Justiça mantém preso PRF que agia para quadrilha em dia de folga
Justiça Federal negou liberdade a Moacir Netto e a outro PRF, Alaércio Dias Barbosa, o "Manco" que facilitava o contrabando
Com ativa participação no esquema de contrabando de cigarros, segundo denúncia do MPF (Ministério Público Federal), o policial rodoviário federal Moacir Ribeiro da Silva Netto teve o pedido de revogação de prisão preventiva indeferido pela Justiça Federal. As escutas telefônicas revelam que ele chegou a atuar como batedor de carga ilegal da quadrilha e, em um dos trechos, um do envolvidos agradece a proteção divina: "As coisas de Deus, Chico, é justa".
Também foi negada a liberdade de Alaércio Dias Barbosa, o "Manco", segundo apelido dado pelos contrabandistas. Com o dinheiro da propina, Alaércio teria arrendado o Prime Motel e Pousada, localizado em Ponta Porã.
Neto, lotado no posto da PRF de Rio Brilhante, e Alaércio, do Posto Capey, estão presos desde 31 de julho, quando foi deflagrada a Operação Trunk da PF (Polícia Federal), decorrente de investigação iniciada em 2018. Naquele dia, foram cumpridos oito mandados de prisão e 15 de busca e apreensão. A quadrilha teria sido responsável por prejuízo de R$ 42 milhões ao erário.
No pedido de revogação da prisão, o advogado Rodrigo Dalpiaz Dias, que representa o policial, alega que não há requisitos necessários para manutenção da prisão, sendo suficiente apenas o emprego de medidas cautelares, como a suspensão da função pública e proibição de contato com os demais investigados. Também considerou que ele tem residência fixa, emprego lícito, preenchendo condições previstas na lei.
Porém, em despacho do dia 2 de setembro e publicado hoje no Diário Oficial do TRF3 (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região, o juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira considerou material levando durante a investigação da PF, como as escutas telefônicas dos outros envolvidos, já que o policial comunicava-se somente por WhatsApp. No caso de Alaércio, o indeferimento, pelos mesmos motivos, foi no dia 30 de agosto.
De acordo com a investigação, Moacir Ribeiro da Silva Netto é conhecido pelo grupo criminoso como “Netto”, “Tio” e “Theo”, tendo “envolvimento direto” com a quadrilha.
Em interceptação telefônica, os suspeitos falam da passagem de contrabando de cigarros pelo Posto Capey, na BR-463, entre Ponta Porã e Dourados, no dia 9 de dezembro de 2018, assegurada ele e Alaércio Dias Barbosa. O "Manco" chegou a receber R$ 5 mil em apenas um carregamento.
Francisco Job da Silva Neto, considerado um dos líderes da quadrilha, conversa com a esposa, Elaynne Cristina, sobre a passagem no próximo ponto, sob responsabilidade de Moacir Netto.
[...]
ELAYNNE - Tá e o desmantelo é o que? Deu errado alguma coisa?
CHICO - Não, de madrugada?
ELAYNNE - Uhum...
CHICO - O do ATOR. O ATOR chegou lá no trevo da bandeira e viu o MANCHA. Que nois estava tudo morto e lálálá... O trator dele subindo, vindo do terra lá, quando chegou lá na Amarela do Peixe (PRF de Dourados) vápi, voaram em cima.
ELAYNNE - Uhum... Ai soltaram?
CHICO - Rãm... Soltaram foi?!
ELAYNNE - As coisas de Deus, Chico, é justa.
[...]
CHICO - O cara deixa as coisas acontecer né. Aí lá vai nois, voltemo peguemo a rodoanel, ai não deu tempo de tirar a do GALEGO, tendeu?!
ELAYNNE - Você fez o que NETTO (PRF) pediu pra você ir atrás?
CHICO - Do mesmo jeito, do mesmo jeito.
ELAYNNE - Pois é.
CHICO - Peixe vem chegando aqui no carro.
ELAYNNE - Uhum.
CHICO - Nois vinhemos tirar dinheiro, vamos passar ali na garagem aonde está o trator e vamos dar um arrudiada e mais tarde eu te ligo. tá?!
ELAYNNE - Pois tá certo...
Em outro trecho, o posto da PRF em Rio Brilhante é citado como “a amarela/casinha do Tio” e Moacir Netto, em dia de folga, atuou com batedor da carga de contrabando, no dia 4 de fevereiro de 2018. De acordo com a PF, “verifica-se, em diálogo registrado entre Zezinho e Chico, que Netto (“Tio” ou “Theo”), o próprio Policial Rodoviário Federal, está acompanhando o comboio na função de “batedor”, vindo pouco atrás do caminhão”.
CHICO: Ô patrão.
ZEZINHO: Patrão e aí?
CHICO: Beleza e aí?
ZEZINHO: E o Téo deu notícia?
CHICO: O Téo vem aqui atrás, disse que aquelas azul lá uma tava lá na boca daquele corredorzinho da vilinha da calcinha e veio duas amarela e ficou lá, entendeu?
ZEZINHO: Deixa eu te falar, aqui no Tio, no Téo pode arrochar. Pera aí que eu vou falar. Ô patrão?
CHICO: Pode falar patrão.
[...]
