Com a ajuda do estágiário, ela soube que tinha o direito de ser Carla
Pedro, que é um homem transexual, mostrou à Carla que é possível ter documento com seu gênero feminino
Independente do lugar onde estava, Carla Marta Ramirez, de 49 anos, sempre lidava com o momento desconfortável em que seria chamada pelo nome que não escolheu para si. “Eu odiava aquele nome, passava a maior vergonha com o meu nome de registro”, lamenta. Para ela, o que antes era um sonho distante, hoje é realidade palpável no documento que é um dos mais importantes na vida de qualquer cidadão brasileiro.
Como mulher trans, Carla finalmente conseguiu ser reconhecida formalmente pelo nome e gênero com o qual se identifica. Sem saber que poderia ter a retificação na certidão de nascimento, ela só descobriu isso quando seu caminho se cruzou com o do Pedro Antônio Santos Alencar, de 23 anos.
O estudante de Direito realiza estágio voluntário na Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul em Rio Brilhante, a 161 km de Campo Grande. Quando Carla procurou a instituição, Pedro foi quem a atendeu inicialmente e percebeu que ela não tinha retificado seu registro civil.
Na ocasião, o estagiário informou que era possível fazer a retificação, algo que Carla não sabia ser possível. “Era uma consulta processual e ao passar pela triagem, ela apresentou o documento, mas pediu que a chamassem por Carla. Perguntei se ela tinha interesse em retificar, mas ela não sabia que dava para fazer isso na certidão, achava que só dava para incluir o nome social”, lembra.
Como homem trans, Pedro relata que entende melhor do que ninguém a importância de ter o nome e gênero correto nos documentos pessoais. “Eu sou trans e sei como é. Falei que ela poderia entrar em contato com a gente após conseguir os documentos. Quando ela conseguiu, eu estava de férias, mas vim para a Defensoria só para a atender”, diz.
Essa é a primeira vez que Pedro atende uma pessoa trans que optou pela retificação no registro. Para ele, ajudar a Carla foi também uma conquista pessoal. “A maioria das pessoas trans não têm direito reconhecido. Me senti feliz de levar essa alegria para ela e ajudar uma pessoa que é igual a mim”, expõe.
Ao Lado B, Carla revelou que por ser “analfabeta” e não ter concluído os estudos, desconhecia o direito de alterar o nome no registro. Ela conta que desistiu da escola depois de sofrer diversos abusos psicológicos e sexuais dos colegas. “Parei de estudar, porque sempre fui afeminada, meus colegas me estupravam no banheiro. Eu reclamava para a professora e ela falava: “Quem manda você ser viadinho?!”, recorda.
Após completar 49 anos, ela diz emocionada que está nascendo novamente. “Eu nasci de novo, é outra vida. Eu sempre me identifiquei com esse nome, nunca na vida gostaria que me chamasse por outro. Se você ver eu, você vê que sou uma mulher”, enfatiza.
Com a nova certidão em mãos, Carla realizou agendamento na Defensoria para fazer a segunda via da carteira de identidade. Por hora, ela ainda não conseguiu fazer a troca, pois precisa de R$ 175 para pagar a taxa de emissão. “Eu tô nessa luta, eu tenho que ir no Cras, pensei até em vender um porco da chácara onde moro”, fala.
Quando conseguir o novo documento, Carla sonha em dar outro passo e realizar mais um sonho. “Eu quero fazer uma cirurgia para mudar de sexo. Pelo SUS é gratuito, mas a fila é grande”, pontua.
Trans em todos os espaços
Para a Defensoria Pública, o atendimento prestado reforça a importância da representatividade de pessoas trans ocupando espaços públicos e privados. “Pedro é estagiário voluntário desde 2018 e já havia tido seu nome retificado com o auxílio da Defensoria Pública em 2020. O atendimento humanizado prestado por ele na instituição reforça a importância da representatividade de pessoas trans ocupando espaços públicos e privados, bem como da assistência integral e gratuita prestada pela Defensoria Pública às pessoas hipossuficientes economicamente e em situação de vulnerabilidade”, destacou o defensor público Alberto Oksman.
Além disso, a defensora pública Kricilaine Oliveira Souza Oksman, completa que "a experiência de pessoas trans e travestis no Brasil é marcada por exclusões e violências institucionalizadas muitas vezes produzidas e reforçadas no espaço escolar, o que faz com que a grande maioria nem mesmo conclua o Ensino Médio”.
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