MP achou “cascalho” até em avenida já asfaltada
Operação só foi deflagrada 3 anos após denúncia e investigação achou areião e lama onde deveria ser cascalhado
Motivada por denúncia anônima, em tom de desabafo, a investigação da 31ª Promotoria de Justiça levou três anos para desencadear a Operação Cascalhos de Areia, que foi às ruas na quinta-feira passada, dia 15, atrás de mais provas contra esquema de corrupção milionário em contratos da Prefeitura de Campo Grande.
Mas, ao longo da investigação, a “lupa” dos servidores do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) que foram a três bairros da Capital verificar se a limpeza, nivelamento e cascalhamento de vias sem asfalto realmente estavam sendo feitos, não encontrou “pedra sobre pedra”.
Equipe do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção), em apoio à 31º Promotoria, esteve em 10 vias nos bairros São Conrado, Jardim Carioca e Jardim Noroeste, que deveriam receber manutenção pelas empresas Engenex Construções e A. L. dos Santos Ltda., ambas investigadas na Cascalhos de Areia, mas só encontrou areião, lama e mato, conforme relatório, datado de 21 de setembro de 2022, ao qual o Campo Grande News teve acesso.
As avenidas com melhores condições de trafegabilidade, curiosamente, não precisariam de manutenção, conforme a investigação, porque já são pavimentadas.
Sem asfalto – Entre as ruas visitadas pelo Gecoc está a Cairiri, uma viela no São Conrado cujo nome homenageia extinta tribo indígena. O que sumiu do local também, ou nunca apareceu, na opinião dos investigadores, foram os 18 metros cúbicos de cascalho que a Engenex cobrou da administração municipal para aplicar em 9 de julho de 2021.
Na data da vistoria, dia 14 de setembro do ano passado, a equipe do MP apontou a “inexistência de indícios mínimos que remetam a qualquer tipo de intervenção ou melhoria recente na via”. Moradores foram entrevistados e revelaram até que chegaram a pedir socorro à empreiteira que fazia tapa-buracos em ruas asfaltadas nas proximidades, conforme a investigação constatou e fotografou (foto de abertura da matéria).
A Rua Coronel Athos, também no São Conrado, foi fiscalizada pelos servidores empenhados em conferir a prestação de serviços da Engenex 50 dias depois de, supostamente, ter sido cascalhada, mas moradores disseram “de forma unânime e contundente”, segundo relatório, que não havia aplicação de revestimento primário por lá “há muito tempo”. Na via, há “material nativo aflorado” – mato, que provavelmente não sobreviveria à passagem de patrolas.
O MP estranhou ainda que a Engenex declarou ter aplicado 378 metros cúbicos de cascalho na Rua Vitória Zardo, ainda no São Conrado. Seria 1 caminhão despejado a cada 28 metros, calcularam os investigadores, que completam: “o que claramente não aconteceu”.
No Jardim Carioca, na Rua Elisa Regina, onde a Engenex também diz ter estado, havia até lama. A equipe do Gecoc esteve ainda nas ruas Silvio Aiala Silveira e Elizete Cardoso, no Carioca, mas só encontrou poeira. Nas ruas Vaz de Caminha, Ataufo Paiva e Osasco, no Jardim Noroeste, idem.
Vias pavimentadas – Outra constatação que ligou o radar da investigação para fraude em contratos da Engenex foi a de que as avenidas Lúdio Martins Coelho e Das Mansões são asfaltadas, mas foram inclusas nas lista de serviços prestadores em contrato exclusivo para a “execução de manutenção de vias não pavimentadas”.
A empresa alega, conforme medições entregues à prefeitura, que “limpou” três trechos da Lúdio Coelho – total de 2,9 mil metros quadrados – e ainda um trecho da Avenida das Mansões. Mas para o MP, nesses dois casos, “inexiste a possibilidade de atuação da empresa”.
Denúncia e investigação – A denúncia, assinada por “servidores da comissão de licitação” da Prefeitura de Campo Grande, diz que contrato do município com a A. L. dos Santos é de “fachada”, porque os serviços não são executados e os milhões pagos são usados para a compra de imóveis para o ex-prefeito Marquinhos Trad e sua família.
A escolha do esquema em usar vias não pavimentadas é justamente para dificultar a fiscalização, ainda de acordo com os denunciantes.
Na carta, enviada ao Ministério Público em junho de 2020, as pessoas, que afirmam ser funcionários públicos, dizem frases do tipo "não aguentamos mais" e confessam: “nos obrigam a fraudar licitação, já que a ordem vem de cima”.
A partir do “bilhete” anônimo, a 31ª Promotoria instaurou investigação que, na semana passada, culminou na operação para cumprir 19 mandados de busca e apreensão. Os alvos foram as empresas, empreiteiros e servidores públicos.
A força-tarefa, que também conta com a ajuda do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), agora tentará provar que envolvidos cometeram crimes de peculato, corrupção, fraude à licitação e lavagem de dinheiro, relativos a contratos para manutenção de vias não pavimentadas e locação de maquinário de veículos na Capital.
Outro lado – Em entrevista ao Campo Grande News, que foi ao ar nesta segunda-feira (19), o ex-prefeito Marquinhos Trad negou irregularidade na contratação das empresas investigadas pela Cascalhos de Areia. “Foi feita concorrência publica, várias empresas concorreram e quatro empresas ganharam lotes. A Rial ganhou dois lotes, a Engenex ganhou dois lotes, a Gradual ganhou um lote e a ALS ganhou um lote”, afirmou.
Negando ainda qualquer envolvimento com os alvos da operação, Trad afirmou ainda que a denúncia teve fundo eleitoreiro. Em 2020, ele foi candidato à reeleição. “É uma denúncia de seis ou sete linhas que foi escrita por um anônimo desprovido de qualquer elemento de prova”, disse Marquinhos. “Essas denúncias foram feitas durante a eleição”, finalizou.