Em outro trecho, a quadrilha mostra-se preocupada com o paradeiro de Francisco Job, preso em fevereiro de 2018 durante flagrante da PRF. O grupo pede ajuda a Moacir Netto e entra em contato até com a mulher do policial, identificada como Patrícia.
ZEZINHO- Oi Elaynne.
ELAYNNE- Zezinho, tá preso (voz de choro).
[...]
ELAYNNE- Mas de 2h pra cá Zezinho, ele já tinha dado notícias.
ZEZINHO- É, então, mas também não prenderam não, porque se prenderam ele tem direito a uma ligação, né Elaynne? Entendeu?
ELAYNNE- Eu pedi ao TIO pra puxar lá, pra ver se acha ele.
[...]
ELAYNNE- É, eu passei mensagem aqui pro TIO, ele ficou preocupado também, falou Elaynne já falei com ele, já chamei ele aqui no zap ele não responde, eu vou dar uma procurada... PATRICIA tá me chamando aqui, eu não sei se ela já sabe de alguma coisa.
ZEZINHO- Quem?
ELAYNNE- PATRICIA, a mulher dele, do TIO.
[...]
ELAYNNE- Eu vou ver aqui com o NETTO.
ZEZINHO- Pronto tá, o que tiver notícia primeiro avisa o outro então, tá bom?
ELAYNNE- Pois da hora.
ZEZINHO- eu tô indo lá encontrar o motorista lá, tá, tchau.
ELAYNNE- Tchau.
A PF identifica outros trechos da participação de Netto, conforme investigação.
ROBINHO: O TIO estava no meio ou não?
ELAYNNE: Estava, só que o TIO disse que falou com ele de 3 horas da tarde. Disse que lá na base dele passou de boa, o TIO acompanhou até mais na frente, quando chegou na câmera o TIO entrou para casa e ele desviou a câmera com o caminhão, e na frente pegaram. Não sei como não pegaram o TIO também. Aí o TIO disse, PATRÍCIA passou a mensagem para mim, “ELAYNNE, tem notícia de FRANCISCO? O TIO está aqui e ai de enlouquecer, passa mensagem e ele não atende. Não dá notícias. Já puxou aqui, não sabe de nada”. Eu digo, mulher, pois somos dois, porque eu também não sei não. Aí todo mundo atrás dele e ninguém sabe.
ROBINHO: É ELAYNNE, você tem que ver com ela aí, porque não tem como estar andando na guerra aí, catucar alguma coisa.
ELAYNNE: Ele disse que ia ver se tomava roteiro. Ele pode ir lá na FEDERAL né, dar uma olhada. Pode puxar uma câmera, alguma coisa.
ROBINHO: Ele quem tem que reagir agora.
ELAYNNE: É, eu vou dar uma catucada nele aqui. Tem uma pessoa me ligando aqui, quando for daqui a pouco eu dou notícia, viu. Não comente com ninguém não, para ver se não sai na rua, viu?
ROBINHO: Tá.
ELAYNNE: Pois tá bom, tchau.
Em relação a Alaércio, consta até código para facilitar a passagem dos caminhões carregados com cigarros. O policial posicionava viatura no canteiro, próximo do posto, para indicar passagem livre. Em um dos dias, a quadrilha foi pega de surpresa pela fiscalização da Receita Federal.
ZEZINHO: É, é f***, só que pegou o MANCO de surpresa também, porque ele não sabia.
CHICO: Não, eles chegaram e já foram coisando, o menino, o mateiro vai dizer a você quando nós conversarmos, o mateiro disse que um já entrou, já gritando, o mateiro, tá vindo da onde! Os cara gritando homem, entendeu?
ZEZINHO: Minha nossa senhora!
CHICO: Complicado. Aí o pobre do mateiro, na hora que o MANCO pulou dentro da viatura para tirar, o mateiro pensava que eles iam correr atrás, aí o mateiro, tá saindo a viatura, tá saindo a viatura, mas não, o MANCO foi e voltou a viatura.
ZEZINHO: Guardou para tirar, para dizer que estava ruim, não, o código foi bom! O código foi bom patrão!
Organograma – Na operação Trunk, a denúncia do MPF descreve a hierarquia da organização criminosa. Os setores são chefia, núcleo operacional e de apoio logístico, núcleo financeiro, núcleo responsável pela corrupção de policiais, e núcleo de agentes policiais responsáveis pela facilitação do contrabando.
No topo, são apontados como chefes Francisco Job da Silva Neto (preso em MS) e José Antônio Mizael Alves (preso em São Paulo). No núcleo operacional, são destacados três gerentes: Irismar Gadelha Soares (vereador de Riacho dos Cavalos, na Paraíba), Fernando da Silva e Paulo Henrique Xavier (preso em MS).
A engrenagem da quadrilha também exigia executores (quem prestava toda sorte de serviços), como motorista, “olheiros”, “mateiros” e “batedores”. Os crimes denunciados são de organização criminosa, contrabando, corrupção ativa e facilitação de contrabando.
No período de julho de 2018 a março de 2019, foram aprendidos quatorze caminhões e dois carros de passeios, todos lotados de cigarro. Durante oito meses de investigação, o prejuízo ao erário público foi calculado em R$ 42 milhões. Num único flagrante, a carga foi avaliada em R$ 3 milhões.