Dia de lembranças prova que os corpos se vão, mas tudo fica por aqui
Familiares partem deixando legados de amor e alegria impossíveis de serem esquecidos.
“Não sei dizer como ele era, porque ele continua sendo”. A frase de servidora Luzia dá início ao nosso especial “O que ficou de quem partiu”. Há seis anos, ela se despedia do marido, vítima de uma leucemia, e até hoje tenta manter o legado de amor e amizade deixado por ele.
O Lado B foi até o maior cemitério da cidade, o Santo Amaro, localizado no bairro de mesmo nome. Do lado de fora, o movimento de vendedores ambulantes era considerável, mas no interior a calmaria reinava. Pouca gente antecipava as visitas.
As amizades - Na entrada, a reportagem deparou-se com a servidora pública Luzia Carvalho de Oliveira, de 63 anos, lavando com muito capricho o sepulcro que abriga o corpo do marido, falecido aos 61 anos.
Na lápide, a frase: “Eu não estou longe, apenas, estou do outro lado do caminho” mostra o quanto Willian ainda é presente e logo no início da conversa, Luzia enche os olhos d’água só de falar no nome do marido.
“Não sei dizer como ele era, porque ele continua sendo, uma referência na família, um marido muito bom, um pai exemplar, um filho muito presente. Ele deixou muitas lembranças e muitos amigos que até hoje falam nele. Ele só plantou coisas boas”, conta.
O casal, que sempre morou no Bairro Coronel Antonino, teve uma filha e foram casados por 40 anos. “Minha filha Maira se casou em fevereiro e ele adoeceu em março. Foi um baque na família toda. Mas foi a vontade Deus, não era a minha. Nós criamos os filhos para o mundo, mas o marido, quando você perde, você se vê sozinha. Embora minha família me ajude muito, é difícil, fica aquele vazio”, lembra.
Willian era autônomo, às vezes fazia bico de motorista, mas sempre estava presente na família e nas amizades. “Ele era aquela pessoa que comandava a família. Quando a gente o perdeu, o pai dele e meu pai ainda eram vivos. Ninguém aceitava. Ele era muito tranquilo e alegre. Onde estava ele ficava rodeado de amigos. Eu procuro manter. Os amigos dele as vezes faz alguma coisa e me convidam. Eu faço o possível para ir porque eu quero manter essa amizade que ele conservou. Para manter a imagem dele viva”, finaliza Luzia.
Tempo não é nosso - Mais algumas quadras e encontramos o eletricista Carlos Valdevino da Silva, de 55 anos, morador do Bairro Maria Aparecida Pedrossian. Ele perdeu uma filha por negligência médica, em 1993, e outra em um acidente, em 2018. Indagado sobre quem ele homenageava naquele momento respondeu: Posso chorar?
“Hoje estou aqui por minha filha Ana Carla, que partiu em 1993, ainda recém-nascida. O que me faz voltar aqui todos os anos é inexplicável, mas são sentimentos divinos, creio eu”, aponta.
Num sol escaldante, ele renovava a cor rosa do tumulto e se mostrava muito emocionado ao falar sobre a familiar. “Não gosto de ser crítico, pois sei que todos os nós podemos errar, mas na época ela morreu por negligência médica. Independentemente de crença ou religião, temos de ser responsáveis e inteligentes para entender as coisas que acontecem. A matéria acaba, mas a história está aqui”, frisa.
Carlos afirma ter compreendido que cada um tem seu tempo. A perda da segunda filha ainda dói e está recente, mas o eletricista garante que tudo ficará bem.
“O Dia de Finados é um dia de lágrimas de amor. Minha outra filha se chamava Tayná Francisco de Sales, ela está sepultada em Três Lagoas. Ela faleceu aos 25 anos e eu me perguntei por que não eu? Hoje choro menos, depois que uma pessoa mais velha e mais sábia disse que hoje ela iluminava. Mas nosso tempo é de Deus”, finalizou.
A união – As primas Alda e Eliane limpavam o sepulcro da família Mourão, em especial do casal Tobias José da Veiga Mourão e Luzia dos Santos Mourão, que tiveram cinco filhos, Lucila, Alda, Lúcio, Claudina e Vera. Muito animada, a matriarca ficou viúva ainda na década de 70, mas manteve a família unida em almoços dominicais.
A policial aposentada Alda dos Santos Mourão, de 57 anos, lembra com alegria da mãe. “Meu pai morreu quando eu tinha seis anos. Mas minha mãe eu perdi recentemente. Eu tinha feito uma cirurgia do coração, quando ela se foi. Ela era muito animada e frequentava os bailes que tinha no Horto. Ela se casou novamente, aos 79 anos, com um senhor que também frequentava os bailes. Depois que ele morreu, ela se foi em seguida”, conta Alda, de 57 anos.
A sobrinha do casal, a monitora de alunos Eliane Guimaraes dos Reis, de 45 anos, se recorda da sabedoria da tia. “A alegria deles ficou entre nós. Ela conseguia juntar todos na casa dela aos domingos. Depois que ela faleceu, ainda nos juntamos. Mas não é a mesma coisa. Ela era muita sábia, nos aconselhava bastante”, conta.
Resistência - Filho único, pai de oito filhos e avô de 23 anos, o pintor Luís Ferreira da Silva mora no Aero Rancho, mas foi criado na Vila Jacy, onde os pais Lúcio e Iracema viviam.
De poucas palavras, enquanto limpava a lápide para pintar, Luís contou ao Lado B que vai até o cemitério a cada dois meses e que aprendeu a ser resistente como a mãe, que faleceu no ano passado, aos 87 anos.
“Para mim é um momento triste porque é recente o falecimento da minha mãe. Meu pai morreu há alguns anos, aos 71 anos. Meu pai bebia muito e eu aprendi a ser resistente como minha mãe que sempre estava feliz, se mostrava uma pessoa feliz”, conta.
A família cresceu e dona Iracema conheceu quase todos os netos e bisnetos.
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