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Educação e Tecnologia

"Como encaixar peças de Lego", diz cientista sobre criar moléculas para remédios

Octávio Luiz Franco constrói moléculas em estudos com participação de pesquisadores do mundo todo

Por Danielly Escher | 05/01/2024 09:05
Professor doutor Octávio Luiz Franco fala sobre a vida de cientista (Foto: Marcos Maluf)
Professor doutor Octávio Luiz Franco fala sobre a vida de cientista (Foto: Marcos Maluf)

Viagens, palestras, troca de experiências com pessoas do mundo inteiro, uso de moléculas e de inteligência artificial para importantes descobertas. Tudo isso faz parte da receita ideal encontrada pelo professor doutor Octávio Luiz Franco para fazer da ciência algo mais fácil de ser entendido e com altas possibilidades de lucro. São mais de duas décadas como pesquisador. Ele está entre os 100 mil cientistas mais influentes do mundo, segundo ranking da Universidade americana de Stanford.

Em entrevista ao Campo Grande News, o cientista cita um exemplo simples para explicar a forma de trabalhar. "O que construímos em nível molecular tem o conceito do Lego. Uso uma molécula chamada peptídio, proteína pequena feita por aminoácidos. Tenho 20 possíveis aminoácidos e eu posso fazer combinações variadas com peças que precisam se encaixar", explica.

A especialidade do professor formado em biologia são pesquisas sobre controle de doenças infecciosas. Ele trabalha na construção de moléculas para destruir bactérias super resistentes.

Descobri que posso usar as mesmas peças para construir cosméticos, antivirais. A dificuldade está em como juntar as peças de maneira a fazer uma coisa ou outra", conta o cientista.

Uma das moléculas criadas pelo pesquisador para infecção bacteriana vem da serpente. "Dentro do veneno ela é super tóxica, mas usamos plataformas para tirar a toxidade e deixá-la seletiva para destruir uma bactéria. Então desconstruímos, tipo Lego e reconstruímos peças similares. Tudo pode ser veneno ou solução, depende de como usamos", analisa.

Tecnologia - Professor Octávio lembra que anos atrás desenhava tudo como um grande quebra-cabeça, agora cria algorítimos com ajuda da equipe de informática e usa a inteligência artificial para buscar em bancos de dados do mundo inteiro pessoas que tentaram construir a mesma coisa que ele. "Pego minha ideia, junto com as deles e recebo de volta tipo ChatGPT 'Otávio, está tantos por cento correto'. Tenho dez programadores que trabalham com esta plataforma para criar qualquer coisa", detalha.

A primeira grande descoberta foi um trabalho feito em 2015. "Pegamos um composto de goiaba e criamos uma estratégia para ser usada na indústria farmacológica. Eu buscava uma molécula contra uma bactéria que causa infecção pulmonar. Reorganizamos a molécula. Não chegou a ir para a prateleira, mas criamos a metodologia de como fazer, ensinamos ao mundo que era possível pegar a proteína de qualquer planta e transformar em algo viável para combater uma superbactéria".

O primeiro produto lançado no mercado pelo pesquisador foi um cosmético antienvelhecimento. Uma empresa americana disse que precisava de uma molécula para melhorar a qualidade pele.

Temos uma célula velha que o corpo não processa e causa rugas. A gente criou uma molécula que funciona como um míssil teleguiado, desvia das células normais, vai até esta célula e dá um efeito mais rígido para a pele", detalha o pesquisador.

Atualmente, o cientista coordena três centros, entre eles o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Mato Grosso do Sul na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) interligado com mais de 200 pesquisadores em vários países. Ele está à frente de 17 estudos envolvendo equipes de 30 países. Só com o governo, os projetos coordenados pelo cientista custam em torno de R$ 20 milhões.

Octávio Luiz e a equipe criaram uma molécula para ser usada em antivirais. Ela pode bloquear as proteínas usadas para multiplicação do vírus. Por conta do alto poder de adaptação dele foi preciso construir uma molécula impedindo "várias entradas ao mesmo tempo". A pesquisa quer chegar a um remédio para a dengue, impedindo a replicação do vírus.

Hoje existe um antiviral contra a dengue, mas ele é usado para tudo. Precisamos de algo específico que combata todos os tipos de dengue. Começamos três anos atrás. O próximo passo é fazer testes em animais. O estudo envolve cientistas do Brasil, da França, de Portugal e Estados Unidos. Para chegarmos ao final precisamos encontrar uma empresa interessada, já que um estudo assim leva em torno de dez anos e custa uns 80 milhões de dólares", detalha o professor.

Ele lembra que por este e outros motivos, o cientista precisa ser um articulador. Aquele esteriótipo de pesquisador isolado e cabelos bagunçados ficou no passado. É preciso captar recursos. Ir em busca dos investidores dentro e fora do país. "Mesmo assim sempre existe um risco. A gente trabalha no limite. O empresário investe milhões e às vezes dá tudo errado. O Elon Musk lançou agora um robô, geração 2. Mas cinco anos atrás ele foi ridicularizado porque apresentou um robô que mal se mexia, faltava tempo e investimento", analisa.

O professor gosta de "descomplicar" quando fala de ciência. Durante um congresso na Itália, chegou a ser xingado por um pesquisador porque usou memes para mostrar descobertas: "Ele ganhou Prêmio Nobel, é um dos descobridores do HIV. Era um evento top e eu o primeiro brasileiro a participar em 20 anos. Não me senti mais confortável para continuar falando depois que ele se manifestou dessa forma, mas acabei ficando em evidência e fui convidado para 17 outros eventos".

Para investir em conhecimento, passou um ano no Canadá trabalhando com pessoas indicadas ou que ganharam Prêmio Nobel: "Fiquei um ano analisando. Todos têm grandes equipes. Buscam dinheiro de fundos privados ou estatais. Têm conexões na área acadêmica e empresarial, viajam bastante".

Octávio também vendeu um carro para ficar seis meses na Austrália, queria saber como um pesquisador de lá fazia para deixar moléculas super estáveis. "Ele não me contava. Fiquei no laboratório até ganhar a confiança dele. Um belo dia me deu um caderno com todas as notações. Nos tornamos grandes amigos", conta.

Remuneração - O professor diz que nas equipes dele um pesquisador jovem em iniciação científica ganha 700 reais por mês para 20 horas no laboratório por semana. Depois, no mestrado chega a R$ 2 mil, com bolsa no curso. No doutorado são R$ 3.200 e durante o pós o valor é de R$ 5 mil. Há uma bolsa intermediária de R$ 7 mil e o teto para o bolsista chega a R$ 14 mil.

"Tenho uma amiga em Boston que participou de uma pesquisa comigo sobre levedura para cervejaria. Ao fim do trabalho ela pediu para levar minha equipe. Fiquei feliz porque ele passaram a ganhar 20 mil reais, seis vezes mais", conta. Em média, segundo o pesquisador, um cientista ganha de R$ 20 a 25 mil por mês em universidades, fora o que conseguir em contratos.

"Lembro da história de uma aluna de iniciação científica com bolsa de 400 reais. Um belo dia ela recebeu um depósito de R$ 10 mil, me ligou e perguntou: 'É meu? Ninguém vai pegar de volta? Mês que vem tem mais?'. Eu disse: Não sei, depende do que a empresa vender. Se o produto dá certo, a gente ganha."

Na juventude, o professor Octávio pensou em ser médico, depois decidiu ser cientista para tentar "curar milhões de pessoas em uma única tacada". Após mais de duas décadas de pesquisar ele diz: "Quero coroar minha carreira com um remédio, entrar na farmácia e falar: 'minha equipe fez isso'".

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