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Artes

Arte que dava vida a muro de poliesportivo foi apagada e revolta moradores

Foram quase três dias para Marilena Grolli concluir a obra em 2016, que agora foi apagada num piscar de olhos

Alana Portela | 19/09/2019 13:49
Antes e depois do muro do poliesportivo. (Foto: Marina Pacheco)
Antes e depois do muro do poliesportivo. (Foto: Marina Pacheco)

Os cerca de 30 metros de grafite que levaram quase três dias para ficar prontos foram apagados num piscar de olhos em Campo Grande. A arte dava vida ao muro do Centro Olímpico da Vila Nasser, com as misturas de cores. Os desenhos representavam modalidades esportivas e expressões urbanas, mas foram cobertos com tinta azul e branca, no dia 16 deste mês.

“Estava envernizado, impecável porque passei selador para proteger. Foi projeto sócio-educativo feito em 2016. Não é a primeira vez que cobrem a arte de grafite, tanto que há 1 ano pintaram o muro do córrego prosa de cinza. É algo lamentável, a cultura está sendo perseguida”, desabafou a artista plástica, Marilena Grolli.

Ela foi a responsável por colorir o muro e promover o diálogo entre adolescentes e arte. “Infelizmente, a partir do momento que o artista faz, a obra deixa de pertence só a ele. Triste notícia. Não à cidade cinza”, disparou.

Marilena Grolli é artista plástica que colore os muros e paredes (Foto: Arquivo pessoal)
Marilena Grolli é artista plástica que colore os muros e paredes (Foto: Arquivo pessoal)

A artista está na Cidade do México, onde também colore e dá vida as paredes do país. “Aqui estou sendo recebida com honra e alegria”, disse.

Enquanto isso, no Brasil, as coisas são diferentes, avalia. “Vejo essa lamentável atitude, uma arte pública sendo atacada. Instituições públicas deviam ouvir a comunidade local antes de qualquer atitude. Uma pessoa comentou que ficou parecendo um quartel da década 70”, disse Marilena.

O muro fica na rua Rui José Cunha, no centro poliesportivo que funciona diariamente. O trabalho ocorreu em parceria com o sistema OCB (Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras do Estado). No entanto, agora dá espaço ao azul escuro e ao branco das letras escritas “Centro Olímpico Vila Nasser”.

Para o professor de “História da Arte”, Roberto Figueiredo, é um absurdo arrancar uma obra sem consultar a artista. “Passo pelo menos uma vez por semana ali, acredito que fizeram isso agora. As pessoas têm que saber o que é grafite e o que é pichação. Ao invés de preservar, fazem um ato desse que enfeia a cidade”, destacou. “É triste ver um espaço ser destruído dessa maneira”.

Ele é membro do Conselho de Cultura da Capital, mora perto do poliesportivo há 20 anos e lembrou que antes de Marilena grafitar, o espaço era usado para pichação. “Todos os dias via o pichado, mas depois que ela pintou nunca mais fizeram isso”, disse.

Roberto também reclamou sobre a falta de comunicação com os moradores da região. “O bem público tem que ser cuidado, mas ouvindo a população. Sou cidadão da região e não fui ouvido. Toda vez que passava por ali me alegrava e agora que vejo algo azul num dos maiores poliesportivos da Capital”.

Apagaram o muro - “Pintaram tudo de cinza. A palavra do muro está coberta de tinta. Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza. Só ficou no muro tristeza e tinta fresca”, a letra da canção “Gentileza” da cantora Marisa Monte define a situação para André Luiz Alves.

Ele é escritor há 12 anos, também mora na região e se manifestou. “Vivo da arte. Estou assustadíssimo com isso. Não se faz com ninguém, é a mesma coisa que pegassem um livro meu e resgassem. O trabalho era para incentivar as pessoas. Mataram a arte”.

Para André, o País precisa de cultura. “A comunidade tem que conhecer a arte, um trabalho lindo. A obra fazia pensar, mas agora faz sentir tristeza. Trocaram o algo que causava reflexão por um muro triste e sem sentido”. 

Edneia Maria Silva comentou que faltou cor no muro (Foto: Marina Pacheco)
Edneia Maria Silva comentou que faltou cor no muro (Foto: Marina Pacheco)
Maria Rafaela Silva à esquerda com a irmã, Edilene Vitória Silva (Foto: Marina Pacheco)
Maria Rafaela Silva à esquerda com a irmã, Edilene Vitória Silva (Foto: Marina Pacheco)

Edneia Maria Silva, 43 anos, passa diariamente pelo local para levar as filhas à escola. Mora no bairro há cinco anos e sente falta das cores estampadas no muro. “Agora ficou sem graça. Está parecendo um posto de saúde. Antes era aquela arte toda colorida”. A filha, de 11 anos, Maria Rafaela também não curtiu a mudança. “Gostava antes, pedia sempre para minha mãe bater foto, toda terça e quinta quando venho aqui. Faço judô aqui há três anos”.

Jocineia Lima e Nauberti Alexandre Lima que estavam voltando para a casa, ao verem a nova pintura, concluíram: “falta cor”. Ela é manicure, tem 35 anos, enquanto ele tem 17. Moram no bairro há dois anos e sempre viam a arte. “Achei bom terem pintado porque estava muito sujo, mas poderiam reforçar a cor laranja. Seria legal ter outra obra de arte, talvez, uma menos colorida que antes”, completou a mãe.

Já Cybelle Novaes aprovou a nova pintura. “Gosto assim, mais básico. Usufruo o poliesportivo todos dos dias, é onde vou malhar. Também conheço a pessoa que pintou”, comentou. Ela é autônoma e trabalha em frente ao local.

O cabeleireiro, Autacílio Miranda também compartilha da mesma opinião que Cybelle. Ele tem 68 anos, mora na região há quatro décadas e falou sobre preservação do espaço público. “O muro estava amarelado. Tem que fazer essa conservação, pois depois de um ano é preciso pintar novamente. Acho que o azul é uma cor boa, penso que não precisa pichar”, afirmou.

Resposta - Como retiraram a obra de Marilena Grolli do muro, agora a Funesp (Fundação Municipal de Esporte) vai entrar em contato com a artista para colaborar com um projeto de grafite nos parques. A ideia é estimular a conscientização da arte. A assessoria de imprensa informou que a obra só foi coberta devido ao desgaste sofrido pela ação do tempo e pichações.

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Autacílio Miranda comentou que é preciso preservar o espaço (Foto: Marina Pacheco)
Autacílio Miranda comentou que é preciso preservar o espaço (Foto: Marina Pacheco)
Cybelle Novaes gostou da nova pintura, pois prefere uma cor mais básica (Foto: Marina Pacheco)
Cybelle Novaes gostou da nova pintura, pois prefere uma cor mais básica (Foto: Marina Pacheco)
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