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Esportes

Na Rússia, uso de celulares avança sobre o hábito da leitura de livros

A proporção no metrô de Moscou é de goleada para os celulares, contrariando a fama russa de campeã de leituras de livros

Paulo Nonato de Souza | 12/07/2018 12:07
Fixação no uso do celular, cena cada vez mais comum na Rússia integradas às tecnologias de comunicação (Paulo Nonato de Souza)
Fixação no uso do celular, cena cada vez mais comum na Rússia integradas às tecnologias de comunicação (Paulo Nonato de Souza)

A Copa do Mundo de 2018 já está terminando, mas para mim ficam alguns ensinamentos de observações sobre um país que tem cultura própria, construída a partir do isolamento do resto do mundo durante o domínio mongol, os 300 anos do czarismo e o regime da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), que durou de 1922 a 1991.

Por aqui, a “invasão” da cultura consumista americana, já aceita e totalmente integrada à realidade dos brasileiros, ainda é um fato recente que cresce cada vez mais, apesar do orgulho dos russos pela sua história e da resistência em defesa da sua cultura.

Ao longo do meu trabalho na cobertura da Copa do Mundo na Rússia, onde desembarquei em 11 de junho, observei que a tecnologia dos celulares e o acesso à Internet, embora controlado pelo governo, fazem parte do cotidiano dos russos. Sem dúvida, um belo contraste, se comparado à realidade no regime soviético, quando as pessoas sequer tinham permissão para mudar de cidade e sair do país, nem pensar.

Focada em seu tablet, a moça disse que estava lendo um livro sobre a história da Rússia (Foto: Paulo Nonato de Souza)
Focada em seu tablet, a moça disse que estava lendo um livro sobre a história da Rússia (Foto: Paulo Nonato de Souza)

Em Moscou, vi no metrô a predominância do uso de celulares entre russos de todas as idades, mas observei também que muitos, incluindo jovens, preferem o hábito da leitura de livros ao celular enquanto usam o sistema público de transporte.

No trecho do metrô entre as estações Novoslobodskay e Taganskaya, vi uma situação bastante interessante de uma mãe e seu filho criança, idade talvez entre 8 a 10 anos, e ambos focados na leitura de livros, apesar do desconforto da viagem em pé.

Infelizmente, a mãe do menino rejeitou o nosso contato, alegando não falar inglês, além de não expressar nenhuma simpatia em falar comigo. Quando tentei conversar, ela respondeu "niet", "niet", não em russo, e mudou de lugar no vagão do trem junto com seu filho.

O menino e a mãe, ambos lendo livros no metrô de Moscou, onde a predominância é pela atenção ao celular (Foto: Paulo Nonato de Souza)
O menino e a mãe, ambos lendo livros no metrô de Moscou, onde a predominância é pela atenção ao celular (Foto: Paulo Nonato de Souza)

 

A americanização da Rússia, criticada pelo brasileiro Cristiano Alves, um especialista em cultura russa que vive em São Petersburgo, pareceu tão forte com o uso de mídias sociais como Instagram e o VKontakte, o Facebook deles, até aplicativos para marcar encontros, e playlist de músicas americanas que passei a observar quem preferisse a leitura de livros e não o celular.

“Creio que aqui fazemos o que fazem em todo o mundo com os aplicativos de celulares e o acesso às diferentes páginas da web, mas eu prefiro a leitura de livros religiosos”, disse Victoria Vasilyeva, funcionaria do IBC (International Broadcast Center), o Centro de Imprensa da Fifa, em Moscou. "Também gosto de ler Dostoevsky e Mikhail Bulgakov, mas gosto mais de ler livros de autores estrangeiros, por exemplo, Ágata Christie ou Arthur Conan Doyle", ressaltou ela.

Em Rostov on Dom, a jovem Alesya Borovcova, atendente de uma grande lojas de roupas masculinas e femininas, disse que prefere autores clássicos como Tolstoy e Pushkin, e de Anton Chekhov, Nikolai Gogol e Mikhail Lérmontov, não tão conhecidos no resto do mundo. “Gosto muito de livros, e gosto de autores clássicos russos”, afirmou ela.

Pelas minhas observações nos quatro dias seguidos do meu levantamento, a proporção foi de goleada para os celulares, na base de 10 a 3, o que contraria a fama dos russos de serem campeões de leituras de livros com toda a sua grandeza literária desde o século 19 e autores que entraram para a história universal, como Fiódor Dostojévski, Alexander Pushkin e Liev Tolstoy.

“A americanização é um fato, infelizmente, que começou a partir da década de 1990 com a vitória dos Estados Unidos na Guerra Fria e o fim da União Soviética, mas muitos jovens aproveitam a tecnologia para a leitura eletrônica. Com a Internet eles podem ter acesso a qualquer livro que quiserem ler”, explica Cristiano Alves.

Essas duas russas, enquanto esperavam o trem na estação Arbatskaya, preferiram livros (Foto: Paulo Nonato de Souza)
Essas duas russas, enquanto esperavam o trem na estação Arbatskaya, preferiram livros (Foto: Paulo Nonato de Souza)
Aqui a proporção de mudança de hábitos na Rússia é de dois russos no celular e um com livro (Foto: Paulo Nonato de Souza)
Aqui a proporção de mudança de hábitos na Rússia é de dois russos no celular e um com livro (Foto: Paulo Nonato de Souza)
No trecho entre as estações Petrovko-Razumovskaya e Dostoyevskaya, a cena do rapaz com livro diante de uma galera com celular na mão (Foto: Paulo Nonato de Souza)
No trecho entre as estações Petrovko-Razumovskaya e Dostoyevskaya, a cena do rapaz com livro diante de uma galera com celular na mão (Foto: Paulo Nonato de Souza)

De uma coisa tive certeza, se em Campo Grande a estatua do poeta Manoel de Barros foi motivo de pelo menos quatro meses de polêmica e rejeições sobre onde seria instalada, até a conclusão do local, na avenida Afonso Pena, no trecho entre as ruas Rui Barbosa e Pedro Celestino, embaixo de uma figueira centenária, a Rússia faz questão de expressar orgulho dos seus escritores e poetas.

Estátuas de Dostojévski, Pushkin e Tostoy, por exemplo, estão espalhadas por toda a Rússia. Tive a oportunidade de constatar isso em todas as cidades por onde estive na cobertura de jogos da Seleção Brasileira nesta Copa do Mundo, desde Rostov on Don, São Petersburgo, Moscou, Samara e Kazan. Em algumas cidades, como Rostov e Moscou, têm até praças com nome de Pushkin, considerado o fundador da moderna literatura russa.

Natural de Moscou, onde nasceu em 1799, e morreu em São Petersburgo em 1837, Pushkin escrevia suas obras na língua em que os russos escrevem e falam até hoje, ou seja, ele representa para o idioma russo o que Luís Vaz de Camões significa para a língua portuguesa.

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