Ser pobre no país mais rico da Terra
Levava um par de dias visitando N.York. Estando hospedado em um hotel próximo ao Harlem, passar por esse famoso e histórico bairro de negros, era obrigatório. A surpresa veio ao constatar que nesse bairro já não vivem negros. Latinos, especialmente do Panamá, tomaram conta de quase todas as casas. Os negros viraram fumaça. Sumiram. Ninguém sabia explicar o fenômeno.
Estados Unidos é um país de fronteiras internas. Mais do que em qualquer lugar do mundo, a pobreza é uma expressão geográfica. É algo que separa a classe média dos pobres. No Harlem só vivem pobres. Na outra ponta do Central Park, em Chelsea, só vivem ricos e a classe média. Só há o "sonho americano": casas bem cuidadas, dois carros na garagem, cafés acolhedores, lojas bonitas, ruas agradáveis. Basta cruzar o parque para encontrar edifícios degradados, jardins mal cuidados, locais vazios, lojas desalinhadas, vidros quebrados e medo. Sim, o medo toma conta dos bairros pobres. Quem vive em Chelsea nunca ouviu o barulho de um tiro. Do outro lado, os tiroteios são frequentes. Por todo o país há centenas de cidades e regiões repetindo esse mesmo padrão.
As diferenças estão nas cidades.
Essas diferenças estão presentes entre as cidades. Tomemos um de muitos exemplos. No oeste, há um município de nome singular: New Canaan. Lá, a renda familiar média é seis vezes superior á de Bridgeport que dista apenas vinte quilômetros de distância. Na primeira, os pobres perfazem tão somente 2% de residentes. Em Bridgeport eles são nada menos de 40%. Em todo o país vemos esse mesmo padrão desde a Califórnia ao Maine, desde a Flrorida - adorada pelos brasileiros - a Washington. A extraordinária segregação nos EUA é uma história antiga, que vem piorando com os anos.
A segregação começou com o programa para aquisição de moradias.
Tudo começou durante os anos trinta. A administração Roosevelt tentava combater a Grande Depressão e seus efeitos no mercado imobiliário. Até então, as hipotecas só eram concedidas para - pobres e classe média - que pagassem a metade do valor da casa e teriam de pagá-las em cinco anos. Era muito difícil, mas não segregava ninguém.
A mudança veio facilitar da aquisição da moradia. Tinham de dispor de 5% do valor da moradia e pagar a hipoteca em trinta anos. Escondido nos manuais e normas, todavia, tinha uma "pegadinha". Na hora do banco avaliar a possibilidade do empréstimo, o governo criou quatro categorias que iam do tipo "A" até o tipo "D". Os bairros "A" eram de brancos. Os "D" eram formados por negros e latinos. Para os bairros "D" os bancos não emprestavam dinheiro.
Essa prática, conhecida como "redlining", teve um efeito dramático e duradouro na estrutura social e racial dos EUA. As classes "D" continuariam vivendo em bairros com casas degradas e sem dinheiro para melhorias ou mudanças. Os bairros e cidades "D" estão se esvaziando, virando locais fantasmas.
Ser pobre nos EUA.
É viver, cada vez mais, isolado. É viver onde os serviços são escassos. Especialmente os educacionais e de saúde - pagos com impostos sobre a moradia. Locais onde a vida é precária e instável. É crescer é viver em um lugar onde não se pode confiar em ninguém. Onde os pais são ausentes. Os crimes estão em quase todas as ruas e as instituições parecem não poder te ajudar.
É claro que ninguém deseja admitir, mas estudos recentes vem demonstrando que a melhor maneira de uma criança pobre tirar boas notas é estudar em colégios onde conviverão com a classe média. A melhor maneira de um jovem encontrar trabalho é residir em um bairro de classe média e não onde estão os "D". A segregação nos EUA, hoje, é social, mesclada com racial. Talvez por desconhecimento, talvez por aventura, talvez por uma fluida esperança ...milhares de brasileiros continuam tentando viver em um bairro "D" dos EUA.