Avô partiu, mas deixou tradição em padaria e nome de rua
"Tinha que ser eu", declara advogada que conseguiu homenagear o avô com nome da rua
Em 2018, a advogada Jussara Canazza de Macedo estava em uma sessão na Câmara Municipal de Dourados para conseguir homenagear o falecido avô, Alcides José de Macedo. O que ela foi atrás, e por fim conseguiu, foi fazer com que a avenida em que seu avô morou durante boa parte da vida levasse o nome dele. “Tinha que ser eu. Fui eu quem cresci com ele, sou eu quem amo meu avô, então tinha que ter sido eu”, conta.
O padeiro Alcides José de Macedo chegou em Dourados em 1969 e faleceu no dia 6 de novembro de 2002. Além da saudade, deixou na família a tradição do trabalho nesse ramo. “Todo mundo na minha família ou é padeiro, ou tem padaria ou trabalha com gastronomia”, explica Jussara. Ela mesma ajuda na panificadora do pai, a Panificadora da Esquina, que sempre serve café e leite à vontade e cuja história já foi contada aqui no Lado B.
A saga para conseguir homenagear o avô, surgiu em 2016, ideia do vereador Sérgio Nogueira. “Era para nomear qualquer rua da região com o nome dele, mas essa rua aqui foi onde ele morou mais da metade da vida dele, na chácara, então tinha que ser essa daqui”, explica Jusssara. Aquele trecho era conhecido com “Linha do Potreirito”, pois nem asfalto tinha. E a princípio, a homenagem deu certo, até que a rua começou a ser asfaltada.
“Naquela época, eu não sei de onde isso veio, mas dizia-se que quando se asfaltava uma rua, mudava o nome dela. Começou inclusive a chegar correspondência no nome de outra pessoa. A gente ficou meio triste com a perda da memória, apesar da felicidade do asfalto”, explica Jussara. Porém, um dos amigos de Jussara lhe disse que não existia isso de mudar nome de rua. E foi então que a saga atrás de conseguir a homenagem começou.
“Eu falo que tinha que ter sido eu, porque na época, eu estava no segundo ano de direito. Depois das provas, comecei a ir atrás”, detalha. De primeira, Jussara ainda tentou conversar com vereadores conhecidos, até mesmo o secretário de obras do município de Dourados na época, que até conhecia o avô dela, mas as conversas acabavam não movimentando muita coisa. Em 2018, na troca de gestão, ela então entrou com recursos legais.
“Então eu fui atrás do Ministério Público pra resolver. Eu comecei a estudar a respeito, estudei a lei orgânica do município, e lá é muito claro que “é vedado” a substituição de nomes de ruas que já têm nome. Estudei o caso, levei documentos, tirei fotos, levei correspondências”, detalha Jussara. “Tinha que ter sido eu, eu sou a primeira advogada da família e eu ainda carregava o sentimento, não é só o conhecimento de direito, é a história do meu avô. Mesmo que tivesse contratado um advogado pra ajudar, ele não teria esse sentimento meu. É a memória do meu avô, eu amava meu avô”, reforça.
Em junho de 2018 começaram as votações na Câmara. “Naquele momento, eu apostei todas as minhas fichas, busquei todos os princípios do direito, segurança jurídica, apostei todos os meus argumentos”, completa. O resultado, foi proposto pela própria Jussara: para não desrespeitar a memória da pessoa, cujo nome tinha “substituído” o do avô, a sugestão foi dividir os trechos das ruas e deixar dois homenageados. “Por fim, foi uma luta conseguir mudar tudo nos Correios, mas no final deu tudo certo”, explica. A lei da renomeação foi publicada no Diário Oficial no dia 07 de agosto de 2018.
Uma das marcas de Alcides era organizar a festa de dias das crianças para todas as crianças do bairro. “Eu nem sei quando ele e minha avó começaram a fazer essa festa, desde que eu me lembro, ela sempre existiu. E todas as pessoas daqui da região e da minha idade têm essas festas na memórias, todas as crianças eram convidadas. Eles sempre fizeram isso, sem buscar nenhum reconhecimento, simplesmente porque tinham o prazer de alegrar as crianças da região todos os anos”, relembra.
Alcides foi pai de 12 filhos e os descentes vivem todos naquela região. De acordo com Jussara, todas as crianças viviam perto do avô, conviviam com ele todos os dias, transformando a chácara dele praticamente em uma “creche”. “Só aqui nessa rua temos 21 descendentes, entre filhos, netos e bisnetos. Meu avô sempre foi muito carinhoso com todos os netos, ele foi sempre um bom avô e uma pessoa muito simples”, complementa Jussara. Isso só reforça a importância que ver o nome de Alcides na rua para toda a família.
A lembrança que mais marcou Jussara, além do carinho e afeto do avô, aconteceu na véspera da morte dele. “Eu lembro que uma vez, ele me disse que queria morrer depois de um dia de trabalho, na hora que sentasse para descansar. Na véspera da morte dele, ele chegou na padaria, pegou algo pra comer e conversamos, eu não lembro mais sobre o quê. Então, ele me deu um abraço bem forte e na hora de me soltar, olhou pra mim, meio diferente, e me abraçou e beijou de novo. Depois foi embora. E eu fiquei parada, olhando pra ele. Fiquei olhando assim, sentindo aquele abraço gostoso, aquele carinho. Até que no outro dia, ele faleceu, exatamente como tinha me dito. Então foi como ele se ele tivesse se despedido de mim. Eu nunca mais esqueci na minha vida”, relembra.
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