ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
JANEIRO, QUARTA  22    CAMPO GRANDE 30º

Capital

Poucos e fieis, amigos lembram de Francelmo, "último herói do Brasil"

“Não vai aparecer uma pessoa assim igual a ele. Não chegaríamos a dar a vida por tudo isso”, lamentou amigo do ativista

Izabela Sanchez | 12/11/2019 11:06
Poucos e fieis, amigos lembram de Francelmo, "último herói do Brasil"
Amigos exibem faixa contra a instalação das usinas de cana no Pantanal (Foto: Izabela Sanchez)

No cruzamento da Barão do Rio Branco com a 14 de Julho, em Campo Grande, há 14 anos, Francisco Anselmo de Barros, aos 65 anos, ficou em chamas para que o mundo entendesse que ameaçar o Pantanal é ameaçar a vida. Francelmo, que tirou a própria vida contra a instalação de usinas nesse bioma tão complexo, virou ele mesmo o Pantanal, que anos depois, está, também, em chamas.

Neste dia 12 de novembro, Dia do Pantanal (criado por uma resolução do Conama em 2008), poucos, mas fieis, amigos e ativistas lembram de Francelmo e da ameaça que agora voltou sob a forma de decreto do presidente Jair Bolsonaro que permite a instalação da cana-de-açúcar, usinas e destilarias na BAP (Bacia do Alto Paraguai).

Para os poucos mais de 10 amigos que foram até o simbólico cruzamento na região central nesta terça-feira, “o último herói do Brasil”, nas palavras do poeta Manoel de Barros, indica que a luta é incansável. A ameaça sempre chega, volta e meia, pedindo “cordão de resistência” pelo Pantanal.

“Não vai aparecer uma pessoa assim igual a ele. Não chegaríamos a dar a vida por tudo isso”. É o que avaliou um companheiro “de 20 anos” de Francelmo. O engenheiro Jorge Gonda, 71, é o guardião das cartas com alertas para toda a sociedade, deixadas por Francelmo. Entre os pedidos para que cuidem de um Pantanal que ele não mais veria, pediu para que cuidassem de sua família.

Poucos e fieis, amigos lembram de Francelmo, "último herói do Brasil"
Jorge Gondo, 71, amigo fiel de Francelmo exibe a camiseta com o rosto do amigo e as palavras de Manoel de Barros (Foto: Izabela Sanchez)

“Éramos companheiros, ele que me levou para a defesa do meio ambiente, quando o conheci em 1982. Nessa luta, achei importante mesmo sendo da parte produtiva, porque é fundamental. Até 2005 batalhamos juntos”, contou.

“Compadre, você me ajude”, teria pedido Francelmo ao amigo. 

Gonda pensa que as usinas só não chegaram antes à região em razão do fogo que consumiu Francelmo. “Acho até ele dava mais valor para o meio ambiente do que para a família. Ele nasceu com essa missão”.

“É muito triste por um decreto mudar tudo. Não teve estudo. Eu digo sempre assim: qualquer atividade na BAP [Bacia do Alto Paraguai] é severa. O Brasil inteiro presenciou episódios em Minas Gerais. Qualquer acidente pode acabar com esse ecossistema”, disse.

Confira o vídeo do ato simbólico:

Representando a defesa do meio ambiente na Câmara Municipal, o ambientalista e vereador Eduardo Romero (Rede), disse, durante discurso, que o dia “é emblemático”. "A simbologia desse dia, o Dia do Pantanal, é emblemático, porque retoma a necessidade de estarmos sempre em movimento”.

Romero acredita que é necessária a organização. Grupos já estão programando intervenções, incluindo viagens à Brasília. Ainda assim, o assunto, avaliou o diretor-presidente da ong Ecoa, André Luiz Siqueira, não chegou a todos os ouvidos.

“Poucas pessoas estão sabendo”, disse ele, que afirma já estar recebendo ligações de pessoas preocupadas com a questão. André lembrou que a homenagem a Francelmo, feita todos os anos, tem urgência especial este ano.

“É dinheiro rasgado e jogado fora”, opinou André, sobre a viabilidade econômica desse tipo de empreendimento no Pantanal. O diretor elogiou a política de proteção que vigorou até a última semana, resultado, disse, do envolvimento de todos os setores. “É um instrumento fantástico em um país com austeridade econômica”.

Sobre o ambientalista que se foi, André comentou que a morte de Francelmo “na época foi determinante e causou comoção internacional”. “É como voltar no tempo. Como um país que quer sair da linha emergente, que poderia inovar nesse ordenamento, não dialoga com a sociedade. Estamos em maus lençóis”, declarou.

“Não sei de onde se tira que BAP não é Pantanal. O Pantanal só existe por causa do planalto. É cinismo. Não sabemos nem que tipo de emprego vai surgir ali, é absurdo”, afirma. André também citou os defensivos utilizados na cultura da cana-de-açúcar - exemplo do Fipronil -, agroquímicos associados ao colapso das abelhas.

“Nós estamos brigando para que o Pantanal seja o oásis da polinização. A atividade usa defensivos nocivos. Angélica, São Gabriel do Oeste, têm casos de colapsos [das colmeias] gravíssimos”, citou.

Poucos e fieis, amigos lembram de Francelmo, "último herói do Brasil"
O diretor-presidente da Ecoa, André Luis Siqueira (Foto: Izabela Sanchez)

As palavras de Francelmo – “Meus queridos pares, Pioneiros no Brasil na questão do meio ambiente, hoje somos passados para trás por interesses de maus políticos, maus empresários e PhD’s de aluguel. Em termos de Brasil, estamos vendo o barco afundar e ninguém diz nada. São transgênicos entrando de contrabando pelo Sul, e o governo apoiando. São queimadas da Amazônia, e o governo impassível. Gente com terra do tamanho de um Estado, e a gente sem terra. É transposição do rio São Francisco, no lugar de revitalização. No Pantanal, querem fazer do rio Paraguai um canal de navegação com portos para grandes embarcações e grandes comboios. É pólo siderúrgico, é pólo gás-químico. Agora, querem fazer usinas de álcool na Bacia do Alto Paraguai. Um terço dos deputados estaduais são a favor. Um terço contra. E um terço sem saber o que é. Já que não temos votos para salvar o Pantanal, vamos dar a vida para salva-lo”.

Nos siga no Google Notícias