A dificuldade da sociedade em lidar com frustrações
O recente caso da brasileira que se recusou a ceder seu lugar na janela do avião para uma criança que estava chorando trouxe à tona um debate acalorado sobre direitos individuais, empatia e a capacidade da sociedade brasileira de lidar com frustrações, tendo em vista a ampla repercussão do episódio nas redes sociais, isso revela muito mais do que um simples desentendimento em um voo: ela expõe uma cultura marcada pela dificuldade em aceitar limites e lidar com contrariedades.
De um lado, o comportamento da mulher reflete a defesa de seus direitos individuais, pois, afinal, ela pagou pelo assento escolhido e, portanto, tinha o direito de utilizá-lo. Por outro lado, a negativa, em um contexto onde a criança estava emocionalmente abalada, foi interpretada por muitos como falta de empatia e sensibilidade. A polarização das opiniões gerou um ciclo de ataques e julgamentos, evidenciando um problema mais amplo: a intolerância ao conflito e à frustração.
A sociedade brasileira, em geral, apresenta uma baixa resiliência diante de situações que contrariam as expectativas. Isso é visível tanto no comportamento infantil quanto na vida adulta, onde demandas imediatistas e a busca por soluções fáceis predominam. Nesse sentido, o caso do avião funciona como uma metáfora, a criança chora porque não consegue lidar com a frustração de não ter o que deseja, enquanto os adultos reagem de forma igualmente imatura, muitas vezes sem buscar uma solução equilibrada, deixando a própria frustração tomar conta.
A 'viralização' do episódio é outro reflexo desse cenário, nas redes sociais, o debate frequentemente degenera em ofensas e simplificações extremas, deixando de lado uma análise mais profunda. Essa tendência aponta para uma cultura que, em vez de promover a reflexão sobre empatia, convivência e limites, reforça o individualismo e a incapacidade de compreender o outro.
A resolução de conflitos como o ocorrido no avião exige maturidade emocional de ambas as partes, como, para a criança, o aprendizado de que nem sempre é possível satisfazer desejos imediatos é essencial para o desenvolvimento de habilidades sociais, quanto, para os adultos, é crucial encontrar um equilíbrio entre a defesa de seus direitos e a demonstração de empatia pelo próximo. Esse equilíbrio, no entanto, só pode ser alcançado em uma sociedade que valorize o diálogo e a tolerância, características ainda frágeis no Brasil. O episódio ilustra mais do que um desacordo isolado, ele evidencia a necessidade de uma reflexão coletiva sobre como lidamos com frustrações e como ensinamos as próximas gerações a enfrentar contratempos. A construção de uma sociedade mais resiliente começa com o reconhecimento de que nem sempre teremos o que queremos, mas que podemos aprender a conviver com isso de forma construtiva e respeitosa.
(*) Lia Rodrigues Alcaraz é psicóloga formada pela UCDB (2011), especialista em orientação analítica (2015) e neuropsicóloga em formação (2024). Trabalha como psicóloga clínica na Cassems e em consultório.
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