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Desvios de milhões do futebol e dívidas eram encobertos por “maquiagem” contábil

Interceptações telefônicas do Gaeco revelaram fraudes também na hora do “olé” na fiscalização da CBF

Por Anahi Zurutuza e Aline dos Santos | 22/05/2024 17:55
Agente do Gaeco em frente à Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul, na manhã desta terça-feira (21) (Foto: Marcos Maluf)
Agente do Gaeco em frente à Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul, na manhã desta terça-feira (21) (Foto: Marcos Maluf)

Detentora de milhões anuais em recursos públicos e boa fatia dos repasses da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), com “mesada” maior até que as do Rio de Janeiro e de São Paulo, a FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul), fechou as contas de 2023 “no vermelho”, mesmo cenário de anos. Mas, para além do dinheiro desviado, as fraudes praticadas por grupo, que lucrava com a verba do futebol sul-mato-grossense, também atingiam a contabilidade, segundo investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado).

Em interceptações telefônicas, a equipe empenhada em desvendar o esquema pescou conversas sobre “maquiagem” contábil, considerada crime de falsidade ideológica.

“Além do desvio de verbas, a inserção de declarações falsas nas prestações de contas da Federação de Futebol pôde ser identificada por meio de outra ligação captada no dia 25/04/2023 entre Umberto Alves Pereira e o responsável técnico que assina a prestação de contas da FFMS, Erley Freitas da Rocha, no qual, ao final combinam registrar um saldo devedor de R$ 70.000,00, pois o valor real (R$ 490.000,00), segundo Umberto, seria muito alto para ser explicado”, pincelou o juiz Eduardo Eugênio Siravegna Junior, da 2ª Vara Criminal, em decisão baseada no pedido elaborado pelo Gaeco para prender a organização criminosa “em campo”.

Em outro diálogo, Umberto Alves Pereira, sobrinho de Francisco Cezário de Oliveira, o “dono da bola” em Mato Grosso do Sul, fala com Rudson Bogarim Barbosa, gerente de Tecnologia da Informação da FFMS, em “driblar” a fiscalização da CBF.

Com o objetivo de encobrir os valores desviados, Umberto conversa com Rudson, a fim de ajustar uma forma de ‘maquiar’ as prestações de contas encaminhadas à CBF: ‘Não, não. Faz assim. Vê se você acha, eu tenho o valor aqui. Vamo dar uma maquiada e mandar [risos] (...) a mais, cê tem, num tem, dá pra dar uma maquiada e mandar pra ele? [sic]”, destaca a decisão.

Pouco antes, no dia 21 de abril do ano passado, a dupla havia combinado em tomar para si R$ 10 mil em valores recebidos pela FFMS da CBF. “Dá pra ver segunda e diz que arbitragem faz parte, e que tem que ver o que mais faz parte, gandula, etc, o que mais faz parte (...) então, isso que vou ver, e que se puder ver se encaixa ambulância e diz: ‘Essas 10 mil aí, eles vai ser nosso, entendeu?’”.

Umberto Alves Pereira, sobrinho de Francisco Cezário de Oliveira, abrindo portão da FFMS para a entreda de agentes do Gaeco (Foto: Marcos Maluf)
Umberto Alves Pereira, sobrinho de Francisco Cezário de Oliveira, abrindo portão da FFMS para a entreda de agentes do Gaeco (Foto: Marcos Maluf)

Grana – No centro da Operação Cartão Vermelho, desencadeada nesta terça-feira (21) pelo Gaeco, a FFMS é uma das “queridinhas” da CBF no quesito envio de recursos, embora o desempenho seja pífio quando a bola está no gramado. Mato Grosso do Sul ocupa o terceiro pior lugar no RNF (Ranking Nacional de Futebol), divulgado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em 8 de dezembro do ano passado.

Em 2021, contudo, conforme matéria divulgada pelo Uol, sobre a “CBFdependência” das federações para manter o futebol, a FFMS aparecia entre as 10 entidades brasileiras que dependeram naquele ano principalmente da verba nacional para pagar a contas. O Estado recebeu R$ 2,15 milhões em recursos da CBF ao longo daquele ano – mais, por exemplo, que o Rio de Janeiro, que teve R$ 1,29 milhão e São Paulo, com R$ 1,65 milhão.

Além disso, nos últimos 15 anos, a FFMS recebeu R$ 11,5 milhões somente através de convênio com a Fundesporte (Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul), ou seja, dinheiro dos cofres estaduais.

Mesmo assim, não é de agora, que a entidade opera em deficit. Em 2001, quando foi ouvido na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Nike, Cezário justificou que nada tinha a ver com a situação de falência em que se encontrava a entidade. Disse que dívidas vinham acumuladas de gestões anteriores, embora ele tenha sido o presidente de 1983 a 1989 e continuado em cargos de diretoria até 1998, quando foi eleito para dirigir a FFMS novamente.

A federação terminou o ano de 2023 devendo R$ 971 mil. Os débitos somavam R$ 752 mil em 2022 e aumentaram em 12 meses, conforme a última prestação de contas publicadas no site da entidade.

Última prestação de conta publicada no site da FFMS (Foto: Reprodução)
Última prestação de conta publicada no site da FFMS (Foto: Reprodução)

Desvios de milhões – Nesta terça-feira (21), o Gaeco levou Francisco Cezário de Oliveira para a cadeia, por suspeita de comandar esquema para desviar milhões da FFMS. A casa do presidente – imóvel de alto padrão, localizado na Vila Taveirópolis, na Capital – foi vasculhada e no local, agentes apreenderam mais de R$ 800 mil em espécie.

Contra Cezário há mandado de prisão preventiva (por tempo indeterminado). Como ele é advogado com registro ativo, o trabalho foi acompanhado por representantes da Comissão de Defesa e Assistência das Prerrogativas dos Advogados de Seccionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e ele foi levado para cela especial no Presídio Militar Estadual.

André Borges, responsável pela defesa de Cezário, afirmou que a quantia encontrada na casa tem origem lícita. “Não é crime manter dinheiro em casa. Tem origem lícita, que no momento oportuno será declarada”.

De acordo com o Gaeco, braço do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, a ofensiva desbaratou organização criminosa voltada à prática de peculato, estelionatos, falsidades documentais, lavagem de dinheiro e delitos correlatos.

Em 20 meses de investigação, o Gaeco constatou que um grupo desviava valores, provenientes do Estado (via convênio, subvenção ou termo de fomento) ou mesmo da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), em benefício próprio e de terceiros. “Uma das formas de desvio era a realização de frequentes saques em espécie de contas bancárias da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul – FFMS, em valores não superiores a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para não alertarem os órgãos de controle, que depois eram divididos entre os integrantes do esquema”, informa a nota do MPMS.

Nessa modalidade, verificou-se que o grupo fez mais de 1.200 saques, que ultrapassaram o total de R$ 3 milhões.

A organização criminosa também contava com esquema de desvio de diárias dos hotéis pagos pelo Estado em jogos do Campeonato Estadual de Futebol. O esquema de peculato tinha “cashback”, numa devolução criminosa de valores.

Ao todo, os valores desviados da FFMS, no período de setembro de 2018 até fevereiro de 2023, superaram R$ 6 milhões.

Disque-denúncia - O escândalo no futebol fez o Gaeco abrir canal exclusivo para denúncias contra a FFMS e a gestão "invicta", até agora, de Cezário. Nesta quarta-feira (22), o MPMS não parou de receber ligações e decidiu disponibilizar linha direta, pelo 67 99825-0547.

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