Oito anos após sentença, Corumbá segue sem previsão de ter UTI Neonatal
Entre 2008 e os primeiros cinco meses de 2014, 135 recém-nascidos morreram em Corumbá
A Justiça Estadual determinou há oito anos a implantação de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) neonatais em Corumbá, cidade a 428 Km de Campo Grande. Ou seja, em 2016, a cidade, bem como a região pantaneira, que dependem da maternidade da Santa Casa de Corumbá, já enfrentavam problemas com a falta de leitos intensivos para recém-nascidos.
Ação foi impetrada pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul em março de 2015 e a sentença saiu 11 meses depois, em fevereiro do ano seguinte. O MP relatava à época que, entre 2008 e os primeiros cinco meses de 2014, “a maioria dos atendimentos neonatais da região, ou seja, 1.013, concentraram-se no próprio município, sendo outros 46 encaminhados para Campo Grande e um para Dourados”.
No mesmo período, 94,4% dos óbitos de recém-nascidos de 0 a 28 dias em Corumbá (135 ao todo) ocorreram no município, sendo “10 apenas de janeiro a maio de 2014”.
Na sentença, a juíza da Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos, Luiza Vieira Sá de Figueiredo, entendeu haver omissão do município de Corumbá na implementação das unidades e de outros cuidados assistenciais a gestações de alto risco, mesmo havendo verba para tal e ainda que o Estado de Mato Grosso do Sul não era parte ilegítima do pedido do MPMS, como defende-se.
Isso porque “no presente caso, a verba pública destinada aos projetos cerne dos autos deve ser repassada pelo Estado de Mato Grosso do Sul, o que corrobora a impossibilidade de que seja declarada sua ilegitimidade para figurar no polo passivo”.
Para a magistrada, “não há que falar que a ausência de instalação e implementação das medidas narradas nos autos se deram por motivos alheios a vontade da administração pública”, porque tanto o município tinha conhecimento de haver verba destinada às obras de UTI Neonatal, e assim deveria “ter fiscalizado e diligenciado a fim de que o hospital (Santa Casa de Corumbá) cumprisse os requisitos autorizadores”.
A sentença dava um ano para a implementação das unidades, mas tanto a Prefeitura de Corumbá quanto o Governo do Estado recorreram da decisão e em abril de 2017, acórdão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça determinou novamente a instalação da UTI Neonatal. Tanto que as apelações municipal e estadual foram rejeitadas, mantendo a decisão de primeiro grau.
Conforme o desembargador Marco André Nogueira Hanson, relator do caso na época, relembrou que o Estado se defendeu afirmando que a o município de Corumbá deveria cumprir a medida, e que os pedidos do MP estavam “atrelados à gestão municipal”. Disse também que “os recursos necessários para atender os pedidos estão reservados pela Rede Cegonha, cabendo apenas ao Município de Corumbá adequar-se aos requisitos previamente estabelecidos pelo Ministério da Saúde”.
Narrou ainda a Procuradoria Estadual que a sentença afrontava a independência do Poder Executivo, porque “o juiz não sinalizou a dotação orçamentária, a origem da verba pública para se realizar os investimentos determinados na sentença, além de ignorar outras prioridades administrativas, de complexa gestão orçamentária e financeira”. O município, por sua vez, não apresentou contrarrazões.
Com isso, o entendimento foi de que a sentença de primeiro grau não merecia “retoque”. “A toda evidência, diante de toda esta perspectiva e da gravidade da situação vivenciada naquela região, evidentemente que o pedido cominatório contido na inicial deve ser amparado, a fim de tornar efetiva a política pública que já subsiste, mas não restou implementada, a despeito de ter transcorrido quase 6 (seis) anos desde a instituição da Rede Cegonha até a presente data”.
O caso foi para as instâncias superiores, STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal). No primeiro, os recursos foram negados, e no segundo, o processo foi devolvido à origem porque o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul não se manifestou no tempo previsto. Desde então, 2 de julho de 2018, o procedimento está parado e sem andamento.
A reportagem entrou em contato com o Governo do Estado, por e-mail, nos dias 20 e 21 de março, mas até o momento não houve resposta sobre a situação.
Ministério Público - Procedimento Administrativo aberto para acompanhar as obras de reforma e ampliação do Centro Obstétrico da Maternidade de Corumbá, que tramita no MPMS, obteve resposta recente do município, em 19 de fevereiro, em que a prefeitura através da Procuradoria Geral, informou que os valores de convênio estadual “celebrado entre o Município de Corumbá e a Secretaria de Estado de Saúde, destinado por meio do contrato nº 060/2018/SMS a financiar a reforma e adequação do Centro Obstétrico da Maternidade, excedeu o prazo limite de cinco anos, ensejando no encerramento do contrato”.
Assim, “o mesmo já teve a prestação de contas enviada e o recurso restante foi devolvido ao cofre do Estado”. Mas, há processo administrativo de 2022 que visa “a atualização das planilhas orçamentárias e demais documentos técnicos, bem como a complementação dos projetos, tendo em vista a celebração de um convênio entre o Município e a Universidade Unicesumar para, dentre outras obrigações, realizar obras de reforma e adequação do Centro Obstétrico da Santa Casa de Corumbá”. O documento é assinado pela secretária de saúde de Corumbá, Beatriz Silva Assad.
Ou seja, apesar de sentenças determinando a implantação e existência de recursos, as UTIs não têm previsão de serem instaladas.
Protesto - Após mais casos de mortes de recém-nascidos e até de mães na maternidade da Santa Casa de Corumbá, houve manifestação quanto ao descaso na cidade. Em 17 de março, mães e pais que perderam seus bebês choraram e clamaram por melhor assistência, como o Campo Grande News mostrou aqui.
Um dos casos mais recentes de óbitos de recém-nascidos em Corumbá, a reportagem revelou aqui.
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