Quando tatus e tucanos eram monstros
Um Brasil sem mangueiras
Difícil de acreditar, especialmente quando as mangueiras estão abarrotadas de frutos. Todavia, existiu um Brasil que não conhecia as mangas. E ainda mais estranho, um Brasil onde tatus e tucanos eram vistos como monstros.
No início, o Brasil era uma insignificante rota dentre as muitas importantes rotas que ligavam o Oriente e as Américas incaicas e astecas à Europa. Por essas rotas não só foram transportadas pessoas, mas também plantas e animais. Portugueses e espanhóis criaram uma globalização botânica e zoológica. Provocaram profundas e permanentes transformações na alimentação, agricultura, pecuária e economia de diferentes partes do globo. Espécies asiáticas, europeias e africanas foram trazidas para o Brasil, e daqui seguiram mudas para todas as partes do mundo.
Um Brasil sem coqueiros.
As paisagens da praias brasileiras não incluíam os coqueirais que hoje são sua principal característica. Os coqueiros, uma planta asiática, foram trazidos pelas naus portuguesas. Também não havia mangueiras nem jaqueiras, plantas indianas que só chegariam no século XVIII. A banana, fruta nativa do sudoeste asiático, foi uma das primeiras a serem plantadas no Brasil, provavelmente vinda da ilha de São Tomé, na África. O inhame veio também do continente africano.
Mandioca para eles. Gengibre e cana para nós.
Em troca, o Brasil enviou para a África a mandioca, o amendoim, a pimenta e a batata-doce. Para Goa, na Índia, viajaram o mamão e o caju, que lá se deram muito bem e se espalharam pelo Oriente.
Até uma especiaria acabou se dando bem aqui. Proibidas de ser plantavas pela coroa portuguesa, o gengibre veio da Ásia e se multiplicou. Muito mais importante foi a cana-de açúcar. Nativa da Ásia e aclimatada nas ilhas atlânticas, a cana chegou já no início do século XVI. Foi ela que impulsionou uma das maiores movimentações de povos da história com o transporte em larga escala de africanos.
E chegaram as laranjeiras e limoeiros.
De Portugal, vieram laranjeiras e limoeiros além de várias outras frutas. Vieram melões, figos e marmelos. Também vieram alfaces, couves, salsinha, coentro e muitos outros legumes e verduras, que se adaptaram extremamente bem em nossa terra.
As primeiras vacas chegam amarradas nos navios.
Os portugueses também trouxeram vacas, porcos, cabras, carneiros e galinhas. Da América espanhola, veio o que era chamado de "galo do Peru" e da África as chamadas "galinhas de Angola".
Com o nativo "tajaçu", a conhecida "queixada", passou a conviver o porco europeu. Com as aves brasileiras como o macuco, convivia a galinha.
As primeiras misturas culinárias.
Tínhamos compotas de abacaxi, de mangaba e de marmelo. Ao tradicional beiju indígena juntou-se o açúcar. Os peixes passaram a ser comidos sem o espinafre português, mas com as folhas de taioba. Na falta de azeite de oliva, temperavam-se pratos com óleo de peixes, especialmente de peixe-boi. Na ausência da farinha de trigo, faziam bolos com a finíssima carimã - farinha fina de mandioca. Quando não tinham vinho de uva, apreciavam os vinhos de mandioca, milho e de vários frutos. Para confeitar frutas, usavam uma massa feita à base de leite de cajueiro.
O paladar europeu se ampliou ao ser apresentado às iguarias indígenas como a tanajura frita, as rãs, os cágados, as cobras e o bicho-de-taquara. Todavia, os índios levaram muito tempo para assimilar as plantas e animais introduzidos pelos portugueses: criavam galinhas para vendê-las, mas não as comiam. Pelo contrário, alimentar-se de ovos de galinhas apavoravam os indígenas. Como os portugueses podiam comer quatro ou cinco "galinhas" em uma só refeição?
Mas também havia a monstruosidade indígena. Os portugueses viam os tatus e os tucanos como monstros. Animais inexplicáveis que levaram muito tempo para ir para a mesa dos europeus.
Adiós à abundância e diversidade.
Mas o que mais sobressai nos depoimentos que chegaram até nós é a impressionante rapidez de disseminação de plantas e animais trazidos de fora e a facilidade com que índios, colonos e viajantes caçavam, pescavam, criavam, plantavam e colhiam os mais variados gêneros de plantas e animais. A imagem de um país exuberante, farto, generoso, diverso, em que gêneros vindos dos quatro continentes começaram a misturar-se sem cercas nem porteiras. Mas essa abundância e diversidade desapareceu. Foi tomada pela plantação da cana. Ficou a imagem, o sonho, um ideário que existia há mais de 500 anos.