“A gente não precisa ter medo. Essa terra é nossa”, diz indío após atentado
Clima na região ainda é de insegurança; aos poucos indígenas voltam ao acampamento onde líder foi executado por pistoleiros
O clima de insegurança continua entre os acampados na região das fazendas Nova Querência e Ouro Verde, na divisa dos municípios de Aral Moreira e Amambai, região Sul do Estado. Mas a perseverança do povo sobrevive mesmo depois do atentado em que, segundo eles, foi executado do líder indígena Nisio Gomes, na última sexta-feira. Nisio está desaparecido.
“A gente não precisa ter medo. Essa terra é nossa”, dizem eles que agora se definem como todos na liderança.
O Campo Grande News esteve no local no final da tarde deste sábado. Os guarani-kaiowás não permitiram fotos e conversaram pouco. Eles estão arredios após o ataque que, segundo afirmam, foi feito por vários pistoleiros em camionetes, armados. No local, foram apreendidos vestígios de armamento e de sangue.
Segundo relatos dos próprios indígenas, os moradores aos poucos está voltando ao acampamento. Isso porque no momento do atentado muitos se refugiaram na mata. “Foi ouvir os tiros e a gente saiu correndo”, conta um deles.
O receio em receber a imprensa pode ser visto nos olhos de cada um. Ao chegar na área do acampamento, depois de entrar na fazenda e percorrer cerca de 5 quilômetros, os indígenas vêm ao encontro da equipe.
Um limite parece ter sido estabelecido, com três pedaços de madeira pequenos fincados ao chão. Do lado de lá indígenas permanecem na retaguarda enquanto a equipe do Campo Grande News tenta se aproximar.
Os primeiros a chegar não portavam arco, nem flecha. Aos poucos, eles deixam que a equipe se aproxime.
“Agora nós todos somos a liderança” responde um guarani-kaiowá. O tempo todo eles se entreolhavam e discutiam em guarani. A impressão que dava era que eles se conversavam o que poderia ou não ser dito.
“Eram oito pistoleiros, atiraram e levaram Nisio”, dizem. Até agora os indígenas não encontraram o corpo do líder.
Devagar mais deles vem chegando. Muitas crianças e jovens. “Tem ônibus vindo de aldeia com mais gente”. A sensação é de que o atentado fortaleceu a etnia que vive na região.
Sem permitir a entrada da equipe, eles contaram que o atentado não durou muito e que “foram embora sem deixar rastros”. A visita da Polícia Federal que esteve no local desde sexta-feira tranqüilizou. “Os federais disseram e a gente não precisa ter medo. É tekohá, essa terra é nossa”, reafirma um indígena mais velho.
Entre as poucas palavras ditas pelos indígenas, eles não confirmaram de quanto é a área acampada. O local aparenta ser extenso e estar com dezenas de guarani-kaiowá. Ao fundo se escutava gritos que se assemelhavam a algum ritual.
Os números de desaparecidos depois do atentado devem se confirmar neste começo de semana. De acordo com Tonico Benites, membro da Assembleia Geral do Povo Guarani-Kaiowá, mulheres e crianças voltaram neste sábado, pela fome e sede.
O fim da entrevista na região foi definido pelos indígenas. Um deles, mais jovem, questionou “isso que vocês estão fazendo vai ajudar de alguma forma?”. A pergunta reflete a tensão vivida pelo grupo.
Caso - Conforme apurado pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário), durante a correria de tiros, três jovens um de 14 anos, outro de 15 e um de 16 anos teriam sido baleados.
De acordo com lideranças indígenas de aldeias vizinhas, o garoto de 14 anos seria neto de Nisio Gomes. Ele chegou a ser socorrido, medicado e já teria retornado ao acampamento. Os outros dois estavam desaparecidos.
O MPF (Ministério Público Federal) abriu investigação e a perícia da Polícia Civil constatou marcas de sangue em meio à folhas, que remontam a cena de um corpo sendo arrastado, possivelmente de Nisio.
Segundo relatos dos indígenas ao CIMI, Nisio teria sido executado com tiros na cabeça, peito, braços e pernas. O filho ainda tentou impedir a execução, se atirando sobre um dos pistoleiros.
A ação dos pistoleiros foi por volta das 6h30 da manhã de sexta-feira. Eles estavam respaldados por cerca de uma dezena de caminhonetes Hilux e S-10. Na caçamba de uma delas o corpo de Nisio foi transportado.
Os guarani-kaiowá estavam acampados a região desde o dia primeiro deste mês. Nisio teria sofrido ameaças de morte dois dias antes do atentado.