Imóvel onde estavam celulares de casal sumido "cheirava sangue", diz ex-moradora
José Leonel da Silva, preso por ataques a casais confessou que enterrou aparelhos de Naiara e Wellington no lugar em 2009

Testemunha localizada pelo Campo Grande News, durante investigação jornalística sobre o “Maníaco do Segredo”, João Leonel da Silva, de 40 anos, defende categoricamente a reabertura do inquérito para retomar as apurações do desaparecimento do casal Naiara Ribeiro Lucas, 17 anos, e Wellington Afonso dos Santos Aguero, 14 anos, ocorrido na madrugada de 8 de fevereiro de 2009, no Bairro Nova Lima, em Campo Grande. O sumiço transformou-se em mistério, que perdura há 12 anos.
Microempresária, de 47 anos, a mulher tem uma razão objetiva para isso: morou naquele mesmo ano na casa da família de João Leonel relacionada ao desaparecimento. Ou seja, ela tem o que falar. Ainda hoje, diz não se esquecer de característica surreal: o lugar “cheirava a sangue”.
“Eu limpava, passava pano, daqui a pouco tava de novo a mancha, e logo o cheiro forte de sangue voltava”, conta.
O imóvel onde residiu fica no mesmo terreno onde foram achados enterrados os celulares dos dois adolescentes. Havia a casa da frente, mais antiga, uma edícula ao fundo, e uma construção iniciada entre essas duas, na Rua Cândido Garcia Lima.
Quem é o suspeito - O “Maníaco do Segredo”, preso justamente por ataques a casais - nos quais cometia roubos e estupros, além de atirar em vítimas - admitiu ter enterrado os aparelhos nesse terreno mas negou saber dos jovens. A alegação dele foi de que havia recebido os equipamentos em pagamento de dívida por apostas em jogos de vídeo-game, durante reuniões com jovens do bairro.
Na cadeia desde 2016, quando foi capturado pela última vez, ele nunca foi responsabilizado nem por estar com os telefones do casal.
Meses depois de a casa passar por perícia, apenas para tirar os celulares do buraco onde estavam, a microempresária veio de Coxim, a 260 km de Campo Grande, onde passou temporada, e alugou o imóvel da família de José Leonel, no fim de 2009.
“Eu não sabia nada, aluguei a casa sem saber de nada. Não cheguei a morar 30 dias”, conta, sob condição de preservação da identidade. “Eram quatro peças”, recorda-se. “O quarto dos fundos, eu lavava, mas o cheiro de sangue era forte”, revela a microempresária.
Neste período, lembra, foi retomada construção no quintal. João Leonel não morava lá, “mas ficava o tempo todo”, cita.
“Começou a construir, bem em cima de uma área onde a terra era remexida, fez duas peças”, rememora a testemunha. “Ele cercou para as crianças não irem para o fundo”, afirma.
O terreno, de esquina, tinha mais uma edificação. “Ficaram as três casas. A casa do fundo não era ocupada. Parece que guardava ferramentas”, acredita.
“Fiquei incomodada, mas não passava pela minha cabeça”, relata, sobre a suspeita que pesava contra o rapaz, então com 28 anos.

O imóvel fica a pouco mais de 600 metros do ponto de ônibus de onde Naiara e Wellington sumiram, na Rua Nefe Pael.
Os elementos foram ligados pela ex-moradora da residência pertencente à família de João Leonel em conversa com alguém que conhecia a história. “Uma pessoa me falou que lá na casa é que tinham encontrado o aparelho do casal. Fiquei incomodada demais. Sai de lá, e só depois fiquei sabendo de tudo o aconteceu”.
Presença incômoda - Ela viveu no lugar com o esposo e dois filhos. Além da convivência com João Leonel , acompanhou movimento de agentes de segurança responsáveis pelo caso, arquivado em 2015, por falta de provas.
“Sempre a polícia parava, cheguei a achar estranho a presença de policiais na frente”, comenta.
Depois da mudança, nova conversa sobre o caso trouxe a memória do pouco tempo passado na casa. “Uma amiga minha estava me contando a história e falando. Reparei que tinha morado lá nesse tempo, aquilo ficou na minha cabeça, de um jeito ruim”.
A microempresária diz ter procurado a Polícia Civil, em torno de três anos atrás. Relata, até, uma ida a casa com investigadores, mas sem novos elementos para o trabalho da polícia.
“Queria tanto que a justiça seja feita para ela, isso dói na gente que é mãe. Até hoje me dói falar sobre isso”, afirmou à reportagem.
“Dentro do que eu falei, eu não volto atrás uma vírgula, foi a minha concepção do que eu morei dentro da casa, devo isso a ela, como mãe que sou”, declara, em direção à mãe de Naiara, com quem manteve contato.
A mãe, Neuza Ribeiro Lucas, conversou com a reportagem. Ela tem certeza do envolvimento de João Leonel e apelou por reabertura das investigações.
O Campo Grande News, na série de matérias divulgadas até agora, obteve a informação da delegada Marília de Brito, titular da Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) de que o pedido para reativação do inquérito está em análise. O crime de homicídio só prescreve em 20 anos, ou seja, quem matou Naiara e Wellington e sumiu com os corpos, como as investigações indicaram, pode ser punido até 2029.