Dos índios aos japoneses: MS tem cozinha típica cheia de nuances
Culinária regional usa ingredientes tipicamente regionais e o jeitinho herdado dos países fronteiriços, asiáticos e também dos Estados vizinhos, explicam especialistas
Da mescla de ingredientes usados por vários povos surgiu a culinária de Mato Grosso Sul, que neste 11 de outubro completa 40 anos de existência junto com o aniversário de criação do Estado. Quem defende esta tese é o chef Paulo Machado, um dos mais ativos estudiosos do assunto e que no ano passado já recebeu título de embaixador da cozinha sul-mato-grossense pela revista Prazeres da Mesa.
“A partir do momento que se cria um Estado, se criam tradições. A culinária é uma delas”, explica.
Certa vez, ele havia definido a culinária local como “jovem e cheia de brasilidade” e em entrevista ao Campo Grande News, especialmente falando sobre os 40 anos da gastronomia sul-mato-grossense, Machado é enfático: “temos identidade alimentar sim”.
Não dá para medir o tamanho da lista de receitas que têm como base o milho e a mandioca, heranças do povo indígena, a carne bovina, que o sul-mato-grossense aprendeu a produzir com o gaúchos. Fora isso, temos os ingredientes genuinamente locais, como o pequi, a guavira, o coquinho bocaiúva, cada vez mais valorizados.
O chef explica ainda que quem antes da divisão do Mato Grosso, quem vivia no sul do Estado já tinha “uma maneira particular de comer”. “O povo do sul é influenciado não só pelos países fronteiriços, principalmente o Paraguai e a Bolívia, mas também pelos Estados vizinhos. Temos muito da cultura gaúcha, mas sofremos influência de São Paulo e Minas Gerais também”.
A escolha da principal proteína diferencia bem o povo do norte do povo do sul do antigo Mato Grosso. “No norte, o peixe é o ingrediente principal, para nós, é a carne bovina. As pessoas até hoje chamam Mato Grosso do Sul de Mato Grosso, mas começaram a entender que somos dois Estados diferentes”, completa Machado.
O especialista destaca que o uso de ingredientes asiáticos é mais uma característica que não se acha no Mato Grosso. “Os imigrantes japoneses e libaneses também trouxeram sua influência. O sobá é um prato de Okinawa (província do Japão), mas aqui é consumido de uma forma de diferente, foi tombado como patrimônio imaterial de Campo Grande”.
Receitas dos índios, paraguaios e das comitivas – As receitas criadas pelas comitivas formadas para mover as boiadas durante as cheias no Pantanal também merecem destaque, afirma Machado. “Um prato muito típico é macarrão de comitiva, que leva carne seca ou carne de sol”.
Citar a sopa paraguaia e a chipa é quase que redundante para quem conhece um pouco da cozinha regional.
Na terra da chipa paraguaia, a de origem grega também faz sucesso. A receita é comercalizada há 40 anos, mesma idade de Mato Grosso do Sul, na lanchonete “Boa Vista”, na rua Antônio Maria Coelho, em Campo Grande.
O passo a passo original da tal chipa grega é guardado em segredo até hoje, apesar das várias versões pela cidade. O salgado é uma adaptação da receita grega chamada “Tiropita”, trazida para a Capital pelo avô de Elissavet Procopiou, o dono do estabelecimento.
Paulo Machado dá destaque ainda para um ingrediente que só é encontrado no nosso Mato Grosso do Sul: a mandioca. “Ela está espalhada pelo resto do país, mas dourada e doce como a consumimos, só aqui”.
“Se formos falar das frutas, a guavira ícone da nossa cultura, a gente tem um festival dedicado a guavira. Novembro é única época que as propriedades ficam de portas abertas para que qualquer um possa entrar e catar a guavira”, comenta.
Mais interesse – A culinária regional é tema para mais que uma reportagem especial para o aniversário de Mato Grosso do Sul, mas o que o gastrônomo Antonio Luis Ribeiro destaca é que mesmo jovem, a cozinha sul-mato-grossense tem despertado interesse internacional.
“Falta o reconhecimento dessa identidade gastronômica e posso falar por experiência própria. Sou daqui de MS, fui estudar fora e voltei este ano. Eu tinha dificuldade, enquanto profissional, de identificar estes aspectos particulares e a minha volta está ajudando muito neste resgate”, relata o profissional de 26 anos, que dá aulas no curso de gastronomia do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) de Campo Grande.
Antonio Luis afirma que o curso tem aulas destinadas à cozinha regional, o que exige aprofundamento dos professores no tema. “Observo isso nos alunos, chegam sem conhecimento algum. Uma ferramenta para estimular este aprendizado é o festival de gastronômico regional, que vai acontecer este ano ainda”.