No meio da pandemia, apenas um médico cuida de 11 aldeias e 7,9 mil vidas
Polo da Sesai em Aquidauana atende a demanda de três municípios com apenas um médico
Em tese, um médico do polo base de Aquidauana, serviço de saúde da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), é de 40h, das 7h às 11 e das 13h às 17h, de segunda a sexta-feira. Na prática, o expediente do único médico ali começa às 7h e ultrapassa às 18h, todos os dias, e quando muito, há um pequeno intervalo para o almoço, que na maior parte dos dias se come frio dentro das aldeias. Há dois meses há apenas um médico para percorrer, sozinho, 11 aldeias nas Terras Indígenas da região, e um total de 7,9 mil pessoas.
Há anos sofrendo com sucateamento, a Sesai chega ao ápice da falta de assistência em plena pandemia de coronavírus no estado com a segunda maior população indígena do Brasil, mas com apenas um Dsei (Distrito Sanitário de Saúde Indígena). Se o único médico que atende às comunidades indígenas de Aquidauana ficar doente - risco entre os profissionais em meio à pandemia - a matemática básica mostra que não haverá atendimento.
Outro médico que dividia o trabalho pediu demissão porque passou em um concurso e desde então, há apenas um profissional. O que hoje trabalha no polo foi contratado pelo programa Mais Médicos, do governo federal, por um salário de R$ 12.386,50 para atendimento integral, conforme apurou o Campo Grande News.
Nesta região, os profissionais de saúde, os poucos que restam, percorrem sozinhos distâncias diárias de, no mínimo, 150 km, a bordo de viaturas sucateadas da Sesai, mas a distância média entre a área das aldeias e a cidade pode ser maior.
Dionedison Terena, 42, é natural de uma das aldeias atendidas, a aldeia Bananal, mas hoje vive na cidade de Aquidauana e tem recebido relato dos amigos e da família com as dificuldades de atendimento e a rotina exaustiva dos profissionais.
“A comunidade reclama muito de não conseguir atendimento médico”, comenta. Ele cita a exaustão da única enfermeira (há duas profissionais dessa área no atendimento, mas uma está doente e afastada desde março) e da única nutricionista que atende toda a região.
É o que também explica o professor Alceri Marques, 45, ex-cacique da aldeia Lagoinha.
“Ele [médico] atende as 7 aldeias aqui (Terra Indígena Taunay Ipegue, em Aquidauana), fica sobrecarregado. E tem algumas aldeias que não tem agente de saúde, como Água branca, desde o ano passado. A gente já cobrou da Sesai, não resolveu nada até agora. Sobrecarrega o único agente que temos na aldeia Lagoinha, e enfermeiro não tem. Tem que se desdobrar para ver se consegue atender as necessidades”, comenta
A Sesai disponibiliza o recurso, mas quem realiza as contratações, o processo seletivo e o treinamento dos profissionais é uma ong, a Missão Cauiá, que tem sede em Dourados e atua há mais de 15 anos contratada pelo governo federal. O contrato anual gira em torno de R$ 45 milhões e o último aditivo para renovar o serviço por mais 12 meses foi fechado para o ano todo de 2020.
Coordenador do polo base, Antônio Mariano afirma que a demanda para a unidade de Aquidauana ainda abrange Nioaque e Anastácio.
“Aquidauana tinha três equipes médicas, aí a própria Missão não conseguiu colocar mais um, ficamos com dois. O médico que nos atendia pediu para sair. Aí tentamos buscar apoio da Prefeitura, para ver se conseguia que nos atendesse semanalmente, mas o município tem alguns médicos que são idosos, afastados por conta da pandemia, e está difícil de nos atender. Estamos aguardando posição deles para ver se consegue repor essa deficiência”, conta Antônio.
Só extrema necessidade – O coordenador do polo base afirma que é necessário fazer uma triagem ainda mais difícil para atendimento médio. “Com essa pandemia, está vindo para Aquidauana só quem está na extrema necessidade, acabam atendidos dentro da própria comunidade e quando há necessidade o técnico faz uma avaliação e encaminha para o hospital”, diz.
O indígena cita que a região é ainda maior.
“Temos 15 aldeias mais as retomadas. E também é difícil conseguir um médico. O nosso trabalho é integral. Tem médicos que querem fazer meio período”, comenta.
“Tinham os cubanos, três, depois que acabou o programa do mais médicos do exterior ficamos nessa dificuldade. Eles [Missão Caiuá] alegam que tem um recurso emergencial que tem que passar por processos burocráticos”, explica.
Chefe de atenção primária do Dsei de Mato Grosso do Sul, Eliete Domingues afirma que a contratação ficou prejudicada “em razão do aditivo” e do “período de transição”.
“Aquidauana nós tínhamos dois médicos do programa mais médicos, esse último passou em um concurso da prefeitura de Campo Grande e assumiu, esses dois já estavam desde 2018. A gente não tem condições de encontrar de uma hora para outra, a gente abre processo seletivo e é difícil gente conseguir trabalhar, o vínculo trabalhista é de 40h. Isso é um fator de dificuldade, o médico vai pra aldeia de manhã e as vezes fica o dia todo lá, dependendo da aldeia é longe”, diz.
Segundo a funcionária, “saíram muitos funcionários”. “A gente não teve autorização para contratar porque estava em momento de transição”.
Procurado, um dos coordenadores da ong, Silas de Souza da Silva, disse que a Missão Caiuá vai publicar edital para processo seletivo ainda este mês com 4 vagas para médicos em regime integral (1 deles para Aquidauana) e 1 vaga para médico em período parcial.