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Capital

"Maníaco do Segredo" enterrou celular de casal sumido, mas nunca pagou por isso

Autos sobre investigação de 2009 foram arquivados em 2015, sem apontar responsáveis por desaparecimento de Naiara e Wellington

Marta Ferreira | 13/05/2020 17:21
Foto de laudo pericial do processo, em preto e branco, mostra sacola de mercado com celulares e local onde estavam enterrados os aparelhos.
Foto de laudo pericial do processo, em preto e branco, mostra sacola de mercado com celulares e local onde estavam enterrados os aparelhos.

De forma tangencial, superficial, sem aprofundamento. É assim que João Leonel da Silva, 40 anos, aparece no calhamaço de 1,5 mil páginas de documentos oficiais detalhando a investigação sobre o sumiço de Naiara Ribeiro Lucas, 17 anos, e Wellington Afonso dos Santos Aguero, de 14 anos. Eles desapareceram em 8 de fevereiro de 2009, no Bairro Nova Lima, em Campo Grande, mesma região onde o “Maníaco do Segredo”, alcunha do criminoso em série, atuou durante pelo menos uma década atacando casais, até ser preso em 2016 e não mais sair da cadeia.

João Leonel surge no inquérito policial três meses depois do sumiço de Naiara e Wellington, caso até hoje sem solução. Foi flagrado com os celulares das vítimas enterrados no fundo da casa dele, em sacola plástica de supermercado da vizinhança. Havia mais dois telefones, um deles de amiga da estudante desaparecida.

Ele ficou 50 dias preso depois disso, e acabou solto, em agosto de 2009. A despeito do fato, foi ouvido uma única vez durante todo o andamento do caso. O imóvel onde vivia nunca foi periciado a fundo, foi feita apenas a retirada da embalagem com os telefones do terreno.

Nunca foi feita escavação, por exemplo, para saber se, assim como os telefones móveis do casal, os corpos dos adolescentes poderiam estar enterrados ali. Os aparelhos foram achados depois de quebra de sigilo bancário indicar um deles em uso pela mulher de João Leonel à época. Ela, então com 22 anos, também foi presa e depois solta. Havia trocado o chip do equipamento, um "presente" do marido.

Nessa casa, na Rua Cândido Garcia Lima, João Leonel foi preso em 2016, depois de ataque a namorados nas imediações, o sétimo registrado desde 2011.

O lugar fica a menos de 10 minutos a pé do ponto de ônibus de onde Naiara e Wellington desapareceram, na Rua Nefe Pael.  Os dois haviam se encontrado, na madrugada de domingo 8 de fevereiro de 2009, às escondidas, pois o relacionamento era reprovado pelas famílias.

Arquivo de processos do Fórum de Campo Grande, onde vão parar os processos físicos encerrados. (Foto:  Kísie Ainoã)
Arquivo de processos do Fórum de Campo Grande, onde vão parar os processos físicos encerrados. (Foto:  Kísie Ainoã)

Arquivo morto - Outras cinco pessoas foram indiciadas por envolvimento na situação, porém ninguém jamais foi apontado como culpado pelo provável assassinato e ocultação dos cadáveres dos desaparecidos.

Sem achar as vítimas nem responsabilizar qualquer pessoa, os autos foram para arquivados, em duas caixas, no dia 18 de julho de 2015, por determinação judicial.

Também foram digitalizados, já que atualmente tudo corre de forma virtual na justiça de Mato Grosso do Sul. Como a lei penal brasileira prevê, o processo pode ser reativado e a investigação retomada, se houver elementos para isso. O prazo de prescrição para homicídio é de 20 anos, ou seja, vence em 2029 para o episódio em questão.

A Polícia Civil está em vias de fazer esse pedido, tendo o “Maníaco do Segredo” como principal suspeito, segundo apurou o Campo Grande News. A dinâmica das investidas de João Leonel da Silva, segundo as condenações já definidas, mais os indícios de 12 anos atrás, levam a crer que Naiara e Wellington estão entre os alvos do maníaco.

No depoimento de quando foi preso em 2009,  João Leonel disse ter recebido os celulares de outra pessoa, como pagamento por dívida de R$ 25 relacionada a apostas de jogo de vídeo-game, durante reuniões promovidas por ele. O rapaz indicado por sua vez apontou terceira pessoa como a que havia lhe entregue os aparelhos e atribuiu tudo à tentativa de vingança contra ele. Nada ficou provado.

 “Nada concreto” - A reportagem teve acesso à investigação completa sobre o desaparecimento do casal, sigilosa à época por se tratar de adolescentes. A descoberta é de trabalho policial truncado, com inúmeras informações desencontradas, trotes e insucessos para achar sinais dos jovens e do que foi feito deles.

Até parece que alguém agiu para despistar a polícia.

A principal linha de investigação, tornada pública em meio à comoção pelo sumiço, foi de que Naiara e o namorado haviam sido vítimas de trama rocambolesca envolvendo traficantes do bairro. Nos depoimentos, teve até testemunha relatando ter visto o momento da morte de Wellington, na casa de um criminoso, com facada na costela. Nunca se confirmou essa cena.

A Polícia Civil ouviu suspeitos em Cuiabá, no Mato Grosso, e chegou a fazer perícia na casa de traficante no Nova Lima. Nesse local, foi encontrado vestígio de sangue, não se sabe se humano ou animal, e ainda o piso de um dos quartos com indicação de quebra e terra revolvida. Igualmente, não houve tentativa de escavar para procurar restos mortais.

Houve também, telefonemas para a família de Naiara, além de sms dizendo que a jovem havia “fugido”, com o nome dela escrito errado. Foram registradas até ligações anônimas dando endereços falsos onde os dois estariam, um em São Paulo e outro em Três Lagoas.

 Essas pistas foram checadas. Sem êxito.

 A leitura dos autos indica que quebras de sigilo solicitadas ficaram à espera de análise judicial por meses. Em 2015, quando houve troca de administração e mudança nas chefias, a peça ficou “parada” na Depca (Delegacia de Proteção à Infância e a Adolescência), responsável pelo trabalho investigatório desde o início.

 Em fevereiro, chegou a ser convocado um familiar de Wellington para depor e ele repetiu informações já coletadas anteriormente.

 Em julho desse mesmo ano, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) pediu o arquivamento por falta de provas. Na solicitação, João Leonel é citado brevemente como a pessoa que estava com os celulares dos estudantes, mas ficou livre até da acusação de receptação.

A delegada que conduziu o inquérito por mais tempo, Regina Márcia Rodrigues, foi procurada, e informou apenas não atuar mais na Depca.

A atual delegada titular, Marília de Brito, confirmou ao Campo Grande News a intenção de pedir a reabertura das investigações, sem detalhar as evidências nesse sentido. Segundo ela, está sendo "construído um caminho" para a solicitação. Marília investigou o "Maníaco do Segredo" quando atuou na Deam (Delegacia de Atendimento a Mulher), com resultados de condenação por estupro.

João Leonel quando foi preso, pela última vez, em 2016. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
João Leonel quando foi preso, pela última vez, em 2016. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)


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