Quando o crucifixo virou símbolo do cristianismo
Estamos tão afeitos à ideia de que o crucifixo é o símbolo supremo do cristianismo que nos surpreende saber que a arte cristã levou muito tempo para reconhecê-lo como tal. Raramente o crucifixo aparece nos primórdios do cristianismo. Os mais comuns eram o "Khi Rho", o monograma de Cristo, formado por duas letras sobrepostas do alfabeto grego: o "X" e o "P". São as duas letras da palavra grega "Christós", ou seja, "Cristo" o "Ungido". O segundo é o peixe. Esse era um símbolo secreto. Como os cristãos eram muito perseguidos, quando supunham estar diante de outro cristão, desenhavam uma curva ou meia-lua no chão. Se a outra pessoa desenhasse outra meia-lua sobreposta à primeira, completando a figura de um peixe, seria um cristão.
O primeiro crucifixo conhecido encontra-se na porta da igreja de Santa Sabina, em Roma, escondido em um canto, quase fora do alcance visual. A verdade é que a igreja precisava de conversões e, sob esse aspecto, a crucificação não era um assunto encorajador. Portanto, em sua fase inicial, a arte cristã trata de milagres, de curas e dos aspectos mais esperançosos da fé, como a Ressurreição. Foi o século X que transformou a crucificação em um símbolo emocionante da fé cristã. A imagem que serviu de modelo para o crucifixo foi a feita para o Arcebispo Gero, de Colônia, na Alemanha, arte de um desconhecido. Os braços estão estendidos, a cabeça pendente e emociona a dolorosa contração do corpo.
O novo poder emerge.
No fim do seculo X havia um novo poder na Europa, maior que o de qualquer rei ou imperador: a igreja. Se se perguntasse a um homem comum daquele tempo a que país pertencia, não compreenderia a pergunta, saberia apenas dizer qual o seu bispado. A Igreja, na época, não era apenas organizadora, era humanizadora.
Nesse século terminava o domínio dos "bárbaros" escandinavos e a Itália, França e Espanha estavam preparadas para a sua primeira grande época de civilização. Que só seria completada dois séculos depois como surgimento de São Francisco de Assis, o homem mais importante para o cristianismo desde Cristo. É esse poder que permite à igreja elevar o simbolismo do crucifixo, quase eliminando os tradicionais Khri Rho e o peixe.
Se Cristo têm o crucifixo, S.Francisco têm o presépio.
Foi imanado pelo espírito de uma nova era que em 1223, São Francisco de Assis relembrou a cena do nascimento de Jesus Cristo, criando o primeiro presépio vivo na cidade italiana de Greccio. A palavra presépio significa "manjedoura de animais". Era cheio de feno. Colocaram um boi e um burro. Acima da manjedoura foi improvisado um altar e nesse cenário ocorreu a missa da meia-noite. São Francisco com as vestes de diácono, nunca virou padre, cantou o Evangelho com o povo simples e pronunciou um sermão sobre o nascimento de Cristo.
Mas no final da curta vida de São Francisco (1226), surgia um mundo novo que, por melhor ou pior que fosse, deu origem ao nosso: o mundo do comércio e dos bancos, das cidades cheias de homens práticos, cujo objetivo era enriquecer.
Cidades, cidadãos, civis, vida cívica. Tudo isso apoiava o que chamamos de civilização. Os historiadores do século XIX afirmavam que a civilização começou com as repúblicas italianas dessa época. As condições bancárias e comerciais da Florença desse período eram surpreendentemente semelhantes às que ainda hoje vigoram em qualquer rua cheia de bancos de nossas cidades. O crucifixo e o presépio dão lugar a um novo símbolo: o dinheiro.