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Capital

"Inventa qualquer coisa": casal quis criar versão para morte de menina agredida

Criança de 2 anos, agredida e estuprada, morreu de manhã e foi levada ao posto de saúde somente à tarde

Silvia Frias e Dayene Paz | 06/02/2023 10:55
Delegados falam sobre o caso da menina morta na Vila Nasser, em Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)
Delegados falam sobre o caso da menina morta na Vila Nasser, em Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)

A quebra de sigilo telefônico do casal Stephanie de Jesus da Silva, 24 anos, e Christian Campoçano Leitheim, 25 anos, demonstra que os dois sabiam das implicações da morte da menina de 2 anos e 7 meses e tentavam criar uma história. “Inventa qualquer coisa, diga que ela caiu no parquinho”, escreveu ele, padrasto da criança.

Na coletiva, a polícia também esclareceu que a menina morreu entre 8h e 9h do dia 26 de janeiro, mas somente foi levada ao posto de saúde da Vila Nasser às 17h daquele dia. Neste período, o casal tentou criar a história que explicasse a morte.

Stephanie da Silva e Christian Campoçano foram indiciados por homicídio qualificado por motivo fútil, pela condição do sexo feminino e pela vítima ser menor de 14 anos. No caso da jovem, mãe da criança, ainda foi imputada a omissão de socorro.

Stephanie e Christian foram presos e indicados por homicídio qualificado. (Foto/Reprodução)
Stephanie e Christian foram presos e indicados por homicídio qualificado. (Foto/Reprodução)

O inquérito foi relatado e entregue ao Judiciário por conta do prazo legal, mas ainda está pendente de alguns laudos, segundo detalhou a delegada Anne Karine Trevisan, titular da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), em entrevista coletiva esta manhã.

Segundo laudo necroscópico, a criança morreu entre 9h e 10h do dia 26 de janeiro e que sofreu "traumatismo raquimedular em coluna cervical e violência sexual não recente". A polícia não informou se o estupro ocorreu há dias ou semanas antes da morte.

Anne Karine explicou que ainda faltam alguns dados para complementar o inquérito, como o laudo da perícia feita na casa, na Vila Nasser, do computador, dois celulares e um pen-drive apreendidos e do material colhido no órgão genital da menina, sob responsabilidade do Ialf (Instituto de Análises Laboratoriais Forenses).

A delegada adiantou algumas conversas encontradas nos celulares do casal, tidas a partir da morte da menina. Stephanie e Christian tentavam criar história para justificar as lesões e decorrente morte da criança.

Jean Ocampos e uma das fotos com a filha: denúncia de maus-tratos. (Foto/Arquivo)
Jean Ocampos e uma das fotos com a filha: denúncia de maus-tratos. (Foto/Arquivo)

Em um dos trechos, além da fala de Christian sobre a queda no parquinho, ele ainda faz ameaças. “Ou fala a verdade e eu vou me matar; ou fala a verdade eles vão me prender”, consta. “Eles sabiam que ela estava morta e a levaram para a UPA”.

Segundo Anne Karine, já foram ouvidas de oito a nove pessoas, entre elas, o motorista do aplicativo que levou a mulher e a criança para a UPA. “Ele não escutou nada, nem choro da menina e estranhou, mas, mesmo assim, foi para a UPA, achou que ela estava doentinha”.

Stephanie e Christian também foram ouvidos. “Não demonstraram arrependimento, eles foram frios”. Christian se manteve em silêncio na fase de inquérito. A violência contra a menina também causou comoção entre os policiais. “Foi uma situação que mexeu muito, somos seres humanos”, disse Anne Karine. “É um caso gravíssimo, de questionar até que ponto, até onde vai o ser humano”, avaliou Roberto Gurgel, delegado-geral da Polícia Civil, que também estava na coletiva.

A investigação ainda está em andamento. Um procedimento foi aberto para apurar se o filho de Christian, de 4 anos, também foi vítima de violência. O menino passou por depoimento especial, mas a delegada não deu detalhes. “Nós vamos manter em sigilo para preservação da criança, que foi muito exposta”.

Histórico – O caso da menina causou comoção e questionamento sobre a eficácia da rede de proteção, por conta das denúncias anteriores feitos pelo pai, Jean Ocampos, sobre possíveis maus-tratos.

Segundo a delegada, o primeiro boletim de ocorrência foi realizado no dia 31 de janeiro, tendo sido relatado pelo pai da menina, com base em conversa com a avó materna. A mulher foi intimada e desmentiu, dizendo apenas que a filha estaria nervosa na época. Assistentes sociais foram até a casa da família e nada foi constatado.

Roberto Gurgel disse que foi expedido exame de corpo de delito, mas o pai não levou a menina para ser submetida ao procedimento. Naquele caso, a criança foi ouvida em depoimento especial na DEPCA, mas não falou nada. “A criança acaba sendo vítima duas vezes, dos maus-tratos e da ameaça de contar o que aconteceu”, disse Gurgel.

O TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) foi expedido em março de 2022, com realização de audiência em outubro do ano passado. Segundo os delegados, o pai participou e disse que a situação que motivou a denúncia não estaria mais ocorrendo, pois não tinha visto mais a menina com ferimentos e não quis dar prosseguimento.

No dia 22 de novembro, o caso voltou à DEPCA e a menina foi ouvida mais uma vez, em depoimento especial. Gurgel explicou que ela não disse nada, além do nome e da idade. Novamente foi expedido o exame de corpo de delito e ela não foi levada pelo pai.

Em entrevista anterior ao Campo Grande News, Jean Ocampos disse que tinha dificuldade de acesso à filha e que não foi informado da medida protetiva como procedimento padrão. Novamente um TCO foi realizado e finalizado em 28 dias.

Sobre os 30 procedimentos aos quais a criança foi submetida em unidades de saúde ao longo dos 2 anos e 7 meses de vida, a delegada disse que a Polícia Civil não teve conhecimento, apenas de parte do prontuário e depois da morte da menina.

Participaram da coletiva, ainda, os delegados Gustavo Henriques Barros e Roberto Morgado.

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