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Capital

Morador de rua matou estudante por homofobia e R$ 50, conclui polícia

Para investigação, versão sobre a “parceria” para uso de drogas e “desmaiar” vítima não é verdadeira

Anahi Zurutuza | 20/03/2023 18:20
Danilo Cezar de Jesus Santos era estudante de mestrado em Antropologia Social, pela UFMS. (Foto: Alicce Rodrigues) 
Danilo Cezar de Jesus Santos era estudante de mestrado em Antropologia Social, pela UFMS. (Foto: Alicce Rodrigues)

Indiciado por homicídio doloso (com intenção de matar), o morador de rua Railson de Melo Ponte, 27 anos, conhecido como “Maranhão”, teria assassinado o mestrando Danilo Cezar de Jesus Santos, 29, ao cobrar R$ 50 da vítima. Além disso, o relatório do inquérito policial, encaminhado para a Justiça no dia 17 de março, mostra o desprezo do assassino confesso por homossexuais.

O acadêmico da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), segundo amiga revelou à polícia, havia acabado de receber reajuste em bolsa de estudos e saiu, na noite do dia 4 de março, para comemorar. Ele foi visto pela última vez na manhã do dia 5 e o corpo foi encontrado no dia 8.

Detalhe registrado pela investigação: bermuda e tênis usados por "Maranhão" no dia do crime são os mesmos do dia da prisão em flagrante. (Foto: Reprodução)
Detalhe registrado pela investigação: bermuda e tênis usados por "Maranhão" no dia do crime são os mesmos do dia da prisão em flagrante. (Foto: Reprodução)

Homofobia – A investigação apontou inconsistências na versão de Railson, que alega ter saído da frente de boate no Centro de Campo Grande, acompanhado de Danilo, em busca de drogas. A equipe responsável pela apuração do desaparecimento refez os últimos passos da vítima, com base em imagens de câmeras de segurança, mostrando que “Maranhão” caminha distante do rapaz, sempre à frente, sinal de que não queria ser visto, na região onde atuava como guardador de carros e traficante, ao lado de “alguém assumidamente homossexual”.

Relatório produzido por quatro investigadores da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídios) cita ainda a maneira homofóbica como o assassino se refere à vítima durante a confissão.

Para o delegado responsável pelo caso, José Roberto de Oliveira Júnior, Railson agiu “por motivo torpe”. Ele entendeu que o assassino deve ser denunciado, julgado e condenado por matar com emprego de asfixia (meio cruel), recurso que impossibilitou a defesa da vítima, outros dois fatores que podem fazer o criminoso ter a pena aumentada.

No relatório final, o delegado também aponta elementos de ódio a homossexuais na conduta do assassino, como, por exemplo, o fato de Railson frisar que “nunca manteve relação sexual com outro homem (demonstrando homofobia em suas palavras)”.

De início, a investigação trabalhou com a hipótese de se tratar de latrocínio (roubo seguido de morte), mas a tese foi descartada porque dinheiro foi encontrado no bolso da vítima e o morador de rua disse, em interrogatório, que não revistou Danilo com o intuito de roubá-lo – só pegou celular do rapaz após a morte.

A vida por R$ 50 – O guardador de carros alega que não tinha a intenção de matar. Diz que queria “desmaiar” a vítima para recuperar R$ 50 que teria dado a Danilo para que os dois comprassem drogas e usassem juntos.

Só neste ponto, investigadores e investigado “concordam”: os R$ 50. Para a polícia, contudo, diferente da versão do assassino, Railson e Danilo saíram juntos, na manhã do dia 5 de março, um domingo, para programa sexual. Ao cobrar o valor e a vítima oferecer um Pix, o morador de rua “se enfurece” e “desfere um golpe popularmente conhecido por ‘mata-leão’, matando Danilo”, diz o relatório, completando que sem dinheiro em espécie, morador de rua não conseguiria comprar entorpecentes.

Inconsistências – Para sustentar a alegação de que estava em busca de drogas com Danilo, “Maranhão” ditou um trajeto para os investigadores, que o desmentem com base no levantamento feito em imagens de câmeras de segurança de comércios e residências da região central, além do fato de ser “totalmente fora do caminho” de três locais conhecidos como pontos de venda de entorpecente.

“Há divergências na versão apresentada por Railson, as quais poderiam, na verdade, ser uma omissão do que levou autor e vítima até o referido terreno e, consequentemente, a real motivação do homicídio”, anotam os investigadores da DEH.

Trecho do relatório que mostra diferença no trajeto feito pela vítima até local onde foi morta e o caminho indicado pelo autor. (Foto: Reprodução)
Trecho do relatório que mostra diferença no trajeto feito pela vítima até local onde foi morta e o caminho indicado pelo autor. (Foto: Reprodução)

Outra inconsistência apontada no depoimento do morador de rua é quanto à possibilidade de haver uma terceira pessoa na cena do crime, usando drogas. Foram analisadas imagens de antes da chegada da vítima e Railson à área abandonada da Rua Alan Kardec e de 60 minutos depois, “e não há ninguém que entra ou sai deste terreno”.

Laudos periciais – A polícia pediu vários exames periciais para comprovar a tese enviada à Justiça e ainda a análise das contas bancárias de Danilo e “Maranhão”.

O relatório do inquérito agora passará por análise do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), a quem cabe denunciar o assassino confesso ao Judiciário. Se aceita a denúncia por juiz, Railson vira réu e, após audiências para a juntada de elementos ao processo, deve ir a júri popular.

Entre março de 2019 e fevereiro deste ano, o morador de rua teve passagens por lesão corporal, resistência, porte de drogas, tráfico, roubo, furto e ameaça em Campo Grande. No Maranhão, seu estado de origem, ele também responde por homicídio.

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