Terra dos bilhões, cidade muda para conquistar vice-liderança no Estado
População se beneficia do boom de grandes negócios da cidade que cresce em ritmo alucinante na divisa com São Paulo
Em Três Lagoas, tudo é mudança: do nome à localização geográfica. O slogan Cidade das Águas foi trocado por Capital da Celulose; a posição no Estado não é mais Bolsão, mas Costa Leste. À espera de um novo ciclo de prosperidade, impulsionado pela futura ampliação de indústrias de celulose - que vai garantir aporte de novos bilhões - o município de 109.684 habitantes mira o segundo lugar no ranking das cidades com maior destaque em Mato Grosso do Sul. Em 2012, desbancou Corumbá e entrou na tríade dos municípios mais importantes, formada por Campo Grande e Dourados.
De sol a sol, o ritmo é de trabalho, nas obras, no ir e vir constante dos ônibus de trabalhadores, no fluxo dos caminhões, nos trens. No ritmo da cidade, Edson Ferreira Neto, de 35 anos, arriscou alto para mudar. O que antes foi chamado de loucura, agora enche de orgulho o pai de família que resolveu apostar no estudo e abrir mão de parte da renda em nome do sonho da vida melhor.
“Ganhava R$ 1.300 e alguma coisa. Agora, já são quase quatro salários”, conta Edson, que há um ano e cinco meses trabalha na Eldorado Celulose, gigante do setor. O caminho foi árduo. Primeiro, teve que conciliar o trabalho com as aulas do curso “Minha primeira profissão”, oferecido pelo Senai. Foi um ano e meio de estudo para conquistar o certificado de técnico em mecânica industrial. “Tive que sair do emprego, que era das 6h às 18h, e abrir mão de R$ 1.900. Arrumei outro emprego, ganhando menos, mas das 6h às 13h30, para dar conta do curso. Ouvi até que era louco”, recorda.
Com 30 anos, ele voltou para o Ensino Médio. Hoje, cursa inglês e faz planos para a faculdade de engenharia mecânica. “Antes, as famílias não incentivavam a estudar, não tinha essa cultura. Era só trabalhar para ajudar dentro de casa”, conta Edson, que conheceu uma Três Lagoas com escassa opções de emprego. “Era mercado, fazenda ou cerâmica”.
Noivos, os jovens Ana Thereza Gomes Fontibasso e Gustavo Cordeiro Sousa Guimarães também apostaram em Três Lagoas. O casal se mudou para a cidade e há oito meses comandam o Hotel Sul. Eles investiram num dos setores mais deficitários. No pico da construção das fábricas, muitos hotéis foram locados de “porta fechada” para os operários.
“O hotel é do meu pai e do sócio dele. Ele tem outro em Paranaíba. Mas essa filial é maior do que a matriz”, afirma Ana Thereza. Com 60 apartamentos, o foco é o express. Ou seja, acomodações de qualidade para quem vai passar o dia fora e precisa de um quarto para descanso. Como os representantes de empresas. “Por exemplo, em Paranaíba é diferente. Tem área de lazer, academia, piscina, sala de jogos. Meu pai tem loja aqui e ouvia muita reclamação da falta de hospedagem”, diz Ana Thereza.
Florinda Feijó Guassi chegou a Três Lagoas em 2007, junto com o primeiro ciclo de prosperidade, e há quatro meses é proprietária de uma franquia da rede Bob’s. A mudança de Piracicaba, no interior de São Paulo, foi para acompanhar o marido, engenheiro civil. Com o crescimento da cidade, tratou de investir. “Comecei a pesquisar, pensei em loja de calçados, roupas. Mas o pessoal reclamava muito que faltava uma rede de fast food”, conta.
Uma equipe do Bob’s visitou Três Lagoas, avaliou a cidade e deu o aval para a nova filial. A lanchonete emprega 30 pessoas. Segundo a empresária, em cinco anos, as mudanças em Três Lagoas foram de impressionar. “Tinham dois hotéis, agora são vários. Tem mais opções de lojas, não precisa mais ir para Araçatuba (SP) ou Campo Grande”, relata.
Cidade industrial – Com três polos, que abrigam 65 indústrias, a administração municipal busca diversificar o segmento, para não ficar refém dos humores do mercado da celulose. “Tem indústria de grãos, química, cerâmicas, freezers, calcados, têxtil”, afirma o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Luciano Dutra.
