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Cidades

MPF quer unidade específica da PF para cuidar de conflito agrário

Nadyenka Castro | 04/06/2013 16:19
De acordo com MPF, índios feridos por balas de borracha. (Foto: Divulgação)
De acordo com MPF, índios feridos por balas de borracha. (Foto: Divulgação)

O MPF (Ministério Público Federal) quer que seja criada uma unidade específica de PF (Polícia Federal) para cuidar de conflitos agrários. O objetivo é evitar que cumprimento de reintegração de posse termine em tiros, feridos e mortos, como aconteceu no último dia 30, na fazenda Buriti, em Sidrolândia, a 71 quilômetros de Campo Grande.

Em pronunciamento oficial sobre o conflito ocorrido há cinco dias entre índios e policiais militares e federais, o MPF diz que abriu procedimento preparatório para apurar o caso, que o governo federal é omisso na problemática indígenas X fazendeiros, que é preciso grupo exclusivo para atuar na questão, que uma das soluções seria a “reparação do dano causado aos fazendeiros” e que a União não responde às sugestões.

Fazenda Buriti – Sobre a situação específica do conflito entre policiais e comunidade terena, o MPF lembra que não houve comunicação prévia dos órgãos de assistência aos índios sobre a retirada dos indígenas, em cumprimento à decisão judicial dada no dia anterior. Apesar da não obrigatoriedade do aviso, a presença deles na chegada dos policiais na fazenda Buriti poderia resultar em outro final.

“Poderia proporcionar uma melhor condução da negociação, atendendo à recomendação feita pelo juiz de preservar a integridade dos envolvidos. Não se pretende e nem se cogita em ignorar a ordem judicial – um dos pilares do estado democrático de direito é exatamente o cumprimento às determinações emanadas do Poder Judiciário - mas é preciso repensar sua execução, de modo a preservar princípios basilares da Constituição Federal, em especial a dignidade da pessoa humana", ressalta o procurador da República Emerson Kalif.

O conflito na fazenda, invadida no dia 15 de maio, deixou oito policiais e vários índios feridos. Um deles, Oziel Gabriel, 35 anos, morreu. Na propriedade rural foram encontradas pelos índios munições de calibres ponto 40, ponto 45 e 9mm. Todas de uso exclusivo da Polícia. O material foi entregue ao MPF para análise.

Para apurar se houve excessos na ação policial, o MPF abriu investigação, que ainda está na fase chamada de procedimento preparatório. Conforme o MPF, “dezenas de índios estão feridos – a maioria por balas de borracha – e devem passar por exames de corpo de delito”. Nos próximos dias, o MPF deve colher depoimentos dos índios e de testemunhas da reocupação para subsidiar investigação criminal.

O órgão federal lembra ainda que a intenção é que seja “repensada e regulamentada a forma de cumprimento das ordens de reintegração de posse com a utilização de força policial, inclusive com o estabelecimento de fases obrigatórias antecedentes ao emprego de força, tudo devidamente registrado, bem como a existência de unidade específica no âmbito da Polícia Federal para situações desse tipo”.

No último sábado (1/06) foi realizada, também a pedido do MPF, nova análise do corpo de Oziel para identificar as causas da morte do indígena. Médicos legistas – um perito criminal federal e outro encaminhado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – fizeram necropsia e o laudo, quando liberado, será oportunamente divulgado.

Segundo o MPF, a Terra Indígena Buriti está localizada entre os municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, em Mato Grosso do Sul. A área revindicada pelos terena já passou pelos estudos antropológicos, sendo que o relatório de identificação da área foi aprovado em 2001 pela presidência da Funai. O Ministério da Justiça declarou em 2010 a terra Indígena Buriti como de posse permanente dos índios.

Dados da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), apontam que vivem na região 4500 índios de nove aldeias, em atuais dois mil hectares. A área reconhecida pela Justiça corresponde a 17.200 hectares, considerada por perícia judicial antropológica e histórico-arqueológica como terra de ocupação tradicional indígena.

História – De acordo com o MPF, com o final da Guerra do Paraguai (final do século XIX), houve a anexação de áreas que não integravam o território brasileiro. Para garantir a soberania do país na região, a União fomentou a vinda de colonos para o então estado de Mato Grosso, propagando a riqueza do solo e a certeza de um pedaço de terra aos colonizadores.

Essas terras, ocupadas por comunidades indígenas, foram tituladas em sua grande maioria pelo Estado de Mato Grosso e, em alguns casos, pela União a particulares, via de regra de modo oneroso, e os índios que moravam nessas áreas foram confinados em reservas indígenas, criadas no século XX, sem respeitar as diferenças étnicas e grupais.

As reservas constituem, atualmente, o único espaço de terra de que os índios dispõem para viver, cultivar, preservar os recursos garantidores de seu bem estar e de sua reprodução física e cultural.
Se, de um lado, os índios lutam pelo reconhecimento e retorno ao território tradicional de que foram expulsos, por outro, proprietários de terra que possuem títulos de boa-fé, outorgados pelo estado brasileiro, não querem perder o valor da “terra nua” ao terem suas áreas identificadas como tradicionais.

 

Projéteis encontrados na fazenda Buriti, após conflito. (Foto: Divulgação)
Projéteis encontrados na fazenda Buriti, após conflito. (Foto: Divulgação)

Solução – O MPF encaminhou, em 2010, ofício à Secretaria do Patrimônio da União em Mato Grosso do Sul reconhecendo as dificuldades administrativas e judiciais para a efetivação da demarcação de terras indígenas.

Para o MPF, a solução para o conflito seria a reparação do dano causado aos fazendeiros pela titulação errônea de terras indígenas. “Por mais que a sugestão possa vir a beneficiar os produtores rurais, objetiva tornar mais célere as demarcações de terras indígenas em Mato Grosso do Sul, permitindo o retorno dos índios às suas terras tradicionais e, em consequência, a manutenção de sua cultura, usos, costumes e tradições”, enfatiza o documento, ao mesmo tempo em que diferencia que a medida reparadora apontada não constitui violação ao § 6º, do artigo 231, mas sim a efetiva aplicação do § 6º, do artigo 37, ambos da Constituição Federal, por vislumbrar a prática de ato ilícito (civil) por agentes do estado.

Contudo, até agora, a União não se pronunciou sobre a proposta e insiste em desqualificar estudos demarcatórios, aumentando a insegurança no campo.

Para o procurador da República Emerson Kalif Siqueira, “falta vontade política para solucionar a questão indígena no estado. São muitas as propostas para minimizar a tensão fundiária, mas a postura da União - de apenas receber um lado do conflito e de ignorar que grande parte da situação decorre principalmente da titulação errônea de terras, a cargo da administração pública como um todo -, só tem agravado a situação, chegando ao ponto de batalhas judiciais perdurarem durante anos e de casos de violência se tornarem frequentes no estado”.

Algumas disputas judiciais entre os indígenas e os proprietários de terras já chegam aos 30 anos, sem solução à vista. Além da omissão do Estado, o trato da questão indígena pelo judiciário também demostra despreparo na condução dos conflitos.

“Não se trata a questão indígena como caso de polícia. Se forem necessárias horas ou dias de conversa e negociação, que se explique, enfatize, converse, negocie. O que não se pode é deixar que a inapetência da polícia – que não tem experiência em conflitos rurais - transforme populações tradicionais em alvo de violência”, destaca o procurador.

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