Carta aberta aos pais de pet: amor é igual, mas comparação é surreal
É preciso enxergar o quão injusto é o sistema com quem pariu
Venho por meio desta me meter numa enorme polêmica, mas, nem só de texto com final bonitinho vive a maternidade. Colocar questões cotidianas em pauta é preciso! Então vamos lá. Num domingo desses estávamos tomando café em uma fazenda que disponibiliza o desjejum e libera o espaço para visitação por determinado valor.
Por lá há vaquinhas, bodes, cavalos e outros animais rurais. Pois bem, em dado momento um casal parou ao meu lado com o cachorrinho deles no colo. O bichinho estava visivelmente estressado naquele ambiente e Caetano, no meu colo, se remexia igual ao doguinho, pois queria ir pro chão engatinhar.
Ao ver a situação, o casal me fitou e acenou como quem diz "ah como dão trabalho esses filhos, né?". Eu, do alto das minhas olheiras construídas ao longo dos 26 meses sem dormir uma noite completa, dei um sorriso amarelo e segui meu caminho.
Mas desde então não paro de pensar no quão distorcida é a comparação entre ser mãe de humano e de pet. Claro, a raiz disso é o amor incondicional que cultivamos por eles e isso não tem contestação, é fato.
No entanto se torna um jogo perigoso quando elevamos o assunto ao patamar da responsabilidade. Primeiro porque submetemos nossos bichinhos a situações estressantes na tentativa de humaniza-los. Segundo porque a linha tênue que divide tudo isso dá a falsa impressão de que criar bichinhos é semelhante a criar crianças e isso, meus amigos, é cilada total.
Você pode levar comidinha, água, troca de roupas para o seu animalzinho num passeio domingo de manhã. Pode dar festa de aniversário, pagar plano de saúde, levar para viajar.
Você pode colocá-lo no seu testamento, nomeá-lo funcionário de sua empresa e o que mais quiser, mas nada, nada, nada vai chegar perto da responsabilidade de criar outro ser humano. Ter um cachorro, um gato, um periquito, papagaio, peixe e por aí vai não vai te impedir de seguir o fluxo da sua vida normalmente.
Você vai continuar assistindo suas séries, fazendo suas viagens, saindo para tomar umas cervejas com seus amigos, dormindo noites completas de sono e acordando depois das 9h num feriado chuvoso.
Você não vai ter que cogitar deixar seu emprego por não conseguir pagar escola ou babá para deixar seu pet no período em que precisa se ausentar. Não vai se ver isolado dos amigos, família e convivência social quando "parir" seu filho de quatro patas.
Você não vai passar por verdadeira inquisição sobre filhos quando tiver entrevista de emprego e, mais que isso, não ser expulso do mercado de trabalho por ter um bichinho recém-nascido em casa.
Entrando nesse assunto em específico, semanas atrás li que uma empresa vai dar dias de "licença maternidade" aos funcionários que têm bichinho novo em casa. A ideia é massa, mas olhando os comentários na postagem sobre o assunto, cheguei à conclusão de que as pessoas são completamente alheias à realidade materna.
Enquanto comemoravam a notícia, nada se falava dos 50% de mulheres que simplesmente são demitidas até dois anos após voltarem de licença maternidade, segundo apontou estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) feito com 257 mil mães em setembro passado.
Como pode uma licença para cuidar do filho de 4 patas ser considerada uma vitória quando metade das mulheres que voltam da licença-maternidade estão perdendo seus postos de trabalho simplesmente pelo fato de serem mães? Não dá, gente, não dá.
É preciso aprofundar. É preciso problematizar. É preciso enxergar o quão injusto é o sistema com quem pariu. E se você, “mãe/pai” de pet encara com naturalidade tudo isso, então, sinto lhe informar, mas nem no sentido figurado tu merece carregar esse título.
Jéssica Benitez é jornalista, mãe do Caetano, da Maria Cecília, do Bolinho, do Chocolate e da Botinha, além de aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae
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