Quem procura MPF na fronteira, ganha bilhete com só 4 linhas sobre mudança
Em nota oficial, a versão mudou: saiu de cena o medo da violência e entrou a reclamação sobre estrutura do imóvel
Quem ainda bate ao portão do MPF (Ministério Público Federal) de Ponta Porã, que fechou as portas em dezembro de 2019 para não mais abrir, ganha um informativo de quatro linhas e que cita o número do telefone da unidade em Dourados, o novo endereço dos procuradores, a 120 km de distância.
A saída, autorizada em novembro por Conselho Superior do órgão, foi intempestiva. Na ocasião, foi alegada a insegurança de atuar a 350 metros da fronteira com o Paraguai, área de atuação de facção criminosa. Na última terça-feira (dia 21), em nota oficial, a versão mudou. Saiu de cena o medo da violência e entrou a reclamação sobre falta de infraestrutura do imóvel.
Na Rua Antônio João, 1371, Centro, mas com perfil mais residencial, o imóvel do MPF já não tem mais placa nem horário de atendimento. O chamado da campainha é atendido por segurança. Aos que pedem informações sobre o órgão, que até 20 de dezembro era sediado ali e não reabriu em 7 de janeiro, fim do recesso, é entregue o curto texto.
Em quatro linhas, o cidadão é informado que a sede passou a funcionar temporariamente em Dourados e que, agora, fica localizada na Rua José Correia de Almeida, 220, Jardim Climax. O telefone é o (67) 3411-1700.
O imóvel onde funcionava o MPF tem muro alto, cerca elétrica, câmeras e segurança privada. Ao lado, as casas também são grandes e com cerca elétrica. Uma vizinha conta que o local é tranquilo e que a ex-sede do MPF antes era uma casa de família. Segundo ela, talvez por isso a estrutura não fosse adequada à procuradoria.
Conselheiro federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o advogado Luiz Renê Gonçalves do Amaral, que atua em Ponta Porã, diz que os rumores da partida surgiram em agosto. A OAB fez contato com a direção do MPF, em Campo Grande.
“Nos colocaram a par que havia necessidade de contingenciamento de recursos e fechariam uma unidade. A ideia inicial era o fechamento da unidade em Naviraí. Mas logo houve o pedido dos procuradores de Ponta Porã, alegando questão de segurança e deram prioridade a esse pedido”, conta o advogado.
Com a autorização para desativar a unidade em Ponta Porã e transferi-la para Dourados, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais) tentou manter a unidade na fronteira por meio de pedido ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Mas em dezembro, o conselho manteve a decisão, considerando o risco “inerente à atividade do agente ministerial, supera os limites do que é minimamente tolerável”.
Agora, a OAB quer que uma equipe do CNMP venha a Ponta Porã para conhecer o imóvel. “Desativaram uma unidade numa fronteira, que talvez seja a mais crítica do ponto de vista da segurança pública. Pedimos uma inspeção in loco para verificar se há esse risco excepcional e esse déficit de estrutura. Essa construção é melhor do que muitas sedes do MPF no Brasil afora. Relataram caso de violência em 2014, há seis anos”, diz.
Segundo o conselheiro da OAB, a realidade do MPF em Ponta Porã era melhor, por exemplo, do que a delegacia da PF (Polícia Federal), a 30 metros da fronteira. Para a transferência, a procuradoria destacou que o custo de adaptar o prédio de Dourados era calculado em R$ 60 mil; enquanto a manutenção básica da unidade de Ponta Porã exigia R$ 451.399.
A dúvida é se os procuradores vão ter que se deslocarem para Ponta Porã para as audiências de custódia. “Se for ter deslocamento, a desativação é ainda mais sem sentido. Vamos estar criando uma conta corrente. Isso vai gerar diária, despesas”, afirma Luiz Renê.
Na terça-feira, o MPF divulgou comunicado explicando a mudança. O texto não traz nenhuma menção à violência.
“Nos dois últimos anos, a chefia administrativa do MPF em Mato Grosso do Sul envidou esforços para que fosse autorizada pela Secretaria-Geral do órgão a mudança da sede da PRM de Ponta Porã para um imóvel mais adequado. No entanto, não foi possível viabilizar a mudança para um prédio no próprio município por razões financeiras/orçamentárias, levando a instituição a considerar o prédio que já abrigava a PRM de Dourados, que dispõe de espaço e condições técnicas satisfatórios”, diz a nota.
Ainda de acordo com o MPF, o atendimento prossegue por meio de recursos tecnológicos (peticionamento e protocolo eletrônico, virtualização de processos, assinatura digital), realização de audiências por videoconferência e realização de deslocamentos eventuais dos procuradores a Ponta Porã.
Já o CNMP, que manteve a desativação, destacou episódios de violência: execução em frente ao prédio do MPF, que foi atingido por disparos (outubro de 2013); o sequestro de uma adolescente quando chegava ao local para dar depoimento sobre organização paramilitar no Paraguai (2015);
Além da execução do irmão do narcotraficante Jarvis Pavão, ocorrido a duas quadras do MPF (março de 2017); a execução de um homem em frente à casa de servidor (novembro de 2018); e em março de 2019, procuradores encontraram, no restaurante que sempre frequentam, pistoleiro do traficante Minotauro e suspeito de matar um policial civil, executado com 20 tiros de fuzil.
A reportagem foi ao prédio da Justiça Federal, que fica na Rua Baltazar Saldanha, a 1,5 quilômetro da Linha Internacional, entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. O imóvel tem muro alto, cerca elétrica, câmeras, vigilantes, portas com detector de metais e segue de portas abertas.