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Capital

Poucos e fieis, amigos lembram de Francelmo, "último herói do Brasil"

“Não vai aparecer uma pessoa assim igual a ele. Não chegaríamos a dar a vida por tudo isso”, lamentou amigo do ativista

Izabela Sanchez | 12/11/2019 11:06
Amigos exibem faixa contra a instalação das usinas de cana no Pantanal (Foto: Izabela Sanchez)
Amigos exibem faixa contra a instalação das usinas de cana no Pantanal (Foto: Izabela Sanchez)

No cruzamento da Barão do Rio Branco com a 14 de Julho, em Campo Grande, há 14 anos, Francisco Anselmo de Barros, aos 65 anos, ficou em chamas para que o mundo entendesse que ameaçar o Pantanal é ameaçar a vida. Francelmo, que tirou a própria vida contra a instalação de usinas nesse bioma tão complexo, virou ele mesmo o Pantanal, que anos depois, está, também, em chamas.

Neste dia 12 de novembro, Dia do Pantanal (criado por uma resolução do Conama em 2008), poucos, mas fieis, amigos e ativistas lembram de Francelmo e da ameaça que agora voltou sob a forma de decreto do presidente Jair Bolsonaro que permite a instalação da cana-de-açúcar, usinas e destilarias na BAP (Bacia do Alto Paraguai).

Para os poucos mais de 10 amigos que foram até o simbólico cruzamento na região central nesta terça-feira, “o último herói do Brasil”, nas palavras do poeta Manoel de Barros, indica que a luta é incansável. A ameaça sempre chega, volta e meia, pedindo “cordão de resistência” pelo Pantanal.

“Não vai aparecer uma pessoa assim igual a ele. Não chegaríamos a dar a vida por tudo isso”. É o que avaliou um companheiro “de 20 anos” de Francelmo. O engenheiro Jorge Gonda, 71, é o guardião das cartas com alertas para toda a sociedade, deixadas por Francelmo. Entre os pedidos para que cuidem de um Pantanal que ele não mais veria, pediu para que cuidassem de sua família.

Jorge Gondo, 71, amigo fiel de Francelmo exibe a camiseta com o rosto do amigo e as palavras de Manoel de Barros (Foto: Izabela Sanchez)
Jorge Gondo, 71, amigo fiel de Francelmo exibe a camiseta com o rosto do amigo e as palavras de Manoel de Barros (Foto: Izabela Sanchez)

“Éramos companheiros, ele que me levou para a defesa do meio ambiente, quando o conheci em 1982. Nessa luta, achei importante mesmo sendo da parte produtiva, porque é fundamental. Até 2005 batalhamos juntos”, contou.

“Compadre, você me ajude”, teria pedido Francelmo ao amigo. 

Gonda pensa que as usinas só não chegaram antes à região em razão do fogo que consumiu Francelmo. “Acho até ele dava mais valor para o meio ambiente do que para a família. Ele nasceu com essa missão”.

“É muito triste por um decreto mudar tudo. Não teve estudo. Eu digo sempre assim: qualquer atividade na BAP [Bacia do Alto Paraguai] é severa. O Brasil inteiro presenciou episódios em Minas Gerais. Qualquer acidente pode acabar com esse ecossistema”, disse.

Confira o vídeo do ato simbólico:

Representando a defesa do meio ambiente na Câmara Municipal, o ambientalista e vereador Eduardo Romero (Rede), disse, durante discurso, que o dia “é emblemático”. "A simbologia desse dia, o Dia do Pantanal, é emblemático, porque retoma a necessidade de estarmos sempre em movimento”.

Romero acredita que é necessária a organização. Grupos já estão programando intervenções, incluindo viagens à Brasília. Ainda assim, o assunto, avaliou o diretor-presidente da ong Ecoa, André Luiz Siqueira, não chegou a todos os ouvidos.

“Poucas pessoas estão sabendo”, disse ele, que afirma já estar recebendo ligações de pessoas preocupadas com a questão. André lembrou que a homenagem a Francelmo, feita todos os anos, tem urgência especial este ano.

“É dinheiro rasgado e jogado fora”, opinou André, sobre a viabilidade econômica desse tipo de empreendimento no Pantanal. O diretor elogiou a política de proteção que vigorou até a última semana, resultado, disse, do envolvimento de todos os setores. “É um instrumento fantástico em um país com austeridade econômica”.

Sobre o ambientalista que se foi, André comentou que a morte de Francelmo “na época foi determinante e causou comoção internacional”. “É como voltar no tempo. Como um país que quer sair da linha emergente, que poderia inovar nesse ordenamento, não dialoga com a sociedade. Estamos em maus lençóis”, declarou.

“Não sei de onde se tira que BAP não é Pantanal. O Pantanal só existe por causa do planalto. É cinismo. Não sabemos nem que tipo de emprego vai surgir ali, é absurdo”, afirma. André também citou os defensivos utilizados na cultura da cana-de-açúcar - exemplo do Fipronil -, agroquímicos associados ao colapso das abelhas.

“Nós estamos brigando para que o Pantanal seja o oásis da polinização. A atividade usa defensivos nocivos. Angélica, São Gabriel do Oeste, têm casos de colapsos [das colmeias] gravíssimos”, citou.

O diretor-presidente da Ecoa, André Luis Siqueira (Foto: Izabela Sanchez)
O diretor-presidente da Ecoa, André Luis Siqueira (Foto: Izabela Sanchez)

As palavras de Francelmo – “Meus queridos pares, Pioneiros no Brasil na questão do meio ambiente, hoje somos passados para trás por interesses de maus políticos, maus empresários e PhD’s de aluguel. Em termos de Brasil, estamos vendo o barco afundar e ninguém diz nada. São transgênicos entrando de contrabando pelo Sul, e o governo apoiando. São queimadas da Amazônia, e o governo impassível. Gente com terra do tamanho de um Estado, e a gente sem terra. É transposição do rio São Francisco, no lugar de revitalização. No Pantanal, querem fazer do rio Paraguai um canal de navegação com portos para grandes embarcações e grandes comboios. É pólo siderúrgico, é pólo gás-químico. Agora, querem fazer usinas de álcool na Bacia do Alto Paraguai. Um terço dos deputados estaduais são a favor. Um terço contra. E um terço sem saber o que é. Já que não temos votos para salvar o Pantanal, vamos dar a vida para salva-lo”.

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