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Comportamento

Depois de 34 anos, escrever cartão de Natal fez Maria chorar em plena rodoviária

Escrever emociona e muito. Ainda dá tempo de desejar a próprio punho um Feliz Natal para alguém

Paula Maciulevicius | 20/12/2016 08:08
Maria Hilda ri e se emociona ao voltar no tempo escrevendo cartão de Natal. (Foto: Paula Maciulevicius)
Maria Hilda ri e se emociona ao voltar no tempo escrevendo cartão de Natal. (Foto: Paula Maciulevicius)

"Há quanto tempo eu não escrevo? Eu acho que faz uns 30 anos. Por que? Porque tem celular?" Maria Hilda perguntava e respondia para si mesma. Enquanto esperava junto do marido pela chegada no filho na rodoviária de Campo Grande, foi até a mesa onde está o anúncio "envie um cartão de Natal grátis para alguém especial". 

Com a caneta em mãos e um cartão de Natal diante de si, o nome de amigos e familiares vieram de imediato à memória. Eram tantos candidatos a destinatários, mas de ninguém ela sabia o endereço de cabeça. "E olha a dificuldade, você não sabe mais onde ninguém mora. Vou escrever para o meu marido, porque ele eu sei", brinca. A campanha é da Socicam, administradora do terminal rodoviário da Capital, que manda de graça pelos Correios as mensagens para qualquer cidade do País.

Tonho Tonho, 

Olha que delícia te desejar tudo de muito melhor juntamente com nossos filhos, netos e nora. 

Bjos. Ti amo muito!!! 

E antes de assinar, ela já estava de olhos cheios d'água. Tonho Tonho é o apelido de Antônio, marido dela desde 1982 e com quem trocou cartas e namorou através das linhas escritas durante um ano. 

"Trocávamos muitas cartas. Ele morava longe, a gente é do Paraná, eu vim primeiro para cá e começamos a namorar por carta", conta a técnica em Nutrição, Maria Hilda de Souza Roque, de 56 anos. 

Os dizeres foram para o marido, quem ela sabia o endereço de cabeça.
Os dizeres foram para o marido, quem ela sabia o endereço de cabeça.
Escrever fez ela chorar pela falta que as palavras lhe fizeram desde 1982.
Escrever fez ela chorar pela falta que as palavras lhe fizeram desde 1982.

E é justamente este tempo e os sentimentos colocados em palavras aquela época que voltam com o movimento da caneta nas mãos. "Por que eu estou chorando? Porque faz muito tempo que não faço e isso traz emoção", explica.

Maria Hilda e Antônio têm três filhos, uma nora e três netos. O caçula, por quem estavam esperando, vinha do Sul do País, depois de uma temporada na Argentina. Com o celular ao lado, ela olha para o aparelho e se lembra que entre os contatos, só tem o nome e o número dos amigos. Nunca o endereço.

"Na época de carta você punha mais sentimento para fora. Coisa que pela internet não faz hoje em dia. A gente fala que está tudo bem, quando não está. E carta não, você tem tempo para pensar, escrever e colocar, ali no papel: 'eu gosto de você'. Não é mandar deseinho", exemplifica.

De volta à cadeira, onde espera o filho, Maria Hilda disse a Tonho que escreveu o cartão para ele. Em retribuição, é o marido quem levanta para "responder" o que ainda nem lhe chegou na caixinha dos correios.

Antônio volta no tempo. A última vez que ele mandou alguma coisa para Maria, foi um telegrama em 1988.
Antônio volta no tempo. A última vez que ele mandou alguma coisa para Maria, foi um telegrama em 1988.

Antônio também tem 56 anos e abre um sorrisão quando o assunto é escrever para a mulher amada. "Quando eu comecei a namorar ela era 1979. Eu me correspondi até 1981 e nos casamos em 1982. Depois disso mandei só um telegrama, em 1988", conta Antônio Kritkikovski Roque. 

A história do casal começa bem antes da troca de cartas e cartões. "Ela e eu tínhamos 6 anos. Ela foi criada por um tio meu, que era avô dela. Eles foram passear no sítio onde meu pai morava e debaixo de um pé de amora, eu falei: 'vou casar com você'", recorda.

A família dela mudou de cidade e Antônio nunca esqueceu a promessa. Quando ele fez 18 anos, juntou o salário do primeiro emprego e comprou uma passagem para Campo Mourão, visitar ela e os parentes de lá. "13 anos depois... Mas fizemos uma amizade", narra. E o contato foi mantido entre cartas.

Depois de transferências por conta do trabalho, Antônio ficou ainda mais longe quando Maria Hilda lhe escreveu que estava se mudando para Campo Grande. O pai mexia com sorvetes e aqui era uma oportunidade maior de vendas.

"Até que um dia ela me escreveu perguntando do namoro. Era tudo o que eu queria. E eu vim para cá, em 17 de agosto de 1981 e quando foi 12 de abril de 1982, nos casamos". 

Antônio nos pareceu romântico ao narrar toda história de amor vivida. Ele largou o emprego e a vida no Paraná para vir atrás de Maria Hilda e não se arrepende. A ideia de por tudo isso no papel também lhe toca. "Acho que a gente acaba não escrevendo pela tecnologia. Posso?", pergunta ao funcionário que guarda o envelope e a caneta.

"Saudade dos que foram, esperança dos que vieram e lembrança no nosso amor, que hoje é ainda mais forte". Foi nessa frase que ele resumiu os desejos para 2017 no cartão endereçado à Maria Hilda, na mesma casa onde ele mora, na Rua dos Recifes, no Coophavilla II.

"É como se remetesse aquela época, aquele romantismo. É como diz Roberto Carlos, são tantas emoções", afirma. Escrever para ele foi uma forma de pensar em tudo o que os dois já passaram juntos. "Nós construímos pilares que vão passar para sempre por qualquer obstáculo que aparecer. Escrever é interessante", resume.

A ação acontece de graça até esta sexta-feira, das 16h às 20h, na entrada do Terminal Rodoviário de Campo Grande.

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