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Capital

"Coração é sagrado", escreveu pai de "indiozinho" ao proibir cirurgia

Natalia Yahn | 22/01/2016 14:54
Edemar, que vive atualmente em "internação social" na Santa Casa de Campo Grande. (Foto: Marcos Ermínio)
Edemar, que vive atualmente em "internação social" na Santa Casa de Campo Grande. (Foto: Marcos Ermínio)

O pai do menino indígena Edemar Gonçalves da Silva, 4 anos, registrou em uma carta o desejo de que o menino não fosse submetido à cirurgia cardíaca que pode salvar sua vida. O documento foi provavelmente escrito em 2013 pelo pai do garotinho, Roberto Gomes da Silva, e está guardado junto com outras documentações de Edemar, na Casai (Casa de Apoio à Saúde do Índio), em Campo Grande.

A coordenadora da Casai, Eliete Domingues Rios Maggioni, até agora é a única pessoa – entre representantes indígenas – que acompanha o caso de Edemar, que atualmente está internado na Santa Casa da Capital, onde ganhou de funcionários o apelido de "indiozinho". O Campo Grande News procurou informações sobre ele junto à Funai (Fundação Nacional do Índio), Funasa (Fundação Nacional de Saúde), Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), na Capital, em Dourados e também na sede dos órgãos (Funai e Sesai) em Brasília (DF), mas nenhum local tinha conhecimento.

No documento escrito a próprio punho, a dificuldade em relação à língua e de comunicação do pai fica evidente. “Cirurgia muito perigosa operar na coração. Faz favor. Não pode mandar entrar cirurgia. Aquele coração sagrado vida ainda izima da terra. Se perder aquele mia filha, depois vai pagar nós. Ele não é ainda quajo. Tem ainda pai dele” (sic), suplicou.

Nas poucas palavras, ele afirma que não quer a realização da cirurgia, e ameaça a médica responsável por Edemar na época, caso alguma coisa acontecesse.

Eliete relata que Roberto falava pouco e não entedia o português. “Era uma situação muito delicada. E foi o pai que não autorizou a cirurgia. Nós tentamos, explicamos, mas no fim a mãe entregou a carta que deixa clara a vontade do pai, que escreveu do jeito dele”.

Eliete Maggiori, coordenadora da Casai de Campo Grande, conhece o caso de Edemar e tem um carta do pai dele, que proibiu a cirurgia. (Foto: Gerson Walber)
Eliete Maggiori, coordenadora da Casai de Campo Grande, conhece o caso de Edemar e tem um carta do pai dele, que proibiu a cirurgia. (Foto: Gerson Walber)

Ela afirma que Roberto ameaçava fugir, levando Edemar, caso seu desejo não fosse atendido. “Eu lembro bem dele dizendo que iria fugir com a criança. Falava que iria embora a pé para a rodoviária. E já tivemos casos assim, se não deixamos, eles saem e vão mesmo”, diz a coordenadora.

Edemar nasceu no dia 23 de dezembro de 2011, no Hospital Regional de Amambai. Entre os dias 10 e 12 de dezembro de 2012 ficou internado no HU (Hospital Universitário) de Dourados. Depois disso, só existe um registro de alta da Santa Casa de Campo Grande, do dia 7 de janeiro de 2013.

“Foi quando o pai escreveu a carta, que era para a médica do menino. No documento, está registrado que ele tinha 11 meses na época, mas está errado. É que ele tinha desnutrição também. Depois da alta a família sumiu e a mãe, Simiona, morreu”, afirmou.

Após a morte da mãe (que teria sido assassinada por Roberto), outros três filhos dela foram viver com o avô materno em Amambai. “Procurei saber se estava tudo bem com o restante da família, foi o que me informaram, que os outros filhos estavam com o pai da Simiona”, disse Eliete.

Somente no dia 4 de dezembro de 2014 o garotinho retornou para o HU de Dourados, levado pela irmã Jaqueline Lopes, 23 anos – que atualmente o acompanha. O hospital informou que o estado de saúde dele era grave, chegou com pneumonia e precisou se recuperar durante 10 meses, para então ser transferido à Santa Casa de Campo Grande, onde esta desde 28 de outubro de 2015.

Doença – Edemar tem um grave problema no coração, conhecido como anomalia de Ebstein. Ele nasceu com a doença rara que provoca insuficiência cardíaca por conta de uma má formação.

O problema no coração não impede que a criança viva fora do hospital, ele poderia aguardar a cirurgia em casa. Porém, a “internação social” na Santa Casa é o único meio encontrado para garantir que ele receba o tratamento necessário.

“Ele corre risco de morte. É preciso manter ele no hospital pela questão cultural, pois como é indígena, pode não voltar para o tratamento. Antes de fazer a cirurgia cardíaca ele precisa passar por um procedimento. Ambos são cobertos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas que não fornece todos os materiais. Solicitamos judicialmente e estamos aguardando”, afirmou a cardiopediatra que atende o menino, Cláudia Piovesan Farias.

Ele recebeu o diagnóstico da doença também na Santa Casa de Campo Grande. Na época os pais foram informados sobre a gravidade do caso, mas não permitiram que o filho fosse submetido aos procedimentos.

“O hospital chegou a receber todo o material necessário para o procedimento e a cirurgia, que foi devolvido porque a família não autorizou. E agora estamos aguardando os mesmos itens, tudo de novo”, disse a médica.

Após a divulgação do caso pelo Campo Grande News a SES (Secretaria de Estado de Sáude) afirmou que o procedimento de Edemar está agendado e deve acontecer em uma semana. O custo total é de R$ 20.760,00, valor que inclui o procedimento pré-operatório, material, cirurgia e os honorários médicos.

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