Di Anna é trans que escolheu Bonito para viver e 1ª a ter título com nome social
Depois de muitos anos sem votar pelo constrangimento, Di Anna irá exercer a cidadania nas próximas eleições com o devido respeito
Se tem uma coisa que Di Anna lembra com detalhes é da infância. Aos 9 anos, quando ainda era chamada por ele, a consultora, nascida em Brasília, queria brincar só com as amigas, ser como elas. Determinada, na adolescência resolveu se assumir para ser feliz. Mas o constrangimento de ser chamada por ele continuava toda vez que chegava a locais públicos, especialmente, locais de votação. Hoje, aos 36 anos, ela comemora ver o nome social no título de eleitor.
Moradora de Bonito há 7 anos, ela acredita ser a primeira transexual a conquistar o direito. O processo para ver o nome estampado no documento levou tempo, conta Di Anna. “Senti que eles não sabiam como era o procedimento, me pediram para esperar, fiquei um tempo sem saber se estava fazendo o certo, mas não desisti”, conta.
Nesta semana o processo chegou ao fim. Ela levou para casa o título com nome que que escolheu há anos e agora está ansiosa para as próximas eleições, sem constrangimentos. “Já paguei inúmeras multas porque me recusei a participar do voto. Era um constrangimento. Ninguém queria me chamar pelo nome de mulher. Não votei na última eleição, mas agora votarei em todas”, garante.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral asseguraram os direitos de pessoas transexuais e travestis a ter o nome social sem a necessidade de fazer cirurgia de troca de sexo.
Agora, com direito garantido, Di Anna jura que não vai parar de lutar para que homens e mulheres transexuais consigam realizar o sonho da documentação independente da resistência de quem é pautado pelo preconceito. “Eu consegui, mas sei que muitas transexuais e travestis ainda não conseguiram. São olhares, julgamentos e muito preconceito que fazem com que a pessoa não vá em busca do seu direito”, explica.
Cheia de coragem – Di Anna é toda simpática, sorridente, comunicativa. Com formação em Análise de Sistemas e Filosofia, hoje ela é consultora pessoal e participa de programa de rádio dando dicas até de como se vestir para os negócios.
Mas o alcance profissional veio depois de muita coragem. Nascida em uma família quase toda evangélica, o maior desafio foi se assumir. “Foi um rompimento muito brusco. Quando consegui entender que existia essa perspectiva, eu escancarei, e não quis mais compactuar com o que quiseram trazer para mim. Assumida, participei de muitos movimentos militantes, que atuam na causa LGBT”.
Entre um estudo e outro, Di Anna visitou Bonito e se deparou com a cidade que sonhava para vida. “Eu digo que escolhi como meu endereço no mundo, hoje, tenho todos os meus documentos aqui e não me vejo em outro lugar. Gosto da calmaria, da natureza e da paz”.
E olha que, apesar de turística, ser transexual em uma cidade do interior não é nada fácil. “Eu tenho a visão romântica que apesar de ser uma cidade interiorana, Bonito não é uma cidade tão restritiva. Mas continua com círculos reduzidos para mulheres como eu. O complicado é não poder extravagar. Nunca foi minha intenção, mas se alguém tem vontade, rola opressão, olhares, daí ela se torna uma cidade que não permite”.
Mesmo assim, Di Anna diz, com orgulho: sou transexual. E espera no futuro ver outras mulheres e homens transexuais vivendo com naturalidade, especialmente, nas cidades do interior. “Eu pretendo continuar lutando pela dignidade como ser humano. Hoje, consigo lidar com todo esse universo de preconceito graças a minha vida profissional, isso faz com que as pessoas me olhem como alguém mais fácil de lidar. Mas quero chegar a um patamar que ninguém precise provar nada a ninguém para ser tratado como ser humano e com respeito”, diz.