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Capital

"Smurfing", a técnica que garantiu milhões em desvios da federação de futebol

Denúncia do Gaeco detalha depósitos "a conta-gotas" a familiares e asseclas de Francisco Cezário

Por Silvia Frias | 06/06/2024 09:47
O organograma do desvio de verbas feito com recursos da FFMS (Foto/Reprodução)
O organograma do desvio de verbas feito com recursos da FFMS (Foto/Reprodução)

“O agente criminoso, no intuito de dissimular as operações que realiza frente ao órgão competente para averiguação, introduz pequenas quantias no sistema financeiro, as quais, isoladamente, acabam não gerando maiores suspeitas. A essa técnica, muito utilizada na lavagem de ativos, é dado o nome de smurfing”.

A técnica de fracionamento da corrupção, segundo investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) deflagrada na Operação Cartão Vermelho, foi usada a exaustão pelo presidente da FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul), Francisco Cezario de Oliveira, irmãos, sobrinho e demais asseclas que figuram no esquema criminoso de desvio de verba.

No organograma montado na denúncia contra os 12 indiciados, consta como o dinheiro ia e vinha da conta dos envolvidos, tendo como fonte a FFMS e, grande parte, sendo encaminhada para Cezário. O principal ordenador de despesa era Umberto Alves Pereira, sobrinho do presidente da federação e que seria o “tesoureiro de fato” da entidade, embora não tivesse vínculo empregatício.

A denúncia detalha a participação deles no crime de organização criminosa que contava com vários familiares de Cezário: além de Umberto, Aparecido, Francisco e Valdir Alves Pereira, todos sobrinhos do presidente da entidade, o sobrinho-neto Marcelo Mitsuo Ezoe Pereira e o irmão Luiz Carlos de Oliveira.

Também foram denunciados Marco Antônio Tavares (vice-presidente da FFMS) e o filho, Marcos Paulo Abdalla Tavares; Rudson Bogarim Barbosa (funcionário da FFMS), Jamiro Rodrigues de Oliveira (que foi presidente do Clube Misto de Três Lagoas) e Marco Antônio de Araújo (da Invictus Sports).

Documento  mostra depósitos recorrentes nas contas dos denunciados (Foto/Reprodução)
Documento  mostra depósitos recorrentes nas contas dos denunciados (Foto/Reprodução)

O Gaeco identificou que os irmãos Aparecido, Francisco, Umberto, parentes de Cezário, além de Marcelo Itsuo (sobrinho-neto) que não tinham vínculo empregatício formal com a federação, “foram destinatários de altíssimas quantias por parte da entidade”.

Conforme a denúncia, Cezário, Umberto, Aparecido e Rudson omitiram nas prestações oficiais de contas da FFMS recibos e notas, inseriram declaração falsa para criar gastos falsos da destinação de verbas públicas e privadas que haviam sido destinadas à FFMS.

Aparecido, Umberto e Marcelo figuravam como destinatários de diversas transações bancárias realizadas pela FFMS, sem justificativa aparente. Na investigação das transações bancárias, consta a imensa lista de repasses a conta gotas aos denunciados.

Aparecido Alves Pereira, por exemplo, recebeu na conta dele, de 2018 a 2023, R$ 411,420 mil, em valores que não foram declarados posteriormente. Em 2021, atestou à Receita Federal que não tinha investimentos, sendo dono de um imóvel de R$ 100,4 mil. Mas, de 2019 a 2022, apresentou movimentações de crédito que totalizam R$ 1.156.570,06 e, de débitos, no valor de R$ 1.156.671,08.

“[Aparecido] não declara rendimentos tributáveis, não indica vínculo de trabalho, não leva uma vida de grandes luxos, mas movimenta valores consideráveis em sua conta bancária, havendo, portanto, fortes indicativos de que a sua conta é usada apenas para passagem de valores, dissimulando assim o real destino do dinheiro desviado, em prática configuradora de lavagem de capitais”.

De 2018 a 2022, Valdir Alves Pereira recebeu em sua conta corrente R$ 53,710 mil. Ele ainda recebeu de Cezário a quantia de R$ 540,360 mil por meio de 1.056 transações bancárias.

Francisco Carlos recebeu da FFMS, entre os anos de 2018 e 2022 o montante de R$ 308,810 mil. O irmão dele, Umberto, repassou R$ 99,250 mil em 51 transferências da conta pessoal para ele.

