“Encaro ataques como elogios”, diz promotora no adeus a 5 anos de Gaeco na rua
Grupo liderou operação Omertà, fez combate ao PCC e ação contra a Máfia do Cigarro
Com uma vistosa espada de mais de um metro de lâmina ornamentando a parede, que ela jura que não corta, a promotora Cristiane Mourão Leal dos Santos faz balanço de cinco anos de “Gaeco na Rua”, expressão que virou sinônimo de operação do braço do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) contra o crime organizado, conta que já esperava por vazamento quando o alvo da Omertà foi o “Rei da Fronteira” e rebate ataques, por vezes contundentes, de que o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado é “subterrâneo” ou pretendia que alvo fosse enterrado com algemas.
“Eu encaro essa predileção pelo Gaeco, com referência a esses ataques, como elogio. Entendo que o nosso trabalho é bem feito. Todos os processos de nossas operações foram enviados ao Poder Judiciário. Alguns deles foram escrutinados várias vezes. Existem pessoas que criticaram nosso trabalho, mas todos esses argumentos foram escrutinados por várias instâncias do Poder Judiciário. Todos eles chancelaram o trabalho. Só estamos agindo de acordo com que a lei determina”, afirma a promotora, que deixou a coordenação do Gaeco ontem (dia 5) e já está no gabinete de assessora especial do PGJ (Procurador-Geral de Justiça).
De saída, Cristiane Mourão afirma que se, de fato, o grupo trabalhasse às escondidas, “subterrâneo”, teria sofrido punição. “Representações acerca da nossa atuação foram feitas perante à corregedoria nacional e em nenhum momento foi aberto procedimento”.
Primeira mulher a comandar o Gaeco, a promotora assumiu o posto em 2016. Até então, a principal vitrine era a operação Coffee Break, que levou ao afastamento de Gilmar Olarte da prefeitura de Campo Grande.
De lá pra cá, o leque de ações aumentou e em 2019 chegou à Omertà, que resultou na prisão de Jamil Name (que faleceu em 27 de junho) e Fahd Jamil. Ou nas palavras da ex-coordenadora, o Gaeco desbravou mares (leia-se grupo de extermínio e jogo do bicho). No período, também foram alvos a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), policiais da Máfia do Cigarro e gestores corruptos.
Sem falsa modéstia, acho que nos últimos cinco anos houve avanço maior do nosso trabalho. Conseguimos atingir organizações criminosas que nunca tinham sido colocadas em tribunais para que respondessem pelos seus crimes. Isso é um trabalho de todos que estão lá. O Gaeco desbravou mares que nunca tinha ido antes por conta do trabalho em equipe”
Vazamento na Omertà - Deflagrada em junho do ano passado, a etapa que foi a Ponta Porã prender o Rei da Fronteira terminou em frustração: a operação foi vazada, ele fugiu e locais foram desocupados às pressas.
As circunstâncias que encontramos realmente indicam que teve vazamento. Nós sabíamos que tinha esse risco, fizemos tudo que foi possível para que isso não acontecesse. Ao que tudo indica, ocorreu. Mas o trabalho que continuou sendo feito, mesmo na circunstância adversa, acabou chegando a um bom termo. Houve apresentação, outros estão foragidos e agora nos resta aguardar o deslinde dessas ações”.
Fahd Jamil se entregou neste ano e está em prisão domiciliar. Na década de 80, quando foi preso no Paraná por contrabando de café, Mato Grosso do Sul se calou: emissora de televisão saiu do ar e a revista Veja, que trazia a notícia, foi interceptada no trajeto entre o aeroporto e o Centro de Campo Grande. O filho de Fahd, Flávio Correa Jamil Georges está foragido há um ano.
Espetacularização - Se o antecessor no comando do Gaeco, mandava um positivo para a imprensa ou aparecia nas fotos durante o trabalho, Cristiane Mourão evitava imagens, apesar de estar presente em todas as operações que considerava mais sensíveis. Como a fase da Omertà em Ponta Porã ou a investigação de desvio de dinheiro em Bandeirantes, numa fria e chuvosa manhã de 2 junho do ano passado.
“Nas operações de maior sensibilidade eu procurava sempre me fazer presente. Para dar mais segurança para os agentes que estavam trabalhando. Estando no campo é mais fácil interagir, solucionar os problemas. Sempre acompanhei de perto. Por mais que a gente planeje criteriosamente, existem situações que acontecem independente da nossa vontade”.
Já o cuidado para não se expor nas ações se encaixa no perfil mais discreto e na tentativa de livrar o Gaeco da fama de midiático
O Gaeco não é um rosto, é um grupo. E mesmo assim sofria críticas. Se quisesse ter sido midiática, eu estava na imprensa absolutamente todos os dias”.
Conforme a promotora, o fato de as investigações atingirem a sociedade de maneira mais efetiva, geravam expectativa por parte do público e da imprensa. “Tentava fazer de uma forma que não gerasse espetacularidade da ação do Gaeco e do Ministério Público. Porque essa espetacularização não é necessária para o bom exercício do nosso trabalho”.
“Saí porque quis” – A mudança no comando do Gaeco foi oficializada no Diário Oficial do MPMS de ontem. A coordenação do grupo foi assumida pela promotora Ana Lara Camargo de Castro. A dança das cadeiras aconteceu uma semana depois da morte de Jamil Name, 82 anos, que estava preso em Mossoró (Rio Grande do Norte). Acusado de liderar organização criminosa, ele foi vítima da covid.
A promotora afirma que já tinha pedido para sair do cargo e preparava a transição há tempos. “Tive alguns problemas pessoais. No início desse ano, a pandemia afetou a minha família de maneira bem drástica. Infelizmente, como afetou a família de milhares de brasileiros. Então, desde algum tempo, havia conversado sobre meu desejo de sair do grupo e da necessidade de encontrar outra pessoa para me substituir. Eu saí do Gaeco porque eu quis. Não existe outro motivo a não ser essas questões familiares. Mas continuo ainda olhando por todos eles”.