Três anos após acidente, Rayssa quer ser juíza e punir criminosos do trânsito
Três anos e três meses após o acidente, a jovem que se tornou um símbolo das vítimas do trânsito em Campo Grande, Rayssa Favaro, de 22 anos, vê com revolta que a imprudência continua nas ruas e os autores estão cada vez mais seguros na certeza de quem ficaram impunes.
“Eu quero ser juíza para punir com rigor quem comete, principalmente, infrações no trânsito”, diz, com objetividade. Para ela, a punição mais severa a infratores é a única forma de reduzir a violência no trânsito. Rayssa já pensa na volta aos estudos no próximo ano, cursando de início apenas uma matéria.
A jovem teve a carreira de estudante de Direito interrompida pelo acidente no dia 21 de abril de 2009, quando seu veículo ficou destruído após ser atingido no cruzamento da Bahia com a avenida Mato Grosso.
Diante de tantos noticiados, tendo em comum na maioria dos casos a combinação de jovens, bebida e alta velocidade, Rayssa avalia que virou quase uma “moda” e desabafa: o sentimento de estar jogando palavras ao vento, depois de tantas entrevistas contando sua história.
“Parece que meu acidente e a minha vida ter acabado não serviram de nada. Continua todo mundo se matando por aí. E o pior é que não se matam sozinhos, estão por aí matando outras pessoas”, alerta.
Ela ainda confessa que fica com “mais raiva ainda” quando ouve e vê que mais motoristas continuam bebendo e dirigindo.
A mãe, Nara Favaro, lembra que a maioria das pessoas só passa a pensar nas conseqüências depois que sente a dor de um acidente.
“Mas depois que acontece não adianta chorar, ficar arrependido, tem que pensa antes”, frisa.
Para quem foi vítima, como a jovem, ainda fica a sensação de que por causa de um ato inconsequente a vida inteira de uma pessoa pode ser mudada.
Falta de limites- Para a família, o sentimento de impunidade e a espera por uma decisão da Justiça é uma das maiores angustias, que só perde para a espera na recuperação da jovem. Ela ainda luta para voltar a andar sozinha, falar e fazer coisas simples da rotina, como escrever e comer.
“Eu conto cada dia. Não controlo mais meu peso, não durmo, passei por problemas de depressão e pressão”, diz o pai, Valter Favaro, que na época do acidente era superintendente da Polícia Rodoviária Federal.
A família espera por uma data para o julgamento do caso, que ainda não tem previsão.
Em abril deste ano, quando a tragédia completou três anos, a família entrou também com processo civil por reparação de danos morais.
Rayssa diriga um Fiat Uno pela rua Bahia, quando teve o veículo atingido pelo Honda Civic dirigido por Marcelo Olendzki Broch, que seguia pela avenida Mato Grosso. A colisão jogou os carros a 36 metros do ponto de impacto.
Enquanto esperam o julgamento, a mãe afirma que nada vai apagar o sofrimento vivido pela família, mas que espera "que seja feita a Justiça".
Rayssa acredita que seu acidente teria acontecido de qualquer forma, mas se a legislação fosse mais severa o caso pelo menos já teria sido julgado.
“Eu preciso estar vivo ainda pra ver o fim desta batalha”, diz o pai com bom humor. Lembrando os inúmeros casos semelhantes de impunidade, a família ressalta que a punição tem que começar também de dentro da casa.
“Se eu fizesse um arranhão no carro do meu pai ele não deixava encostar nele por um bom tempo, então tinha medo de fazer as coisas erradas na rua”, diz.
Outro ingrediente, aponta Rayssa, é o poder. “O cara se acha o tal, pega um carrão e vai para as ruas se aparecer, acha que pode fazer tudo e não vai acontecer nada”, diz.
Recuperação - Rayssa sofreu traumatismo craniano por conta do impacto. Ela sofreu o que a medicina chama de lesão axonal difusa no tronco cerebral-hipotalamo. Ficou 69 dias em coma.
Como a lesão sofrida não é muscular e, sim, cerebral, a rotina de tratamento consiste em treinos para melhorar o equilíbrio, exercitando a independência da jovem nos movimentos do dia a dia, além de exercícios físicos e cognitivos.
Ela sofre de ataxia, o que provoca “tremedeiras” nas mãos e dificulta o equilíbrio nos movimentos. A jovem já passou por quatro cirurgias, mas ainda precisa fazer outra no pé, que ainda não tem previsão.
Nos últimos meses, Rayssa já conseguiu avançar nos movimentos e andar sozinha no andador. A musculatura está mais forte com a ajuda da musculação. Ela também treina a escrita e outras atividades para exercitar o cognitivo.
Ela também luta contra a balança, já que a perda de peso é uma das orientações médicas para a melhora clínica, pois quanto mais leve estiver melhor para praticar os exercícios.
Rayssa realiza o tratamento do Hospital SARAH, em Brasília. Ela viaja a cada seis meses para o local. A família agora pretende iniciar em conjunto outro tratamento que é feito em clínica do Rio de Janeiro, no entanto o tratamento não é gratuito e custa cerca de R$ 5 mil.