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Comportamento

Com salários que compravam só 2 frangos, venezuelanos recomeçam aqui com música

Thaís Pimenta | 12/05/2018 09:25
Jesus, Juan e Ezequiel tocam para o Lado B um pouco do ritmo mexicano mariachi. (Foto: Marina Pacheco)
Jesus, Juan e Ezequiel tocam para o Lado B um pouco do ritmo mexicano mariachi. (Foto: Marina Pacheco)

Desde que decidiram deixar a Venezuela, foram 5 anos entre o outro lado da fronteira, até Boa Vista e depois Mato Grosso do Sul. Ezequiel Aleman Parica, Juan Carlos Rincones e Jesus Zacarias Malave vieram, claro, em busca da tal promessa de mudança radical na vida para melhor, longe dos perrengues da briga ideológica, política e de todas as consequências econômicas na terra natal.

Mas se a situação já era lamentável na Venezuela, o choque ao entrarem no Brasil foi tão grande quanto. Passaram a contar com os abrigos públicos, cedidos pelos municípios ou por organizações não governamentais. A cama confortável do passado, virou chão, e o medo da violência fez com que os músicos venezuelanos quase não dormissem por um tempo, alertas para não terem seus instrumentos roubados. 

"Ali onde estávamos não tinha banheiro, cama, não tinha cozinha, era como um barracão mesmo, sem luz", conta Ezequiel. Hoje, eles tentam emprego em Campo Grande, também ao som de violões e trompetes.

Jesus é maestro, formado em música, e diz que o trompete é como se fosse um braço seu. (Foto: Marina Pacheco)
Jesus é maestro, formado em música, e diz que o trompete é como se fosse um braço seu. (Foto: Marina Pacheco)

Tocando pelas ruas de Boa Vista para ganhar alguns trocados, os 3 tiveram contado com a ONG Fraternidade sem Fronteiras e acabaram trocando Roraima por Mato Grosso do Sul, convidados para apresentação durante encontro da entidade, promovido no mês passado.

Eles decidiram ficar, a Fraternidade cedeu uma casa para que o trio morasse e agora o grupo tenta empregos fixos na Capital ou contratos para animar eventos particulares.

Ezequiel, de 23 anos, deixou na Venezuela sua mãe e duas irmãs mais novas. O padrasto veio junto com ele para o Brasil, mas continua no Norte do País. O pai foi para a Colômbia e já arranjou emprego em uma emissora de rádio por lá.

A nova mudança de endereço para Mato Grosso do Sul parece ter reascendido alguns sonhos em Ezequiel. "Eu não conhecia eles [Juan e Jesus] antes, então saia andando pelas ruas com minha flauta. Cheguei aqui quase sem nada e agora eu sonho em ajudar minha família que ficou lá, concluir o ensino médio e cursar alguma faculdade de tenha a ver com música ou tecnologia".

Na Venezuela, cerca de 15% da população já migrou para outros países, pela falta de emprego e de acesso a itens básicos, com alimentos nos mercados, medicamentos. O salário mínimo de lá já não rende quase nada, diz Jesus. "A gente conseguia comprar dois frangos por mês, e só. Um quilo de carne moída, por exemplo, dava pra uma refeição completa da nossa família. Com a crise tínhamos que racionar o consumo dessa quantidade por cerca de dez dias."

Jesus tem cinco filhos. Quatro deles continuam na Venezuela e um está em Boa Vista. Por preocupação, ele chegou a deixar de se alimentar por não achar justo com sua família. "Eu pesava 90 quilos, agora estou com 65 quilos. Passamos fome na travessia, o pouco dinheiro que trouxe de lá não valia nada aqui, tive fome e não tive comida".

Ezequiel e Juan buscam por oportunidades de emprego, e seguem morando na residência cedida pela Fraternidade. (Foto: Marina Pacheco)
Ezequiel e Juan buscam por oportunidades de emprego, e seguem morando na residência cedida pela Fraternidade. (Foto: Marina Pacheco)
Juan diz que sente muita falta de sua família e sonha em poder trazê-los para o Brasil. (Foto: Marina Pacheco)
Juan diz que sente muita falta de sua família e sonha em poder trazê-los para o Brasil. (Foto: Marina Pacheco)

Juan trabalhava como técnico de segurança do trabalho em uma petrolífera venezuelana, setor chave nas disputas políticas que tiraram a Venezuela do eixo. Hoje, ele consegue ver a estadia no Brasil como uma nova etapa em sua vida que segue incompleta, sem a presença de sua esposa e de seus quatro filhos.

"Meu sonho é poder trazê-los pra cá. O que eles estão vivendo lá não é digno de ser humano nenhum", conta. O contato com a família se dá pela internet, mas também é complicado, visto que o sinal, controlado pela administração do presidente Nicolás Maduro, é derrubado por diversos momentos, garante. "Ele derrubou até a energia e a água".

No peito, a saudade divide espaço com a esperança de encontrar um emprego e, claro, de ver o país voltar a ser grande. "Espero que esse processo leve cerca de quatro anos para melhorar, é muito triste ver isso tudo acontecendo, e estar longe deles".

Para ajudar, é possível contratar a mão de obra deles, ser um tutor ou um doador. Ao acessar o link você encontra todas as formas de auxiliar a vida dos venezuelanos no Brasil, e de outros refugiados.

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