Narrativa de heroína indígena ganha vida em traços e cores lúdicos de livro
Recursos da literatura fantástica transbordam das ilustrações e ao criar o universo da Guerreira Potira, com referências daqui.
Inspiradas pelas lendas e saberes dos povos originários, juntas a ilustradora Marina Torrecilha e a escritora Bianca Resende, criaram um universo repleto de identidade folclórica brasileira usando letras, traços e cores.
Recursos lúdicos da literatura fantástica transbordam das ilustrações e dão vida à Guerreira Potira, protagonista indígena, mulher, forte e conectada à natureza. Acompanhada por outros quatro personagens, embarca em uma narrativa voltada para o público infanto-juvenil, onde juntos “descobrem o que as mãos do homem pode destruir e o que a força da natureza pode curar”.
A lenda de Potira conta a história de um amor puro e intenso perdido em batalha, onde a dor da jovem é transformada por Tupã em lágrimas de diamante em sua homenagem. Na releitura pelas mãos das artistas sul-mato-grossenses, a personagem ganha novo propósito e jornada própria no cerrado brasileiro, lutando pela preservação do meio-ambiente.
Em seu caminho, Potira encontra companheiros fiéis que estarão com ela a cada passo: Mbae, uma entidade protetora dos animais e que desarma a armadilha de caçadores em seu caminho. Guayi, um lobo guará que acompanha Mbae desde filhote. Mbuá, deusa da caça de personalidade e presença forte que carrega um arco cheio de segredos. Kaluanã, um sagui que está sempre perto de Mbuá em sua luta para proteger os animais da floresta.
Como escritora, Bianca conta sobre o desafio de desenvolver uma personagem que carregasse a responsabilidade delegada à Potira. Uma espécie de guia nessa construção foi o livro “Compêndio Seres da Mata”, de Hélio Guedes. “Vi aquele catálogo de seres folclóricos e nativos do Brasil, foi como reforçar a necessidade de criar e/ou adaptar histórias que contribuam com a busca por uma identidade cultural que traga os povos originários como protagonistas. Continua sendo difícil traçar o destino e as personalidades dos personagens, mas agora também é uma aventura real e necessária”, relata.
O processo de criação envolve um estudo mais aprofundado onde a dupla está em contato com ativistas indígenas, buscando sempre textos escritos por eles. Marina relata a importância do reconhecimento de termos e palavras adequadas à representação da cultura indígena e o que é necessário expressar com isso.
“O tempo inteiro aprendemos que a forma correta é falar ou indígena ou povos ameríndios. Essas palavras são importantes no nosso processo de construção da personagem como mulher indígena real, sem estereótipos, sem que tenha uma forma esbranquiçada de falar sobre uma cultura da qual somos tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes. Queremos fazer de uma forma bem lúdica, explorar esse universo cheio de cultura, costumes e histórias sobre as quais ainda estamos aprendendo e quanto mais aprendemos é mais importante a gente atualizar as nossas formas de falar sobre os temas”, explica.
Bianca conta que a preservação da natureza ganha espaço quando a Castanheira do Brasil ganha destaque na história como uma das muitas questões ambientais existentes no país. Segundo ela, apesar dos projetos de preservação em andamento a espécie só se reproduz em área de floresta intocada. O que faz dela vulnerável e a torna um elemento forte na narrativa que tem como tema principal a conscientização, o impacto sobre o desmatamento.
Como mãe, Bianca tem uma ligação especial com a narrativa, como quem escreve a história que gostaria de ler para os próprios filhos. “Quando pensamos em um livro infanto-juvenil, já sabia que eu queria muito uma personagem mulher que fosse forte e guiasse física e espiritualmente toda a narrativa da estória, e quando decidi pela Potira da lenda das lágrimas de diamantes, sabia que era a personagem perfeita para perpetuar sabedoria entre as crianças. Carrego uma lembrança muito bonita de uma senhora Guarani-kaiowá que ao ver a minha bebê de dois meses chorar muito, tocou a testinha dela e disse: Nós Guarani-kaiowá não saímos com o bebê para fora de casa antes dos três meses. Então acariciou a testinha da minha menina, e ela adormeceu tranquila. Como eu disse é a lembrança muito bonita da única vez que os visitei”.
Dar vida, cores e movimento às palavras de Bianca não é uma tarefa fácil, mas Marina desempenha a função com sensibilidade e trás a identidade do cerrado para mais perto do leitor com a sutileza de seus traços. Com poucas referências da fauna e flora características daqui, ilustrar também exige pesquisa da artista, que estuda livros de botânica e analisa as espécies encontradas na mata ao redor e até nas próprias árvores e animais que podem ser vistos em Campo Grande. Tudo para aproximar o universo de Potira da realidade.
“Estamos colocando muitas árvores do cerrado, o pau terra, o pequi, peroba, murici do cerrado, araticum, barbatimão, uma cobertura legal tanto da mata atlântica como do cerrado. Estamos tentando fazer, visualmente falando, algo que represente de verdade o nosso país, os primeiros habitantes, os povos originários que são os indígenas, criar de uma forma mágica e lúdica, conscientizando as crianças, as novas gerações e que eu tenho certeza que pessoas de qualquer idade vão gostar do nosso livro”, conta Marina.
Com cerca de 40 páginas, com ilustrações e textos, o primeiro livro da trilogia de Potira deve ser lançado ainda no segundo semestre deste ano. Já é possível acompanhar o processo de criação pelas redes sociais, seguindo o instagram @aguerreirapotira, clicando aqui.
Para viabilizar o projeto, também existe um perfil da Potira na plataforma online "Padrim" com como uma forma de financiamento coletivo e apoio das pessoas interessadas na obra. Marina esclarece que os custos de produção são altos e até o momento, o projeto conta apenas com recursos próprios. É possível ajudar clicando aqui.
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