A gigante da vez é a fábrica de fertilizante da Petrobras, em fase de construção. A indústria, só chamada na cidade pela sigla UFN III(Unidade de Fertilizantes Nitrogenados), deve ser inaugurada em 2014, com expectativa de trazer novos empreendimentos, como do setor de cosméticos.
Em média, por semana, três empresários procuram a Prefeitura com proposta de investimentos.O último anuncio é de uma unidade para produção de creme e enxaguante bucal. A fábrica da Caaetê/Claro, de Penápolis (SP), vai investir R$ 45 milhões e gerar 300 empregos.
Para investir na cidade, a empresa apresenta uma carta-consulta, que passa por análise da Prefeitura e Câmara Municipal. Representantes do Executivo e Legislativo vão até a sede das empresas e, depois, caso aprovado, formalizam os incentivos fiscais: isenção de ISS (Imposto sobre Serviços) na construção, cinco anos de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e doação de terreno.
De acordo com o secretário, as isenções são compensadas com geração de emprego e renda. “São 13 mil trabalhadores nas indústrias de Três Lagoas”, afirma. Conforme dados da Prefeitura, entre 2000 e 2010, foram R$ 12 bilhões em investimentos. Mesma cifra a ser alcançada entre 2010 e 2014.
A renda média praticamente triplicou. Em 2005, era R$ 650. No ano passado, chegou a R$ 1.850. Já o PIB per capita, passou de R$ 750 em 2005 para R$ 2.774 em 2012. No ano passado, as exportações, capitaneadas pela celulose, totalizaram 645 milhões de dólares. De janeiro a agosto, o volume já é de 747 milhões de dólares.
Força para os pequenos – Na terra das “gigantes”, os pequenos empreendimentos recebem assessoria e treinamento do Sebrae para não perder bons negócios. “É preciso qualificação e capacitação para atender as demandas”, afirma a analista técnica e gestora de projetos do Sebrae, Ana Flávia Arraes.
Com a economia aquecida, lucram mais os setores da construção civil, com fornecimento de mão de obra e materiais para construção, e de serviços, que conta com restaurantes, lojas, salão de beleza, pequenas confecções. Levando em conta a posição geográfica, os megaprojetos refletem em oportunidades para cidades vizinhas. No caso da fábrica de fertilizantes, é Brasilândia. Já Selvíria sente os reflexos da Eldorado.
Para não perder a vez na cadeia produtiva, os pequenos empresários são orientados da papelada à gestão. “Tem as exigências da legalidade, estar em dia com as responsabilidades fiscais. Para que elas fiquem competitivas e os serviços não sejam buscados fora do Estado”, salienta Ana Flávia.
Desta forma, empresas de família têm a gestão profissionalizada. Em Três Lagoas, são mais de dois mil empreendedores individuais. Os empreendimentos atraem gente de fora, como empresários do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro.
Reparar os danos – Criado em 2010, um fórum com representantes da sociedade buscam recursos das empresas para investimento em saúde, segurança e trânsito, áreas mais afetadas quando de uma hora para outra se recebe uma população de 13 mil trabalhadores.
Presidente do Codesus (Comitê de Desenvolvimento Sustentável), Milton Gomes da Silveira, explica que a negociação é para medidas mitigatórias. Ou seja, não são aquelas exigidas por lei, denominadas compensatórias, mas são auxílios para diminuir os impactos na cidade.
O comitê é formado por cinco lojas maçônicas, Rotary, Lyons, UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Sindicato Rural, Associação Comercial, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Sebrae.
As medidas incluem doações para o setor de segurança, para novas unidades de saúde. No caso da fábrica de fertilizantes, foram solicitados R$ 10 milhões. Do valor, R$ 8 milhões acabara, garantidos. “A Petrobras nos surpreendeu. Por se estatal, é muito preocupada com o social, sustentabilidade. Foram quatro, cinco reuniões”, conta.
Representante da OAB no conselho, Milton Silveira também é secretário municipal de Meio Ambiente. Ele explica que todas as indústrias só se instalam a partir de certificação do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). “A licença é concedida se cumprir várias condicionantes. Tem muita tecnologia moderna para evitar acidentes”, diz.
Sobre o impacto do eucalipto no solo, que chega a ser denominado de deserto verde, O secretário afirma que não há questão definida. “Nem os cientistas chegam num consenso”, afirma.