Só Umberto, de 2018 a 2023, recebeu diretamente em sua conta bancária, da FFMS, o valor de R$ 2.265.829,33. “(...) é, sem dúvida, aquele que foi destinatário da maior quantia em dinheiro (...) justamente por ser o braço-direito de Francisco Cezário de Oliveira”.

A pessoa contratada como tesoureiro da federação disse em depoimento ao Gaeco que nunca exerceu tal função e até assinou procuração para que Umberto fizesse o trabalho. ”Na prática, quem fazia a gestão do dinheiro, sob as ordens do tio”, conta no documento.

Na movimentação bancária rastreada pelo Gaeco foi identificada, por exemplo, 279 depósitos em espécie, sem identificação de origem, que totalizaram R$ 621,180 mil. “Tais depósitos ocorrem para evitar a identificação da origem do dinheiro, que foi desviado da Federação de Futebol da Mato Grosso do Sul, em expediente característico de lavagem.

Flagrantes do Gaeco: Umberto sai da FFMS, vai e volta do banco e, depois, retorna para federação, onde dinheiro era repartido (Foto/Reprodução)
Flagrantes do Gaeco: Umberto sai da FFMS, vai e volta do banco e, depois, retorna para federação, onde dinheiro era repartido (Foto/Reprodução)

O filho dele, Marcelo Mitsuo, era servidor municipal comissionado até a deflagração da Operação Cartão Vermelho e não tinha qualquer função na federação. Mesmo assim, foi destinatário de 116 cheques da federação. Consta no rastreio outros valores substanciais:  90 depósitos em espécie, sem identificação, no montante de R$ 89,068 mil, além de  grande quantidade de cheques nos anos de 2018 e 2019. Em abril de 2018, por exemplo, foram depositados 10 cheques, nenhum superior a R$ 5 mil. A investigação identificou, pelo menos, R$ 523,881 mil na conta dele.

Marcelo e o pai, Umberto, são sócios da Ezoe e Pereira Ltda que, segundo Gaeco, não apresenta indícios reais de funcionamento, sendo possivelmente empresa de fachada, usada para esquentar o recebimento de valores destinados da federação. A sede, aliás, fica na casa de Marcelo.

O irmão de Cezário, Luiz Carlos de Oliveira, também recebia valores em sua conta bancária, transferido a mando do presidente da FFMS, mesmo não prestando qualquer serviço formal para a federação.

“Ninguém tinha folha de ponto e sequer horário de serviço determinado. Não havia chefe ou mesmo controle das “atividades” exercidas. Cada um lutava somente para garantir o seu e de seus familiares. Os que lá compareciam, assim o faziam para manter o esquema em funcionamento e consequente subtrair dinheiro da entidade, que a cada ano ficava mais deficitária, a despeito da alta receita que ostentava”, relatou o Gaeco na denúncia.

O dinheiro que circulava nas contas era sacado por Umberto, que levava à federação para a divisão dos valores nos bancos. Na denúncia, há vários flagrantes da saída dele do banco e ida até a federação, em reunião com participação de outros denunciados.

“O principal beneficiário do esquema é o Presidente da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul, FRANCISCO CEZÁRIO DE OLIVEIRA (“CEZÁRIO”), que se utilizava dos demais, principalmente dos seus sobrinhos UMBERTO ALVES PEREIRA (“BETO”) e APARECIDO ALVES PEREIRA (“CIDO”), para desviar o dinheiro e assim auferir proveito econômico indevido”.

Cezário recebia R$ 78 mil em salário pago pela CBF, mas conta que também embolsava da FFMS (Foto/Reprodução)
Cezário recebia R$ 78 mil em salário pago pela CBF, mas conta que também embolsava da FFMS (Foto/Reprodução)

O Gaeco cita o “altíssimo salário” recebido por Cezário, R$ 940 mil anuais, conforme declaração feita no ano-base 2022, o que representa ganho mensal de R$ 78,3 mil, integralmente custeado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

Na teoria, a FFMS teria de arcar somente com o salário dos funcionários, mas Cezario recebeu 84 transferências da federação, identificadas como “pagamentos em cheque” que totalizaram R$ 403.225,47, valores não declarados no Imposto de Renda.

Prisão - Na Operação Cartão Vermelho, deflagrada no dia 21 de maio, o Gaeco cumpriu sete mandados de prisão e 14 de busca e apreensão em Campo Grande, Dourados e Três Lagoas. Conforme nota divulgada pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), a FFMS foi investigada durante 20 meses pelo Gaeco, que identificou “uma organização criminosa, cujo principal objetivo era desviar valores”, dos convênios firmados com o Estado e com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

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