O feminismo "raiz" veio com a máquina de lavar
O feminismo tem muitas faces. Desde as lutas iniciais por melhores condições de trabalho e direito ao voto até chegar à sua ideologização à esquerda, quando passou a estar vinculado, no Brasil, ao PT e a seus satélites. Há momentos dramáticos nessa longa história e há épocas de vitórias pouco comentadas. Ainda que a história não registre, um de seus maiores marcos veio com a invenção da máquina de lavar roupa. Foi essa máquina - e tantos outros eletrodomésticos - que liberou a mulher da "escravidão do lar". Tirou as mulheres da obrigação dos cuidados de seus lares, liberou uma imensa força de trabalho que não, ainda, bem dimensionada. Esse fenômeno é possível de ser entendido pelo estudo das empregadas domésticas.
Empregadas domésticas em países ricos e nos pobres.
Uma proporção bem maior de pessoas nos países pobres do que nos ricos têm empregadas domésticas. Uma professora primária ou um jovem gerente que trabalhe em uma pequena empresa em um país rico jamais sonharia em ter uma empregada doméstica, mas os seus equivalentes nos países pobres provavelmente têm uma ou até mesmo duas empregadas. É difícil obter os números, mas de acordo com os dados da OIT, calcula-se que de 7% a 8% das pessoas que fazem parte da força de trabalho no Brasil e 9% das do Egito trabalhem como empregados domésticos. Os percentuais correspondentes são 0,7% na Alemanha, 0,6% nos Estados Unidos, 0,3% na Inglaterra, 0,05% na Noruega e 0,005% na Suécia. Portanto, de uma maneira proporcional, o Brasil têm de 12 a 13 vezes mais empregadas domésticas do que nos Estados Unidos.
A força dos salários determinou a primeira onda de mudanças.
É interessante verificar que no final do século XIX esses números eram iguais em todos os países do mundo. Nos Estados Unidos, cerca de 8% das pessoas "lucrativamente empregadas", como se dizia em 1870, eram empregados domésticos. O coeficiente também se situava em 8% na Alemanha até 1890, embora tenha começado a cair rapidamente depois dessa época. Na Inglaterra, a cultura do "criado" sobreviveu mais tempo que nos demais países ricos. Os estudiosos do assunto entendem que foi a força dos fazendeiros ingleses que impôs essa continuidade - de 10% a 14% da força de trabalho empregada como criado - até o advento da Primeira Guerra Mundial.
A primeira onda que exterminou com os empregos domésticos veio com a elevação do preço mais elevado desse trabalho. Com o desenvolvimento econômico, a força de trabalho ficou mais cara, bem mais cara, duplicou na maioria dos países, chegando a quintuplicar o valor despendido pelos patrões a seus empregados domésticos. Como resultado, nos países ricos, o serviço doméstico se tornou um artigo de luxo acessível apenas para os ricos. Nos países pobres esse fenômeno não ocorreu e continua suficientemente barato para ser consumido até mesmo por pessoas da baixa classe média.
Entra em cena a máquina de lavar roupa.
No entanto, independentemente dos movimentos nos preços da força de trabalho dos empregados domésticos, a mudança não teria sido tão drástica nos países ricos se não tivessem sido inventados os eletrodomésticos, que represento pela máquina de lavar. Por mais dispendioso que possa ser contratar pessoas para lavar roupas, limpar a casa, cozinhar e lavar a louça, elas ainda teriam que ser contratadas, se esses trabalhos não pudessem ser feitos por máquinas. Ou então as mulheres continuariam passando a maior parte de seu tempo executando essas tarefas.
As máquinas de lavar economizaram um tempo enorme. Uma pesquisa realizada pela US Rural Electrification Authority relata que, com a introdução da máquina de lavar roupa elétrica e do ferro elétrico, o tempo necessário para lavar 17 quilos de roupa suja foi reduzido por um fator de quase 6 (de 4 horas para 41 minutos). O tempo necessário para passar essa mesma roupa foi reduzido por um fator de mais de 2,5 (de 4,5 horas para 1,75 hora). Outra fator responsável pela liberdade das mulheres foi a água encanada (ainda está por ser conquistada em muitas regiões brasileiras). A água encanada significou que as mulheres não têm mais de passar horas buscando água para seus lares, tarefa na qual até duas horas por dia eram gastas. O fogão a gás reduziu enormemente o tempo gasto para catar lenhar, acender o fogo, manter o fogo aceso e depois fazer a limpeza para fins de cozimento.
Os eletrodomésticos e as pílulas, forças colossais do feminismo.
O surgimento dos eletrodomésticos, bem como da eletricidade e da água encanada transformou completamente a maneira como as mulheres passaram a viver. Não a toa, alguns estudiosos colocam esse momento como a maior e decisiva vitória do feminismo, da libertação das mulheres. Nos EUA, a proporção das mulheres brancas, casadas, no auge da idade produtiva que trabalhavam fora de casa era quase zero por cento no final da década de 1890. Aumentou para quase 80% nos dias de hoje. A maior participação no mercado de trabalho decididamente elevou o status da mulher, tanto em casa como na sociedade. Também reduziu a preferência pelos filhos homens e aumentando o investimento na instrução das mulheres, o que fez aumentar a participação feminina em melhores posições (ainda não nas posições do pico da pirâmide) no mercado de trabalho. Essa movimentação também permitiu às famílias planejarem um número menor de filhos. E isso levou às pílulas anticoncepcionais. Elas produziram um poderoso impacto na educação e na participação das mulheres no mercado de trabalho, possibilitando que elas controlassem a época e a frequência de seus partos.