações ordenadas no Estado
De dentro do maior presídio de Mato Grosso do Sul, uma liderança da fação criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), explica, pelo celular (item proibido nas celas, mas cotado a R$ 5 mil), a disputa pelo Estado na geografia do crime e sugere a interlocutora que pesquise sobre o “tribunal do crime no MS”, propagandeando as execuções divulgadas na imprensa.
O diálogo foi registrado em 8 de outubro do ano passado e aparece na denúncia da operação Echelon, deflagrada em 14 de junho pelo MP/SP (Ministério Público de São Paulo), com mandados em Mato Grosso do Sul.
A conversa é entre Hamilton Roberto Dias Junior, conhecido como Muringa, e uma amiga. Conforme o documento, ele é “geral do Estado”, considerado influente e atuante no PCC em MS. Em outubro, estava na PED (Penitenciária Estadual de Dourados), que não tem bloqueador de celular.
“Oh..depois você entra ai na internet, só para você ver as minhas obras de arte que eu faço na rua, e coloca tribunal do crime no MS, brigas de facções”, diz. A pessoa pergunta se o nome dele aparece também e ouve a reposta. “lá eu não sei se tá, mas na boca da polícia tá”, diz o preso.
Na sequência, Muringa começa a explicar para a interlocutora a importância de MS para o PCC e explica que todas as facções estão em guerra pelo Estado, porque tem fronteira com outros dois países. Mato Grosso do Sul faz fronteira com a Bolívia e Paraguai. A reportagem apurou que Hamilton foi transferido para o sistema penitenciário federal.
Distribuição - Numa outra gravação, datada de setembro do ano passado, uma conferência detalha a divisão que a facção faz dos municípios do Estado. São citadas nominalmente 60 das 79 cidades de Mato Grosso do Sul. Sendo 22 municípios na região Sul; 15 na região Norte, que precisaria de atenção especial; 12 municípios no Leste; e 11 cidades no Oeste.
“No esquema montado para a administração da facção no Estado de Mato Grosso do Sul, os integrantes da organização em conferência realizam um levantamento das funções e distribuição de cargos e cidades naquele Estado”, aponta a denúncia.
Cartas interceptada na penitenciária de Presidente Venceslau (São Paulo) cita o domínio do PCC em MS e a eliminação de fação rival.
Sem vídeo – Os tribunais do PCC, que ganham o noticiário e assustam pela violência das ações, aparecem na Echelon com execuções em Mato Grosso do Sul. No mesmo diálogo, Hamilton fala de uma morte no dia anterior.
Conforme a denúncia, trata-se de Rudnei da Silva Rocha, o Babidi, que foi decapitado. A ordem era que o “tribunal” não tivesse vídeos, mas apenas fotos. O crime do “réu” seria ligação com o Comando Vermelho, fação rival. Ele nega as acusações, mas é morto, com o corpo encontrado em Indubrasil, conforme notícia do Campo Grande News, anexada à denúncia.
Conforme o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Presidente Prudente (SP) autor da denúncia, o registro fotográfico é uma forma de auditoria que comprova que o homicídio efetivamente foi cometido. Já a cautela quanto aos vídeos decorre de um vazamento, ocorrido em morte anterior, que teria provocado grande clamor social.
Bilhetes - A investigação teve início no presídio de Presidente Venceslau (SP). Após a instalação de telas de contenção nos dutos da rede de esgoto da penitenciária, foi possível apreender e recuperar fragmentos de cartas que presos dispensaram durante fiscalizações de rotina das celas.
Os manuscritos foram submetidos a exame grafotécnico pelo Instituto de Criminalística, que concluiu que as anotações efetivamente partiram das pessoas indicadas.
Uma das cartas cita que alguns integrantes de outros Estados se deslocariam para São Paulo para aprender a montar bombas que seriam usadas em possíveis ações. O promotor Lincoln Gakiya denunciou 75 pessoas à Justiça por associação criminosa.