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Comportamento

E quando os papéis se invertem e os pais é que se tornam filhos?

Por mais de dois anos meu pai travou uma batalha contra o câncer. E nós travamos junto

Jéssica Benitez | 08/09/2022 09:31
Por mais de dois anos meu pai travou uma batalha contra o câncer. (Foto: Arquivo pessoal)
Por mais de dois anos meu pai travou uma batalha contra o câncer. (Foto: Arquivo pessoal)

E quando a gente troca de lugar com os pais? Quando eles se tornam nossos filhos e temos que cuidar como se fossem novamente bebês? Por mais de dois anos meu pai travou uma batalha contra o câncer. E nós - família - travamos junto.

Neste tempo ele passou por cirurgia, teve sequelas irreversíveis, fez tratamento de quimio e radioterapia. Mas as coisas não melhoraram. Cada dia que passava ele se tornava mais nosso filho. Meu, da minha irmã, dos nossos maridos e da nossa mãe, com quem ele não era casado há quase 20 anos, mas, mesmo assim, lutou bravamente conosco.

Por conta da situação me mudei para casa dele. E num curto espaço de tempo a piora ocorreu a passos largos. Na reta final os meninos (os genros) o ajudaram até no banho. Impossível não fazer esse paralelo do pai que passou a ser filho. Frágil, indefeso. E dói. O coração dói. Não o reconhecer mais, fisica e emocionalmente, me trouxe uma angústia que não sei explicar até hoje.

O câncer tem dessas, ele descaracteriza a pessoa enquanto a cura não chega. E no caso do meu pai, sabíamos que ela não chegaria. Então olhava tamanha fragilidade e sentia como se ele fosse um bebê. Não falava, se alimentava somente de líquido (com sonda gástrica direto no estômago), tinha dificuldade de enxergar. Parecia um recém-nascido, só que na verdade estava partindo. Foi (re)nascer em outro plano.

E enquanto isso não aconteceu, nós cuidamos dele. Do nosso bebê. Que às vezes fazia até birra. Emburrava. Exigia de nós. Nos acordava na madrugada. Queria atenção na hora exata. Nos cansou. Mas qual bebê não traz cansaço? O fim da vida parece o começo. É tudo um ciclo. E a exaustão é também proporcional ao amor.

Nós o amamos como o "pai-bebê" que foi. Ele nunca foi um heroizão de comercial de margarina, mas sempre cuidou da gente, fez o máximo que pôde dentro das limitações da sua sofrida vida. E somos gratas por tanto.

Foi a nossa vez de carregá-lo no colo e assim ocorreu até exato um ano atrás quando vimos seu rosto pela última vez. O ser humano pode fazer o caminho inverso. Voltar a ser criança e retornar ao paraíso.

A nós, que ficamos, resta a certeza de que faríamos tudo novamente. Saudade, pai, pra sempre.

(*) Jéssica Benitez é jornalista, mãe do Caetano e da Maria Cecília e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae.

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