Arte que dava vida a muro de poliesportivo foi apagada e revolta moradores
Foram quase três dias para Marilena Grolli concluir a obra em 2016, que agora foi apagada num piscar de olhos
Os cerca de 30 metros de grafite que levaram quase três dias para ficar prontos foram apagados num piscar de olhos em Campo Grande. A arte dava vida ao muro do Centro Olímpico da Vila Nasser, com as misturas de cores. Os desenhos representavam modalidades esportivas e expressões urbanas, mas foram cobertos com tinta azul e branca, no dia 16 deste mês.
“Estava envernizado, impecável porque passei selador para proteger. Foi projeto sócio-educativo feito em 2016. Não é a primeira vez que cobrem a arte de grafite, tanto que há 1 ano pintaram o muro do córrego prosa de cinza. É algo lamentável, a cultura está sendo perseguida”, desabafou a artista plástica, Marilena Grolli.
Ela foi a responsável por colorir o muro e promover o diálogo entre adolescentes e arte. “Infelizmente, a partir do momento que o artista faz, a obra deixa de pertence só a ele. Triste notícia. Não à cidade cinza”, disparou.
A artista está na Cidade do México, onde também colore e dá vida as paredes do país. “Aqui estou sendo recebida com honra e alegria”, disse.
Enquanto isso, no Brasil, as coisas são diferentes, avalia. “Vejo essa lamentável atitude, uma arte pública sendo atacada. Instituições públicas deviam ouvir a comunidade local antes de qualquer atitude. Uma pessoa comentou que ficou parecendo um quartel da década 70”, disse Marilena.
O muro fica na rua Rui José Cunha, no centro poliesportivo que funciona diariamente. O trabalho ocorreu em parceria com o sistema OCB (Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras do Estado). No entanto, agora dá espaço ao azul escuro e ao branco das letras escritas “Centro Olímpico Vila Nasser”.
Para o professor de “História da Arte”, Roberto Figueiredo, é um absurdo arrancar uma obra sem consultar a artista. “Passo pelo menos uma vez por semana ali, acredito que fizeram isso agora. As pessoas têm que saber o que é grafite e o que é pichação. Ao invés de preservar, fazem um ato desse que enfeia a cidade”, destacou. “É triste ver um espaço ser destruído dessa maneira”.
Ele é membro do Conselho de Cultura da Capital, mora perto do poliesportivo há 20 anos e lembrou que antes de Marilena grafitar, o espaço era usado para pichação. “Todos os dias via o pichado, mas depois que ela pintou nunca mais fizeram isso”, disse.
Roberto também reclamou sobre a falta de comunicação com os moradores da região. “O bem público tem que ser cuidado, mas ouvindo a população. Sou cidadão da região e não fui ouvido. Toda vez que passava por ali me alegrava e agora que vejo algo azul num dos maiores poliesportivos da Capital”.
Apagaram o muro - “Pintaram tudo de cinza. A palavra do muro está coberta de tinta. Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza. Só ficou no muro tristeza e tinta fresca”, a letra da canção “Gentileza” da cantora Marisa Monte define a situação para André Luiz Alves.
Ele é escritor há 12 anos, também mora na região e se manifestou. “Vivo da arte. Estou assustadíssimo com isso. Não se faz com ninguém, é a mesma coisa que pegassem um livro meu e resgassem. O trabalho era para incentivar as pessoas. Mataram a arte”.
Para André, o País precisa de cultura. “A comunidade tem que conhecer a arte, um trabalho lindo. A obra fazia pensar, mas agora faz sentir tristeza. Trocaram o algo que causava reflexão por um muro triste e sem sentido”.
Edneia Maria Silva, 43 anos, passa diariamente pelo local para levar as filhas à escola. Mora no bairro há cinco anos e sente falta das cores estampadas no muro. “Agora ficou sem graça. Está parecendo um posto de saúde. Antes era aquela arte toda colorida”. A filha, de 11 anos, Maria Rafaela também não curtiu a mudança. “Gostava antes, pedia sempre para minha mãe bater foto, toda terça e quinta quando venho aqui. Faço judô aqui há três anos”.
Jocineia Lima e Nauberti Alexandre Lima que estavam voltando para a casa, ao verem a nova pintura, concluíram: “falta cor”. Ela é manicure, tem 35 anos, enquanto ele tem 17. Moram no bairro há dois anos e sempre viam a arte. “Achei bom terem pintado porque estava muito sujo, mas poderiam reforçar a cor laranja. Seria legal ter outra obra de arte, talvez, uma menos colorida que antes”, completou a mãe.
Já Cybelle Novaes aprovou a nova pintura. “Gosto assim, mais básico. Usufruo o poliesportivo todos dos dias, é onde vou malhar. Também conheço a pessoa que pintou”, comentou. Ela é autônoma e trabalha em frente ao local.
O cabeleireiro, Autacílio Miranda também compartilha da mesma opinião que Cybelle. Ele tem 68 anos, mora na região há quatro décadas e falou sobre preservação do espaço público. “O muro estava amarelado. Tem que fazer essa conservação, pois depois de um ano é preciso pintar novamente. Acho que o azul é uma cor boa, penso que não precisa pichar”, afirmou.
Resposta - Como retiraram a obra de Marilena Grolli do muro, agora a Funesp (Fundação Municipal de Esporte) vai entrar em contato com a artista para colaborar com um projeto de grafite nos parques. A ideia é estimular a conscientização da arte. A assessoria de imprensa informou que a obra só foi coberta devido ao desgaste sofrido pela ação do tempo e pichações.