Duelo na fronteira, o regulamento dos brutos
No inicio do século passado, quando o povoamento da fronteira com o Paraguai foi se tornando mais intenso, surgiram os mascates, que se encarregavam de vender as mercadorias nas fazendas e nos vilarejos nascentes, sempre no sistema de trocas, pois não havia a circulação de dinheiro. As fortunas eram contabilizadas em gado. Surgiram, consequentemente, com essas fortunas, os assaltos às fazendas, às vilinhas e aos bolichos. O ataque era sempre em grupos. Quase sempre, de indígenas saídos do Paraguai, mas também, de gaúchos, fugitivos da justiça de seu Estado natal. Tal como hoje, com os famigerados PCC e assemelhados, o clima era de apreensão. Se havia bandidos, valentes apareciam para enfrentá-los. E esses homens, que mataram muitos bandidos, acabavam duelando entre si. Uma espécie de campeonato do mais valente da fronteira era frequente. Sismório, foi o mais valente por um tempo.
Sismório, o valentão.
Tempo houve, que era bastante um adquirir fama de valente, para logo outro surgir, desejoso de “quebrar a crista” do tal, e mostrar que era ele o “galo do terreiro”. Mas esses brutos atendiam a regulamento. Enviavam recados inamistosos e provocações atrevidas até que a “coisa”, o duelo, desse certo. O “encontro era marcado”. Sismório era proprietário de um bar em Pedro Juan Caballero. Um homem loiro, de boa estatura, bigode retorcido para cima, sempre de revólver na cintura, tinha como seu fiel escudeiro um “muchacho”, como o chamava, um rapaz ainda mais valente que o Sismório. A dupla teve um entrevero com a polícia paraguaia que terminou com todos os de farda mortos. Fugiram de volta para o Brasil e abriram um bolicho. Não demorou para brigar com o capitão Frutuozinho, um dos mais valentes dessa época. Agilíssimo e certeiro no revólver, Sismório matou o capitão. Em seguida, matou mais cinco homens ligados ao tenente Loureiro Paraguai. Tiro de Sismório, era sempre tiro certo.
João Ratier duela com Sismório.
De outra feita, Sismório “marcou um encontro” com João Ratier. Ninguém sabe o motivo. Mas não havia necessidade de motivo. Ratier foi para a estrada brigar com Sismório, como estava combinado. Não queria aparecer como um covarde frente à vizinhança. Ratier alcançou, por acaso, um amigo chamado Bebiano, que nada tinha a ver com a briga. E avisou o rapaz para sair da estrada onde duelaria. Mas não houve tempo, Sismório apareceu naquele momento. “Apronte-se gaúcho”, gritou Ratier para Sismório. Sismório deu o primeiro tiro e arrancou o maxilar inferior do Bebiano. Correu muito sangue. E virou bagunça. Depois de vários tiros errados, já sem munições, Ratier e Sismório partiram para uma luta corpo a corpo. Ratier derrubou Sismório e montou em sua barriga, dominando-o. O vencido viu que o vencedor estava sacando a faca para degolá-lo e suplicou: “vamos conversar como gaúchos macanudos… eu reconheço que você é mais de briga do que eu”. Está bem, não vou matá-lo… que te sirva de lição”, disse Ratier. Sismório, vencido e humilhado, aproximou-se de seu cavalo, retirando da garupa uma carabina 38 e gritou: “Prepara-te”. E atirou na coxa do Ratier. “Você não foi mais homem do que eu, apenas teve mais muque… não te mato… mas vamos nos igualar… vou procurar recurso para nos salvar”. Foi uma “deslealdade cavalheiresca”. Sismório rasgou o regulamento dos brutos, mas o colou novamente.
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